Festival de Veneza/©Atlantide

78º Festival de Veneza | ‘Atlantide’ na Laguna.

‘Atlantide’, do italiano Yuri Ancarani, mostra-nos outro lado de uma Veneza sem turistas, povoada por jovens, pequenos delinquentes, que se transportam em pequenos barcos a motor a alta velocidade, numa cidade e nas ilhas com cada vez menos habitantes. Uma verdadeira pérola exibida na secção Orizzonti. 

Na forma de uma ficção contaminada pelo documentário o realizador e video-artista italiano Yuri Ancarani (n. Ravenna, 1972), — já esteve em 2016 no New Directors/New Films, de Espinho), em ‘Atlantide’, proporciona-nos um retrato hipnótico de uma juventude inquieta; ou de verdadeiros gangs de jovens, que vivem em Veneza, nos seus subúrbios ou melhor nas diferentes ilhas da Laguna, mais ou menos desertas, entre os campos de alcachofras e os canais da cidade. Parecem muitos, mas são cada vez menos e mais perdidos (como Daniel, o personagem principal) quanto ao seu futuro, devido ao inexorável despovoamento da cidade, esvaziada de habitantes e repleta de turistas. Atlantide é quase uma investigação documental e social sobre estes aspectos menos conhecidos da grande Laguna e da Sereníssima. Yuri Ancarani mostra-nos as incursões desses jovens e da sua vida quotidiana e inconsequente, entre a pequena delinquência, botellons, festas, sexo, consumo e tráfico de drogas, em Veneza, pelos canais ou pela lagoa a bordo dos pequenos barcos chamados ‘barchini’. Estes barcos são personalizados com luzes LED e equipados com aparelhos de som altos e motores potentes, para fazerem corridas a alta velocidade, entre eles ou para encetarem fugas das lanchas da polícia.

Lê Também:   78º Festival de Veneza: Uma Semana de Competição (1)

VÊ TRAILER DE ‘ATLANTIDE’

Daniele é um jovem de Sant’Erasmo, uma das ilhas das margens da Lagoa de Veneza. Vive com o avô e com a sua inteligência funcional, isolado até mesmo do seu grupo de amigos. Ocupa-se explorando uma existência incerta, em busca apenas de prazer e adrenalina, expressa no culto do seu barchino (barco a motor). Na verdade, a sua obsessão e dos outros jovens, concentra-se na construção de motores cada vez mais potentes, para transformar as pequenas lanchas da lagoa, em barcos de corrida perigosamente rápidos. Daniele também sonha bater o recorde de velocidade no barchino, que o levará ao topo da tabela de classificação, registada num dos marcadores dos canais. Realizar o seu sonho e ganhar o respeito dos amigos, vai acabar em tragédia. O declínio que corrói as relações, ambiente e hábitos de uma geração sem raízes é observado em ‘Atlantide’, a partir da perspectiva atemporal da belíssima paisagem veneziana e arredores de ilhas, que muda de tons ao longo das estações do ano e das horas do dia. O ponto de partida é um simples conto de iniciação masculina centrada em Daniel. Violenta e destinada ao fracasso, esta história aparentemente verdadeira, explode arrastando consigo uma cidade fantasma nas madrugadas, quase numa espécie de naufrágio psicadélico nocturno. Segundo o realizador Yuri Ancarani, ‘Atlantide’ é um filme que começou praticamente sem argumento ou personagens. A história desenvolveu-se ao longo de quatro anos de observação, em que conheceu e acompanhou estes jovens. Os diálogos e situações são retirados mesmo das suas vidas reais. O filme, sem vestígios ainda da pandemia e com os barcos de cruzeiro a passar pela cidade, parece querer registrar de perto ou melhor vivenciar, um momento de grande mudança para Veneza e para a sua lagoa, através de uma perspectiva quase indetectável e muito particular: o olhar desses jovens, das suas vidas, perspectivas e também dos seus barcos. A fotografia e a banda sonoras são magnificas. Há um momento de uma perseguição da polícia a uma barchino que é uma verdadeira sequência de um filme do 007. O realizador, guarda-nos a grande surpresa para o epílogo e para um grand finale. 

JVM

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *