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História dos Óscares | A aclamação de Nicole Kidman em foco

Analisamos as interpretações de Nicole Kidman aclamadas nos Óscares da Academia e celebramos uma das atrizes mais elegantes de Hollywood.  

Hoje em dia todos falam de Nicole Kidman. É uma das maiores estrelas do cinema do mundo, nomeada para o Óscar de Melhor Atriz na 94ª edição dos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Lastimavelmente, nos últimos anos, muito daquilo que tem sido escrito sobre Nicole Kidman tem a ver com a sua aparência, o seu estilo, a sua ex-relação com Tom Cruise e pouco sobre as suas performances. Nicole Kidman nem sequer é uma figura polémica ou faz intenções de o ser, mas todos apontam o dedo às suas escolhas profissionais e opções pessoais. Hoje queremos fazer algo diferente, como tem sido habitual nesta rubrica que é também de celebração de atores.

Não é fácil falar das estrelas que mais gostamos e das suas personagens responsáveis por conquistar a nossa admiração. Falar de atores simplesmente pela forma como tocam os nossos corações faz-nos cair na tentação de celebrar tudo o que fazem, do mais simplório ao mais exigente. O nosso encanto e admiração por Nicole Kidman nada tem a ver com os seus olhos azuis cianos, que de uma forma muito subtil foram capazes de fomentar as maiores fragilidades e virtudes das suas personagens. Também não tem nada a ver com a sua boa forma física ou com os seus cabelos loiros, outrora ruivos, que a parecem colocar num pedestal do star-system, como se fosse a Grace Kelly dos nossos tempos – a quem curiosamente já deu vida no grande ecrã. Nicole Kidman é sim uma profissional que acrescenta humanidade, generosidade, postura e consciência a várias mulheres. Desde o primeiro minuto que a vimos no ecrã molda o nosso imaginário cinematográfico.

Nicole Kidman
Nicole Kidman em “Being the Ricardos” © Amazon Prime Video
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Apesar de alguns percalços, sabemos que Nicole Kidman foi corajosa o suficiente para mudar o chip na sua carreira no início da década passada, ao começar a produzir e protagonizar alguns dos maiores êxitos televisivos. Sabemos que é capaz de agarrar qualquer personagem, criada do zero ou inspirada em pessoas reais, e dar um ar de charme que nos deixa completamente rendidos. Com as personagens de Nicole Kidman sentimo-nos aptos para superar qualquer trauma, perda ou doença. Nicole Kidman é uma atriz corajosa, mas não faz questão de se deslumbrar de si própria. Esta é uma atriz que soube trilhar o seu caminho, sem precisar de emaranhar-se nas mais frívolas manipulações hollywoodescas.

Queremos que este artigo seja sobretudo visto como uma carta de amor à atriz australiana mais americana de sempre. Vamos celebrar todas as suas nomeações para os Óscares de Nicole Kidman, contextualizar esses episódios e perceber, como aos 54 anos (nasceu a 20 de junho de 1967 no Havai) Nicole Kidman continua a surpreender no cinema, na televisão e no streaming.




Nicole Kidman em Moulin Rouge! (2001)

Nicole Kidman
Nicole Kidman e Ewan McGregor em “Moulin Rouge” © 2001 – 20th Century Fox

Nicole Kidman é hoje uma atriz perfeitamente alinhada na máquina fazer de cinema de Hollywood. Participa não só em projetos independentes, como também em verdadeiros blockbusters como “Aquaman” (James Wan, 2018) da Warner Bros. que conta as origens do herói da banda-desenhada da DC Comics. Mas em 2001 a situação era muito diferente. Mesmo com participações aclamadas em filmes dos anos 90 como “Disposta a Tudo” (Gus van Sant, 1995) e “Retrato de Uma Senhora” (Jane Campion, 1994), Nicole Kidman era ainda pouco apreciada nos EUA.

Muito do seu sucesso estava sustentado na participação em “Dias de Tempestade” (Tony Scott, 1992) e no facto de se ter casado com o protagonista desse filme, a maior estrela de cinema do mundo. A atriz apaixonou-se fervorosamente e o resto ficou para a História. Durante a sua presença em passadeiras vermelhas, cerimónias de prémios e talk-shows, Nicole Kidman era meramente conhecida como “a esposa de Tom Cruise“. Só nos inícios dos anos 2000, após um turbulento e mediático divórcio, conseguiu provar que estava na América para brilhar e fazer aquilo que faz melhor. De certo modo, soube proteger-se dos golpes mediáticos, e como ainda não haviam redes sociais, as ondas fluíram a seu favor. Depois de uma passagem pelo The West End com “The Blue Room”, dirigida por Sam Mendes, receberia um ramo de flores de Baz Luhrmann e audição após audição, lá conseguiu o que muitos consideram ser o papel da sua carreira.

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A intensidade e o lado emocional nos palcos ajudaram-lhe na performance em “Moulin Rouge!” (Baz Luhrmann, 2001). Santine, a cortesã do mítico cabaret parisiense foi a maneira mais perspicaz de Kidman revelar-se ao público e a Hollywood. Apesar da elegância e beleza, a sua personagem não se reduz ao físico, e vai (re)aprender a ver além do mundo de extravagâncias burguesas que a rodeiam. Pena que esta força da natureza esteja destinada à tragédia. Há, por certo, através do seu cantar e do seu baile, um reflexo da ambição do público em ver renascido o musical em Hollywood com a mesma magnitude de antes. “Moulin Rouge!” pegou em canções do universo pop e entregou de bandeja um aprimorado jukebox musical que mudaria o paradigma do género. Nesse submundo francês, egoísta e superficial, há ainda esperança porque um anjo desce dos céus e faz cintilar os nossos olhos. Mesmo que esse anjo precise de alguns diamantes para voar, percebemos que a vida precisa de ser vivida intensamente com algum glamour e muita magia.

Além do estrondoso êxito da crítica, “Moulin Rouge!” conseguiu 179,2 milhões de dólares em bilheteira, perante um orçamento que não superava os 50 milhões. Ao participar no filme de Baz Luhrmann, Nicole Kidman foi nomeada pela primeira vez aos Óscares. Tardou algum tempo, mas aos 34 anos foi aplaudida pelos seus colegas de ofício.

No total foram 8 nomeações para os Óscares: Melhor Filme, Melhor Direcção Artística, Melhor Fotografia, Melhores Figurinos, Melhor Montagem, Melhor Maquilhagem e Melhor Som. Hoje é para muitos o filme mais lembrado desse ano, assim como Nicole Kidman é a mais lembrada de todas as atrizes nomeadas àquela que foi a 74ª edição dos Óscares. Concorria ao lado de Judi Dench por “Iris”, Sissy Spacek em “Vidas Privadas” (ambas com vitórias anteriores) e outras nomeadas estreantes: Renée Zellweger em “O Diário de Bridget Jones” e Halle Berry em “Monster’s Ball – Depois do Ódio”. Como todos sabemos estamos no ano de celebração de Berry, que continua a ser a única mulher de cor vencedora do Óscar de Melhor Atriz.

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Nicole Kidman perde o Óscar para Halle Berry

Sissy Spacek tinha ganho o Globo de Ouro de Melhor Atriz Drama e tinha o apoio da Miramax de Harvey Weinstein, mas perdeu o Screen Actors Guild Award para Halle Berry. Por sua vez, Nicole Kidman só ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia em Musical, e com a vitória de Berry no sindicato de atores, insurgia como a terceira preferida na corrida.

A aclamação de Berry é curiosa, pois o seu filme estava apenas nomeado a dois galardões, sendo a outra nomeação para Melhor Argumento Original, enquanto “Vidas Privadas” e “Moulin Rouge!” eram títulos fortes ao Óscar de Melhor Filme. Sem tirar o crédito a Halle Berry e com o devido respeito pelo seu feito histórico, foi Nicole Kidman quem ofereceu a melhor interpretação do lote. Contudo a sua a vitória nos Óscares não aconteceu, porque de certo modo não convinha à indústria nesse ano.

Nicole Kidman
Nicole Kidman em “Moulin Rouge!” (2001) |© Twentieth Century Fox

A chegada do novo milénio evidenciava como os Óscares poderiam abrir novas portas e, aproveitando as circunstâncias em que Sidney Poitier recebeu o Óscar Honorário, poderiam finalmente ser celebradas as novas gerações de atores afro-americanos que tanto ansiavam ser reconhecidos pela sua indústria – afinal Denzel Washington venceu também o Óscar de Melhor Ator. Mesmo assim, os Óscares 2001 acabaram reduzidos a uma miragem, pois jamais nenhuma atriz negra voltou a subir ao palco para receber o Óscar de Melhor Atriz. Até Halle Berry apenas 6 negras tinham sido nomeadas ao Óscar de Melhor Atriz: Angela Bassett, Whoopi Goldberg, Diahann Carroll, Cicely Tyson, Diana Ross e Dorothy Dandridge – em 73 anos de Academia!

Tivemos que aguardar até 2016 e à controvérsia do #OscarsSoWhite, para que finalmente Hollywood abrissem os olhos e se confrontasse com os seus sistemáticos erros. Portanto, se num mundo ideal, Nicole Kidman teria ganho o Óscar em 2001, também num mundo ideal já existiriam muitas vencedoras não caucasianas vencedoras do Óscar.

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Após os Óscares 2002 e como tantas vezes Berry refere em entrevistas (como aquela do vídeo acima), a hipocrisia dos estúdios renegaria-a ao esquecimento, sem qualquer chamada telefónica para um novo trabalho. Quanto a Nicole Kidman, que é o foco deste artigo, continuou a surpreender. Não que uma deva nada à outra, não é disso que falamos. Nicole Kidman saiu privilegiada no contexto das engenhocas da indústria enquanto Halle Berry ficou para segundo plano, devido aos problemas da Academia.

A segunda nomeação para o Óscar de Nicole Kidman estava apenas a 365 dias de distância e iremos analisá-la a seguir.




Nicole Kidman em As Horas (2002)

Depois de “Moulin Rouge!”, Nicole Kidman conquistara o mundo. Passaria pouco até participar num filme com a chancela Miramax, do todo-poderoso Harvey Weinstein e do seu irmão Bob Weinstein, agora expulsos do mundo audiovisual. Referimo-nos a “As Horas” (Stephen Daldry, 2002), um dos trabalhos mais refinados da atriz, onde deu corpo e alma a Virginia Woolf.

Nicole Kidman interpreta uma personagem que existiu na realidade, mas “As Horas” não é um biopic convencional. É um drama humano que sabe aproveitar-se dos questionamentos emocionais de uma das principais escritoras e ensaístas do século XX para perceber a condição feminina e as gerações que estavam por vir.

Virginia Woolf de Nicole Kidman é assim uma das três mulheres dessa trama, sendo aquela com menos tempo de ecrã. Contudo, a personagem molda a história e o comportamento de outras duas mulheres à procura de um sentido maior para as suas corriqueiras vidas domésticas. O filme divide-se em três épocas – os anos 20 onde Virginia Woolf lida com a depressão -, os anos 50 onde a dona de casa Laura Brown (Julianne Moore) é afetada pelo romance “Mrs. Dalloway” e os inícios dos anos 2000, no qual Clarissa Vaughan (Meryl Streep) vive eventos semelhantes àqueles contados na obra. As 3 atrizes oferecem trabalhos excepcionais, mas foi Nicole Kidman que conseguiu ser nomeada ao Óscar de Melhor Atriz e que venceu. Julianne Moore foi nomeada ao Óscar de Melhor Atriz Secundária, porém Meryl Streep, recordista de nomeações para os Óscares, nem sequer teve a sorte de ser candidata nesse ano.

Nicole Kidman soube aceitar o desafio, por muito arriscado que pudessem parecer. A imagem de uma atriz jovem que começava a dar os seus primeiros passos como ícone da moda escondeu-se nos maneirismos, de uma maneira absolutamente fascinante de Virginia Woolf, que surge na trama nos seus momentos mais delicados. Como sugeriu em várias conversas, a interpretação de Nicole Kidman custou-lhe a sua sanidade e saiu fragilizada da rodagem. Tornava-se também ela uma pessoa mais distante e deprimida, não só com o seu corpo, como para com aqueles que a rodeavam. O pai obrigou-a a regressar a casa durante um tempo. Ser ator tem destes desafios e a australiana soube erguer-se.

Aproveitaria certamente a carga emocional sementada pelo desempenho de Virginia Woolf para moldar emoções mais íntimas das suas personagens seguintes. Como Virginia Woolf, Kidman faz justiça a uma pessoa que dificilmente conseguiria entender as ondas do seu pensamento. Ao revistarmos “As Horas” na atualidade somos dominados por uma certa melancolia, interrogamo-nos sobre o chamamos dia a dia, e somos puxados para um quarto só seu. Nicole Kidman está irreconhecível no filme por que utiliza um nariz de látex, num trabalho de maquilhagem que tardava 3 horas por dia de rodagem. Relembremos o momento em que Denzel Washington entrega-lhe o Óscar e goza literalmente com esse nariz.

Nicole Kidman vence o Óscar de Melhor Atriz

Pensar na vitória do Óscar de Nicole Kidman é pensar estúdios Miramax e no impacto que tiveram nas temporadas de prémios durante 30 décadas. Estamos num dos anos do pós-“A Paixão de Shakespeare” (John Madden, 1997), e mesmo que o estúdio tivesse obtido as piores receitas de bilheteira dos últimos cinco anos, os Óscares 2003 foram uma contínua prova do braço de ferro de Harvey Weinstein, tanto na categoria principal de Melhor Filme, como em técnicas e categorias de representação. Vejamos então as nomeadas ao Óscares Melhor Atriz nesse ano.

  • Nicole Kidman, “As Horas”
  • Diane Lane, “Infiel”
  • Julianne Moore, “Longe do Paraíso”
  • Renée Zellweger, “Chicago”
  • Salma Hayek, “Frida”

Ora 3 das 5 nomeadas (Salma Hayek, Renée Zellweger e Nicole Kidman), participavam em filmes com produção executiva de Harvey Weinstein. Ou seja, Weinstein consumido pelo seu egocentrismo não se importava nada de fazer campanhas para os Óscares contra si mesmo. Claro que os estúdios fazem-no ainda nos dias de hoje, mas a questão de Weinstein é mais relevante pela maneira como fazia campanhas agressivas para que os seus filmes ganharem um Óscar. Mesmo uns contra os outros, algum dos filmes Miramax acabaria por ter votos por parte da Academia. Aliás, os irmãos Weinstein tinham os seus nomes por detrás de 4 dos 5 nomeados à estatueta de Melhor Filme, com “Chicago” a ser o grande homenageado da noite.

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A história é realmente interessante. Weinstein passou pouco tempo nos bastidores de “Chicago” e não se importou muito com o lançamento de “As Horas”. A sua maior preocupação nesse ano era “Gangues de Nova Iorque”, o filme de Martin Scorsese protagonizado por Daniel Day-Lewis e Leonardo DiCaprio. Weinstein aproveitou um artigo do Los Angeles Daily News que referia Robert Wise – cineasta de “West Side Story” e “Música do Coração” para promover este filme:

“O duas vezes vencedor do Óscar, Robert Wise declara que Scorsese merece o Óscar por Gangues de Nova Iorque.”

A citação nos anúncios de campanha para os Óscares era uma forma de persuasão. Ainda assim, a controvérsia aumentou quando foi revelado que o publicitário da Miramax, Murray Weissman tinha sido o responsável pelo artigo original e que o seu conteúdo havia sido modificado. Houve quem considerasse a tática uma jogada demasiado indecente. Já não bastavam as críticas mistas, “Gangues de Nova Iorque” acabou tendo uma tremenda perda em termos de marketing muito da estratégia de Weinstein. Devido à sua obsessão com o filme de Scorsese, não enviou “As Horas” para o Festival de Cinema de Veneza e preferiu lançá-lo no dia de Natal nos Estados Unidos.

Se Renée Zellweger tinha ganho o SAG e o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia ou Musical, Nicole Kidman tinha ganho o Globo de Ouro de Melhor Atriz Dramática e venceu também o prémio BAFTA. Embora com uma campanha mais discreta em relação a Zellweger – com quem também tinha concorrido no ano anterior -, a aussie saiu beneficiada. Nicole Kidman é surpreendentemente uma das vencedoras do Óscar de Melhor Atriz com menos tempo de ecrã. O filme tem cerca de duas horas, mas Kidman só está nele por cerca de 23 minutos. No ano seguinte, “Cold Mountain” (Anthony Minghella, 2003), filme protagonizado por Nicole Kidman, Jude Law e Renée Zellweger teve uma forte campanha para os Óscares, mas aí sim a campanha de Harvey Weinstein foi intensificada em torno de Zellweger. Deixemos essa conversa para outro momento.

Segue as setas para conheceres todas as interpretações que valeram o Óscar a Nicole Kidman. 




Nicole Kidman em Rabbit Hole

Nicole Kidman
Nicole Kidman em “O Outro Lado do Coração” © 2010 – Lionsgate

Com um conjunto de longas-metragens de sucesso como “A Bússola Dourada” de Chris Weitz ou “Austrália”, de  Baz Luhrmann, todos eles nomeados para os Óscares (mesmo em categorias técnicas), Nicole Kidman tinha uma carreira sólida e bem estabelecida em Hollywood. Curiosamente estava a perder terreno junto da Academia e é curioso não a termos visto mais vezes nomeada quando a sua carreira estava de vento em pompa. Na verdade até aos Óscares 2011, não era nomeada desde a sua primeira e única vitória.

Tudo mudou quando leu o argumento de “O Outro Lado do Coração“, uma adaptação da peça de David Lindsay-Abaire vencedora do Prémio Pulitzer, que a levou às lágrimas. Envolveu-se neste projeto como nunca antes tinha feito e partir daí foram aplausos atrás de aplausos, que valeram um piscar de olhos da Academia. Nicole Kidman foi nomeada ao Globo de Ouro, aos Critics Choice Awards e aos Screen Actors Guild Awards e foi nomeada ao Óscar de Melhor Atriz na 83ª entrega dos prémios da Academia, naquele que é provavelmente o seu desempenho mais emocional, por muito reprimida a sua personagem possa parecer. Em certa medida, se a transformação como Virginia Woolf em “As Horas” era já meticulosa do ponto de vista físico e mental, a Becca de “O Outro Lado do Coração” é talvez a interpretação mais intimista e a mais díficil de contemplar desta australiana.

Dado o sofrimento que a protagonista carrega, devido à morte do seu filho à porta de casa, Becca encerra-se em si mesma e não dá seguimento às atividades do dia a dia. Becca está presa num mundo que já não existe e isso acaba por criar-lhe alguma raiva, por torná-la num arame farpado de emoções. Temos o retrato tenebroso de alguém que não consegue dar o próximo passo, que nem tocar ou beijar o marido é capaz. O isolamento perante a casa, a sua própria progenitora e a sociedade são o caminho de Becca para a superação, não tem outra maneira para fazê-lo. A interpretação de Nicole Kidman é sensível, dessa mulher que não é capaz de arrumar a angústia em lado nenhum e que nem cabe num pedaço de terra cavado no solo. Nicole Kidman revelou ao The Hollywood Reporter que “O Outro Lado do Coração” foi um filme emocionalmente complicado.

“Particularmente como mãe, é um lugar aterrorizante para se estar. A vida pode ser bonita, mas no outro extremo do espectro, pode ser dolorosa. A perda de um filho não é explorada no cinema com tanta frequência, mas precisa. Como produtora eu também sou responsável por este filme”.

Nicole Kidman perde o Óscar para Natalie Portman

Apesar de aclamado pela crítica, “O Outro Lado do Coração” nunca chegou a ter a amplitude em termos de galardões que outros filmes protagonizados por Nicole Kidman tiveram. Foi somente nomeado ao Óscar de Melhor Atriz e não venceu praticamente nenhum dos outros troféus ao qual era candidato.

Não deixa de ser uma das melhores interpretações desse ano e uma das mais respeitosas de Kidman, que teve também uma outra importância por tratar-se do seu primeiro filme como produtora. A partir deste projeto nasceu a Blossom Films , companhia que Kidman detém juntamente com Per Saari. Desde então tem produzido uma série de conteúdos para cinema e alguns dos mais importantes na televisão. “Rabbit Hole” pode ter sido um fracasso em termos de espectadores, mas foi o despertar de Kidman para uma nova arte, onde ela mudesse simplesmente gerir a criação com alguma relevância.

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Em relação aos Óscares 2011, “O Outro Lado do Coração” não facturou mais de 3 milhões de dólares nas bilheteiras de todo o mundo, sendo o filme com menor receita nas categorias de representação. Estamos numa década onde a bilheteira influenciou bastante os prémios da Academia. Kidman concorria junto a Natalie Portman em “Cisne Negro”, que teve mais de 329 milhões de dólares em bilheteira; Annette Bening em “Os Miúdos Estão Bem” (com 34,7 milhões de dólares arrecadados); Jennifer Lawrence em “Despojos de Inverno” (com 16,1 milhões de dólares arrecadados) e Michelle Williams em “Blue Valentine” (com 16,6 milhões de receita).

Kidman era de todas as nomeadas talvez que menos ameaçava Natalie Portman, que conquistou tudo e todos com o seu desempenho perturbante. Pelo menos, a nomeação ninguém lhe tirou e “O Outro Lado do Coração” ficará na memória dos fãs desta requintada atriz.




Nicole Kidman em Lion – A Longa Estrada para Casa

Lion a longa estrada
Nicole Kidman

Entre 2011 e 2016, Nicole Kidman fez alguns filmes comerciais, como uma comédia com Adam Sandler e Jennifer Aniston e um thriller com Nicolas Cage, mas todos sentíamos que precisava mudar algo. Ainda desfrutou do sucesso do encantador filme “Paddington” (Paul King, 2014) e atuou em projetos de realizadores internacionais notáveis, como “The Paperboy – Um Rapaz do Sul” (Lee Daniels, 2012), “Stoker” (Chan-wook Park, 2013), “Rainha do Deserto” (Werner Herzog, 2015) e “Grace do Mónaco” (Olivier Dahan, 2014), mas nem todos funcionaram.

Nicole Kidman sempre disse que escolhe os seus filmes pela emoção provocada pela história e pela vontade de trabalhar com um determinado realizador, mas o sucesso em cinema parecia estar a apagar-se. E quando isso acontece o que fazer? Talvez seja melhor voltar a casa e às origens. Nicole Kidman voltou à Austrália para interpretar uma personagem real, das suas performances mais tocantes.

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Falamos do filme “Lion – A Longa Estrada Para Casa” (Garth Davis, 2016), drama que aborda a história real de Saroo, um miúdo indiano que após ficar sozinho num comboio e de chegar a um centro de crianças abandonadas, é adotado pelo casal Sue e John Brierley. Vai viver com a sua nova família na Tasmânia, mas aos poucos revela o seu desejo de reencontrar-se com os seus familiares biológicos e percorre no Google Maps o caminho para casa. Nicole Kidman é a mãe adotiva de Saroo e apresenta-nos a sua personagem mais autêntica e natural.

A experiência de Nicole Kidman com a adoção – adotou os seus filhos Connor e Isabella durante o casamento com Tom Cruise – contribuiu para a profundidade da sua interpretação. Aliás, Nicole Kidman sabia desde muito cedo que queria adotar, e o mesmo acontecera com a verdadeira Sue Brierley. Para a rodagem, passou por enormes momentos de preparação e ensaios até conseguir ganhar a confiança e intensa relação de Sunny Pawar (o ator que interpreta Saroo com 5 anos), enquanto que a sua relação com Dev Patel, foi trabalhada do lado mais maternal possível.

Para Nicole, “Lion – A Longa Estrada para Casa” é uma homenagem aos seus filhos mais velhos, e daquilo que significa ser mãe de uma maneira tão comovente. O filme acabou por ser um sucesso esperado em termos de galardões, com a vitória do BAFTA de Melhor Ator Secundário por Dev Patel e um conjunto de nomeações para Nicole Kidman, que incluiu a nomeação ao Óscar de Melhor Atriz Secundária na 89ª edição das estatuetas douradas. Eis a lista de nomeadas:

  • Nicole Kidman, “Lion – A Longa Estrada para Casa
  • Viola Davis por “Vedações
  • Naomie Harris por “Moonlight”
  • Michelle Williams por “Manchester by the Sea
  • Octavia Spencer por “Elementos Secretos”

Nicole Kidman perdeu para Viola Davis, mas este continua a ser um dos filmes mais aclamados da última década e com outras 5 nomeações para os Óscares: Melhor Ator Secundário, Melhor Fotografia, Melhor Banda-Sonora Original, Melhor Argumento Adaptado e Melhor Filme. E conseguem imaginar quem esteve por detrás da campanha deste filme australiano para ampliar a sua projeção à escala global? Harvey Weinstein.

Nicole Kidman nomeada ao Óscar de Melhor Atriz Secundária

A The Weinstein Company, à beira das denúncias dos escândalos sexuais de Harvey Weinstein, fez uma campanha sólida em torno do filme no decurso do seu sucesso no 41º Festival de Cinema de Toronto. O público ficou rendido à história que alcançou 16 milhões de dólares em bilheteira em apenas dois meses nos EUA e Canadá. A The Weinstein Company estava a perder corrida nos prémios – depois das vitórias de “O Discurso do Rei” (Tom Hooper, 2011) e “O Artista” (Michel Hazanavicius, 2012), mas isso não impediu “Lion” de ser a sua última grande conquista nesta temporada de galardões, mesmo que em termos de estatuetas douradas não tenha ganho nenhuma.

Para a campanha de “Lion – A Longa Estrada para Casa“, o produtor executivo referiu até a UNICEF e fez alusão às políticas de Donald Trump contra os imigrantes – estávamos afinal nos primeiros tempos do mandato deste presidente. Weinstein gostava de pegar em histórias verídicas e glorificá-las junto da Academia, fazendo de tudo para ganhar terreno aos seus adversários.

“Lion” é a 26ª nomeação para o Óscar Melhor Filme da TWC em 28 anos, e é tão emocionante quanto o primeira. Eu não poderia estar mais orgulhoso de toda a equipa. A parte mais importante disso é o efeito que ‘Lion’ está a ter em questões sociais em todo o mundo. Os seus temas de diversidade, amor e unidade são muito especiais para mim em termos pessoais. A UNICEF disse melhor – ‘Lion – A Longa Estrada para Casa’ é um hino de esperança, amor e aceitação.” Isso significa muito para mim, mais do que qualquer coisa.”

Como o tempo o provou, “Lion – A Longa Estrada para Casa” – e muitos dos dramas assinados por Harvey Weinstein – conseguiu sobreviver às garras do predador sexual e continua a ser acarinhado um pouco por todos os espectadores. A interpretação de Nicole Kidman é uma das diversas razões pelas quais deveremos continuar a celebrá-lo.

É ela quem carrega o propósito do filme: mostrar as motivações pelos quais muitos casais decidem adotar não por não puderem engravidar, mas por dar melhores condições a crianças provenientes de países menos desenvolvidos, com limitantes acessos a condições de saneamento básico. A cena que ficou marcada na memória os amantes desta tão cativante atriz australiana acontece entre Sue e Saroo e pode ser vista adiante. O discurso de Nicole Kidman na pele de mãe é um momento muito discreto, mas a câmara nunca abandona o seu rosto cheio de lágrimas sinceras.

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Entendemos o quão frágil o coração de uma progenitora pode ser e tudo é transmitido com enorme convicção e apelo dramático. Aquilo que a personagem diz está diretamente relacionado à vida de Nicole e, como tal, sentimos que aquele momento é um verdadeiro discurso do amor e para os seus dois filhos com quem infelizmente já não tem contacto por serem seguidores da Cientologia. Nicole é uma mulher sem artificialismos e essa honestidade torna-a um dos seres humanos mais fascinantes, dos quais Hollywood se pode sentir privilegiada.




Nicole Kidman em Being the Ricardos

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Nicole Kidman e Javier Bardem em “Being the Ricardos” © Amazon Prime Video

Terminaram as campanhas de Harvey Weinstein, portanto o espectáculo deve continuar para a indústria, para Nicole Kidman e para a AMPAS. Chegámos aos dias de hoje e em vez da Miramax ou TWC é a vez da Netflix, Prime Video e restantes plataformas de streaming fazerem campanha para os Óscares. Passaram entretanto 20 anos desde que Nicole Kidman foi nomeada pela primeira vez aos galardões mais conceituados da sétima arte e quase duas décadas desde que se tornou na primeira australiana a vencer um Óscar de interpretação. Já fez um pouco de tudo, sobretudo na televisão com os projetos “The Undoing”, “Nine Perfect Strangers” e “Big Little Lies”, este último com o qual ganhou dois Emmys Awards, para Melhor Atriz e Melhor Minissérie.

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Na 94ª edição dos prémios da Academia, Nicole Kidman está nomeada a Melhor Atriz por “Being the Ricardos”, obra nomeada a outros dois prémios: Melhor Ator (Javier Bardem) e Melhor Ator Secundário (J.K. Simmons). Trata-se de um dos filmes mais aclamados da Awards Season 2021/2o22 que oferece um olhar revelador sobre a relação romântica e profissional entre Lucille Ball e Desi Arnaz. Viajamos ao momento em que se vêem confrontados com acusações pessoais e desprestígio político durante os bastidores de “I Love Lucy” (1951-1957), sitcom que modificou por completo a história da tv norte-americana. Embora sem a projeção internacional que outras séries da atualidade – em Portugal passou relativamente despercebida -, “I Love Lucy” tinha uma audiência de 60 milhões de espectadores e os americanos paravam tudo aquilo que estavam a fazer para ver cada episódio.

Being the Ricardos” não oferece o desempenho mais potente de Nicole Kidman, mas a carismática atriz merece estar na corrida aos Óscares deste ano. O que Nicole Kidman faz não é tanto uma reconstituição mimética, como fizera, por exemplo, Renée Zellweger para interpretar Judy Garland em “Judy” (Rupert Goold, 2019), mas uma proeza subtil onde expõe, com inegável aptidão, a dupla faceta de Lucille Ball. Temos, por um lado, a persona de Lucille Ball, com consciência honesta do seu talento e que sente não usufruir de reconhecimento. Por um lado, temos uma divertida, patética e infantil personagem de Lucy Ricardo.

Cria-se assim uma mulher intrigante, que se assume como inesgotável fonte de criatividade e autodeterminação, capaz de suplantar qualquer adversidade profissional, política ou matrimonial. Nicole Kidman nunca não perde as estribeiras e cria uma mulher autêntica, que embora retratada num momento aparentemente distante continua a ressoar com o nosso presente. Pensar que uma atriz não poderia ficar grávida na vida real e que não poderia mostrá-lo na televisão só porque os americanos ‘não sabiam’ como é que se faziam bebés é algo quase assustador.

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Being The Ricardos (Javier Bardem e Nicole Kidman) | © Amazon

Percebe-se que houve uma acentuada preocupação de estudar a fisicalidade dos movimentos de Lucille Ball, de atingir a rouquidão da sua voz e parte disso deve-se ao contacto direto que estabeleceu com Lucie Désirée Arnaz, filha de Ball e Desi Arnaz.  Nicole Kidman passou a entender quem era aquela figura que quebrou convenções e mostra-se parte da família, seja em monólogos empolgantes ou através de uma caminhada silenciosa à chuva, onde concede-nos o coração de Lucille Ball que pouco conhecemos fora das câmaras.

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Num mundo que esqueceu de rir de si mesmo e é dominado por políticas de cancelamento, Aaron Sorkin mostra-nos como a indústria não deve, nem pode esquecer Lucille Ball. Ao contrário de Nicole Kidman, Lucille Ball nunca foi nomeada ao Óscar, nem sequer a sua presença no cinema foi muito sentida. O que Sorkin parece não saber é que Ball começou como atriz não creditada, passou depois por projetos menores e até um dos seus filmes de maior sucesso “Lua-de-Mel Agitada” (Vincente Minnelli, 1954) é feito ao lado de Desi Arnaz e parece ser uma extensão da própria sitcom. Mesmo dona de um estúdio – a RKO Radio Pictures, que comprou com o seu marido em 1957 – Lucille Ball não desfrutou de sucesso internacional como outras estrelas femininas da sua época. Aaron Sorkin vai mesmo aos extremos e critica verdadeiras estrelas e mulheres bem sucedidas, como Judy Holliday, como se Hollywood fosse apenas espaço de rivalidades.

Distraímos com as próteses nas bochechas ou os olhos esbugalhados de Nicole Kidman, mas a atriz não cedeu às extravagâncias do argumento desbocado de Aaron Sorkin.. Curiosamente Lucille e Nicole podem ser vistas como mulheres algo próximas, pois nenhuma se deixou abater por comentários tóxicos e continuaram a fazer a sua arte. Tal como Nicole Kidman, o trabalho de Lucille Ball não se reduziu a uma só função. Era uma mulher particularmente focadas nas luzes, na realização e nas versões alternativas de uma cena.

Será que Nicole Kidman ganha o Óscar de novo?

Este ano Nicole Kidman está nomeada aos Óscares onde concorre junto a Jessica Chastain (“Os Olhos de Tammy Faye”), Kristen Stewart (“Spencer”), Penélope Cruz (“Mães Paralelas”) e Olivia Colman (“A Filha Perdida”). Há quem diga que é a favorita para ganhar a estatueta, muito embora esteja tudo em aberto. Nicole Kidman venceu o Globo de Ouro de Melhor Atriz – Drama, mas Jessica Chastain conquistou o SAG. Nenhuma das nomeadas, curiosamente está nomeada ao BAFTA, portanto ainda há possibilidade para as restantes atrizes.

De qualquer maneira, se Nicole Kidman vencer não será nenhuma surpresa. Os membros da Academia gostam de celebrar atores que interpretam outros atores. Só na última década, Renée Zellweger e Emma Stone venceram o Óscar por papéis como atrizes. Do primeiro ao último minuto de “Being the Ricardos” conseguimos arrepiar-nos pela forma como Nicole Kidman interpreta um dos maiores ídolos da comédia. Se a sua elegância e sabedoria valerem de alguma coisa Nicole Kidman conseguirá o seu tão merecido segundo cavaleiro de ouro.

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