©Filmes4You

‘A Fuga’, em análise

O documentário de animação ‘A Fuga’ do dinamarquês Jonas Poher Rasmussen, sobre a jornada de um refugiado afegão em busca da estabilidade e segurança na Europa dos anos 80, é um conto sublime e único, que tem, três nomeações aos Óscares. É uma maravilha! Estreia a 7 de Abril.

‘A Fuga’, de Jonas Poher Rasmussen (Searching for Bill, 2012), é um dos filmes de animação (e dos outros formatos também) mais fascinantes dos últimos anos e sobretudo da temporada de 2020/21, pela multiplicidade dos temas que aborda e a forma sensível como o faz. O filme, que recebeu o selo do Festival de Cannes 2020 — que como se sabe não se chegou realizar — teve que esperar cerca de meio ano para estrear na Competição Mundial de Documentários do Festival de Sundance 2021, onde se tornou um dos títulos mais aclamados do público e da crítica; e, mesmo assim demorou mais algum tempo, para chegar finalmente às salas de cinema. Entretanto, além das 3 nomeações para os Óscares 2022 — são legítimas, porque só estreou em salas em 2021 — nas categorias de Melhor Documentário, Melhor Filme de Animação, Melhor Filme Internacional, sendo um forte candidato a fazer a ‘dobradinha’ nas duas primeiras; tem uma lista enorme de nomeações e prémios, entre outros, os de Melhor Documentário, Melhor Animação e Melhor Filme Universidades, nos EFA-Prémios de Cinema Europeu. ‘A Fuga’, retrata de um forma única as tentativas de um jovem refugiado afegão para encontrar asilo no exterior, através de uma viagem pessoal, que é tudo menos linear e tranquila. É importante dizer também que o filme tem como produtor-executivo, o ator-cantor londrino e estrela ascendente (de origem paquistanesa) Riz Ahmed (Riz MC), nomeado a um Óscar pelo seu notável desempenho em O Som do Metal (2020), onde interpreta o baterista de heavy metal, que fica duro e perde a oportunidade de fazer uma grande carreira. ‘A Fuga’, em parte tem tudo a ver com a história pessoal de Ahmed pois é filho de imigrantes, que deixaram sua terra natal para tentar a sua sorte em solo europeu.

Lê Também:   72ª Berlinale | Filmes portugueses supernaturais

VÊ TRAILER DE ‘A FUGA’

Voltando ao filme em si, em ‘A Fuga’, o realizador dinamarquês Jonas Poher Rasmussen emprega meios extraordinários e principalmente a animação, para nos revelar, as memórias do seu protagonista, Amin — um amigo seu da escola —, um anónimo académico, transformando-as numa espécie de odisseia pessoal ou melhor quase um thriller de suspense, sustentado pela credibilidade e veracidade do documentário pessoal e biográfico. Um dos elementos mais subtis, dos muitos que constroem este filme bastante original, vem logo nos minutos iniciais, quando Amin — um pseudónimo para proteger seu anonimato, tal como dos outros personagens — está sentado num sofá, como se fosse uma conversa (ou uma entrevista) com o seu amigo realizador e preparando-se ambos para nos contarem uma boa história. Quando o público começa a acomodar-se para ouvi-la, uma claquete de filme aparece no quadro, enquanto os dois personagens riem-se e recomeçam a cena tudo de novo: Amin, está prestes a casar-se com o homem que ama e parece disposto a partilhar as histórias do seu passado como refugiado até chegar à Dinamarca, bem como a sua enorme e especial admiração, pelo actor Jean-Claude Van Damme. Ao contrário das muitas histórias sobre imigrantes que temos assistido no cinema contemporâneo, ‘A Fuga’ passa-se durante a última fase da guerra afegã-soviética, nos finais da década de 1980, onde deixar o seu país, tornou-se a única alternativa para muitos cidadãos. Porém, a actual crise de refugiados, aparece-nos com óbvia, também no contexto desta história do passado recente e agora ainda mais. Amin, então adolescente, fugiu do Afeganistão com sua frágil mãe e três irmãos mais velhos para a Rússia, o único país disposto a acolhê-los. Curioso não é? No entanto, esta foi apenas uma solução temporária, pois os seus vistos acabariam rapidamente por expirar, enquanto o país estava ainda num estado de agitação interna, após a queda do comunismo. A maior parte do filme segue as malfadadas e kafkianas (no sentido burocrático e legal) tentativas de Amin para se estabelecer num país europeu, que lhe desse segurança e à sua família; família esta que acabou por se dispersar, por vários países europeus — Amin, foi sozinho para a Dinamarca — até se reencontrarem, anos depois. As pessoas, também não se definem apenas pelo seu estatuto político, religioso e cultural. E assim, outra chave desta história pessoal está no crescente assumir da sexualidade queer de Amin, que lhe realçam algumas contradições afectivas e de identidade; mas também importantes escolhas pessoais como a aceitação, o amor, a amizade, a tolerância, a compreensão da família. Sobretudo no seu percurso realça-se a sua enorme capacidade de superação, quanto aos dogmas do Islão e preconceitos também da sociedade dinamarquesa e europeia. 

Flee
©Filmes4You

‘A Fuga’ é um filme feito com a técnica de animação manual, marcada por traços inclinados e imperfeições típicas de uma banda-desenhada convencional. Por vezes faz lembrar um pouco Persépolis (2007), da iraniana Marjane Satrapi, mas esta colorida. Outro aspecto deste filme incontornável, diz respeito ao tipo de realidade e à dimensão em que observamos: é uma abordagem de uma realidade subjectiva, mas a nossa percepção em relação a ela é de verdade, já que como memórias, estas poderiam ter sido recriadas por actores ou pelas figuras reais desta história verídica. Pelo contrário estas são substituídas por desenhos animados. Porém, a ideia magistral deste filme, está precisamente nessa eficácia, de como o cinema de animação literalmente ilustra essa história pessoal verídica. Embora já existissem outros documentários animados, como o famoso Valsa com Bashir, (2008) de Ari Folman, este talvez seja mais tocante pela sua abordagem mais pessoal e sua descrição auto-biográfica: é alguém que nos conta directamente a sua história pessoal. É curioso de ver igualmente com em ‘A Fuga’, o esplendor da cor e próprios os exageros espaciais da personagem do Amin, nos transmitem essa sensação de ter um acesso mais facilitado às suas memórias e ao seu passado. Na verdade, tanto as nossas memórias, como os sonhos, parecem-nos por vezes ora filmes ora desenhos animados. A animação, do realizador dinamarquês Jonas Poher Rasmussen e da sua equipa do Sun Creature Studio, apesar de algum humor e ironia, também não se afasta dos acontecimentos dramáticos que se desenrolaram no Afeganistão, que parecem estar agora a repetir-se nos últimos dias na Ucrânia. As sequências de abertura em Cabul no início dos anos 80 são uma profusão de cores e de exuberância estética, refinadas, com a inclusão de uma fabulosa banda sonora do tema ‘Take on Me dos noruegueses A-ha, aliás para quem se recorda, também é um memorável videoclip de animação. De seguida, vê-mos os desenhos das labirínticas ruas de São Petersburgo, que parecem ter sofrido com os tumultos diários em massa, dos tempos da Perestroika; enquanto um outra sequência a bordo de um enorme navio de passageiros é um momento de realismo, de tirar o fôlego a qualquer espectador. Enfim, tudo maravilhoso….às vezes também terrível!

Lê Também:   15ª Festa do Cinema Italiano | Universo Pasolini
A Fuga
©Filmes4You

A génese de ‘A Fuga’ surgiu efectivamente fruto da amizade e cumplicidade entre o realizador e o personagem principal de Amin. Os dois conheceram-se numa escola do ensino médio, e Rasmussen sempre lhe fez espécie de como Amin, um tipo de tez morena, gay e muçulmano, se consegui fixar na Dinamarca e inclusive ter sucesso na vida, já que se torna num ilustre investigador universitário. A verdade é que quase todos nós temos um amigo ou um conhecido, cuja vida é uma história incrível, que poderia dar um grande filme. Neste caso, Rasmussen antecipou-se-nos e fez este filme hipotético e maravilhoso, que todos nós gostaríamos de fazer. O resultado é uma verdadeira pérola de cinema, que oscila entre a profunda reflexão e entretenimento. É absolutamente a não perder!

JVM

A Fuga, em análise
Flee

Movie title: Flee

Movie description: ‘A Fuga’, o realizador dinamarquês Jonas Poher Rasmussen emprega meios extraordinários e principalmente a animação, para nos revelar, as memórias do seu protagonista, Amin — um amigo seu da escola —, um anónimo académico, transformando-as numa espécie de odisseia pessoal ou melhor quase um thriller de suspense, sustentado pela credibilidade e veracidade do documentário pessoal e biográfico.

Date published: 30 de January de 2022

Country: Dinamarca, França, Suécia, Noruega, EUA, Eslovénia, Estónia, Espanha, Itália, Finlândia, 2021

Duration: 83'

Director(s): Jonas Poher Rasmussen

Actor(s): Rashid Aitouganov (voz)

Genre: Documentário; Animação

[ More ]

  • José Vieira Mendes - 90
  • Maggie Silva - 90
90

CONCLUSÃO

‘A Fuga’, do dinamarquês Jonas Poher Rasmussen, conta-nos a difícil jornada e a vida de Amin e dos seus familiares, nascidos em Cabul, no Afeganistão,  na década de 80, compondo uma notável narrativa de animação de tons épicos e dramáticos. Porém, está igualmente temperada com pitadas de humor e ironia visíveis por exemplo em diálogos do filme, e em excertos dos protagonizados por Jean-Claude Van Damme — do qual Amin é grande fã — e por telenovelas mexicanas. O adolescente Amin nunca mais teria notícias do pai e da sua família que se espalharia por diversos países europeus, enquanto ele foi felizmente parar à Dinamarca. O filme é sobretudo uma crónica pessoal e íntima em cinema de animação, sobre a aceitação, o amor, a amizade, a tolerância, a compreensão da família e também uma lição de vida, que não podia ser mais oportuna para os tempos que vivemos.

Pros

Tudo neste filme é bom! É uma pequena obra-prima do cinema contemporâneo e não podia estrear nas salas em melhor ou antes na pior altura de um conflito mundial e mais uma crise de refugiados;

Cons

É mesmo revelar em fundo, o que parece não ter sido uma lição para a Mundo, as muitas das atrocidades dos russos durante a invasão do Afeganistão nos anos 80 do século XX, a pretexto e na altura (e com o apoio dos EUA), defender a população dos talibãs.

Sending
User Review
2 (1 vote)
Comments Rating 0 (0 reviews)

Leave a Reply

Sending