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Babylon, em análise

Brad Pitt e Margot Robbie são os grandes protagonistas de “Babylon”, a nova obra de Damien Chazelle, cineasta de “La La Land: Melodia de Amor”!

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Babylon Damien Chazelle
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Há muitas maneiras de abordar as primeiras décadas da indústria cinematográfica americana desde a sua instalação numa área denominada Hollywood, na altura ainda a uma certa distância de Los Angeles. Tratava-se do bosque sagrado, até certo ponto longe do bruaá da grande cidade, onde a fábrica de sonhos encontrou as condições ideais para se desenvolver. E, assim sendo, a máquina de fazer dólares de Wall Street, na Costa Leste, resolveu lançar na Costa Oeste os alicerces de uma actividade “artística” gerida por uma série de estúdios que funcionavam como almejadas minas de ouro para os que neles investiam e ainda hoje continuam a investir, apesar das sucessivas conversões a outros modelos de negócio, incluindo a sua deslocalização geográfica. Na prática, um conglomerado de indústrias do entretenimento consideradas um dos principais activos económicos dos EUA. Neste contexto, os capitalistas sempre procuraram uma caução de confiança baseada numa aproximação, quanto mais séria melhor, ao universo do show business, sujeito a leis mais ou menos voláteis de organização interna. Sobretudo para se defender dos que de fora para dentro olhavam para a Torre de Babel californiana com justificada suspeição e distância. Por isso, desde cedo surgiram opiniões para os gostos mais variados, uma ou outra a pedido de diversas famílias de interesses, que acabaram por inventar e impor o famoso e reaccionário código de censura, o Production Code mais conhecido por Código Hays. E que sistemática podemos fazer na actualidade do que então preocupava os grandes e mais influentes chefes de estúdio que o acolheram? Havia a abordagem meramente histórica. Havia a abordagem socio-económica. Havia a abordagem culturalmente relevante. Havia a abordagem do glamour, muitas vezes misturada com a polarização dos mais diversos e nem sempre verdadeiros fait-divers que ajudavam a construir carreiras com base em currículos de duvidosa consistência. Havia a abordagem que se queria iluminada pelo brilho cintilante das stars, com uma pequena grande ajuda do marketing. E, para estragar o ramalhete, havia a abordagem canalha, que só via nas paredes das mansões dos magnatas de uma das mais lucrativas e sedutoras profissões do mundo as muralhas babilónicas que separavam o mundo artificialmente construído do mundo exterior: plataforma que servia de contraponto quando se olhava de dentro para fora para um dia a dia sem graça que, segundo os privilegiados e protegidos pela cascata dos lucros, não se compadecia com a fantasia, com a rebaldaria de sexo, com a circulação desenfreada de drogas associadas aos mais perversos vícios e costumes, nem com a exposição do poder do dinheiro sobre os que dele só sentiam o perfume se aceitassem as regras de um jogo sujo como a água da sarjeta que engolia os dejectos humanos das “divinas” orgias. Em suma, o mundo exterior era um ninho de gente que via com maus olhos o sucesso, fosse ele legítimo ou ilegal. Nesta última abordagem, quase sempre os mais críticos acrescentavam-lhe uma pitada de crime e luxúria: senhoras e senhores, bem-vindos, ou não, ao outro lado do espelho que vive e morre mergulhado na HOLLYWOOD BABYLON. Nome, aliás, dado a um conjunto de livros escritos por alguém que nasceu e cresceu nesse mundo de excessos e de bastidores relativamente mal frequentados, o cineasta underground Kenneth Anger. Pois bem, na obra que agora passaremos a analisar, o cineasta Damien Chazelle escolheu metade daquela referência, retirando o HOLLYWOOD, porque se calhar lhe parecia demasiado óbvia, e deixou ficar a de ressonâncias bíblico-mesopotâmicas, BABYLON. Foi uma opção, mais arriscada do que sectária, e compete-nos agora atribuir-lhe uma nota positiva ou negativa, conforme a nossa própria perspectiva sobre os factos e figuras por ele abordados enquanto autor, realizador e argumentista.

PRE-CODE & HOLLYWOOD BABYLON

Babylon Brad Pitt
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Pois bem, sejam então bem-vindos a BABYLON, 2022. Tudo começa em Los Angeles em 1926 e acaba na mesma cidade no ano de 1952. Numa obra que dispersa a sua estrutura narrativa pelo percurso de mais do que uma personagem, há no entanto um fio condutor que uma delas irá puxar a seu favor, mas aqui e além contra si própria. Trata-se de um emigrante, Manny Torres (Diego Calva), um mais do que certo mexicano que, para acrescentar estilo ao seu sotaque diz numa festa, para consolidar a sua posição de ascensão social e profissional no meio da confusão geral, que veio de Madrid. Olé…! Isto de ser arraçado de europeu na época ainda valia qualquer coisa. Seja como for, no início e pelo meio, irá ser peça decisiva no catapultar para o estrelato de quem não parecia saber lá chegar pela via mais certa. Trata-se de uma rapariga, Nellie LaRoy (Margot Robbie), que insiste ser o apelido LaRoy o mesmo que Rei em francês. Et voilà, uma aventureira igual a muitas outras que aparentam ser finas, mas que vem do lado rasca da cidade. Na verdade, de New Jersey. Habituada a viver de expedientes, procura infiltrar-se na cratera vulcânica de uma festa orgíaca da maneira mais rápida, nem que para isso use os meios mais insólitos para ultrapassar os filtros e barreiras impostos aos restantes convidados, grupo ululante movido a cocaína e o mais que se quiser, retratados no filme com uma acidez que nem mil pastilhas de Alka Seltzer poderiam apaziguar. Mas na Babilónia de Hollywood será que o certo não será antes o errado? Entretanto, uma Babilónia, quero eu dizer, uma Hollywood, não podia ser verdadeira sem as estrelas que brilham mais do que as do firmamento celeste. Por isso, o cineasta acrescentou ao vasto elenco mais algumas personagens que vão puxar para a frente e para os lados as duas já citadas, curiosamente nunca para a horizontal nem outra posição mais comprometedora, pelo menos de forma sistemática e diante dos nossos olhos. Deste modo, e acima de quaisquer outras, iremos constatar a versatilidade do actor e galã Jack Conrad (Brad Pitt), sorridente, alcoolizado e de insinuante bigodinho conforme o uso dos machos do grande ecrã que não dispensavam um look a meio caminho entre o aristocrata latino e o pirata das Caraíbas. No campo dos secundários com algum relevo, porque o politicamente correcto ataca e não dispensa uma ou outra inclusão, iremos ainda conhecer Sidney Palmer (Jovan Adepo), músico negro que se destaca da formação proto-jazzística onde o vemos brilhar e que, mesmo depois de alcançar fama e dinheiro, muito determinado, recusa a humilhação imposta pelos produtores que o obrigam a pintar a cara com pó de carvão para ainda ficar mais negro nos planos filmados, evitando assim ser confundido com um branco numa banda mista, facto que derrubaria as hipóteses de exploração comercial dos filmes no Sul dos Estados Unidos. Do lado da inclusão asiática iremos ser introduzidos a uma cantora de origem chinesa, Lady Fay Zhu, lésbica (o chamado dois em uma), personagem interpretada pela actriz Li Jun Li, que seguramente se inspirou na figura de Anna May Wong (1905-1961), uma star “oriental” nascida em Los Angeles, cuja carreira se destacou ainda no período do mudo. Nos duzentos por hora a que o filme pula e avança, a força do destino ou os acasos da sorte fazem com que estas personagens se apoiem umas nas outras e, pouco a pouco, as oportunidades para cada uma vão surgindo como se fossem portas giratórias para um espaço até ali inacessível ao comum dos mortais que lá gostariam de entrar, o da produção cinematográfica. Manny Torres vai continuar a ser um pau mandado, mas mais bem pago quando se coloca ao serviço de Jack Conrad. Por outro lado, a insinuante Nellie LaRoy será contratada para substituir uma actriz e, logo de início, demonstra as suas capacidades num misto de sensualidade e expressão dramática que revela a desfaçatez intrínseca da sua personalidade, que muitos veteranos levaram anos a adquirir. Ou seja, cada qual vai subindo na hierarquia do studio system. Mas, no final dos anos 20, as coisas vão mudar em Hollywood, e não só, com a chegada dos filmes sonoros. Esta revolução acaba por derrubar o edifício que sustentava o percurso artístico de muitos actores, e muitos profissionais consagrados não se adaptaram a uma produção mais pesada, mais cara, com menos margem de manobra para o erro. Um cinema onde, mais do que a banda sonora, a voz passou a ser requisito e componente vital. Em BABYLON, Damien Chazelle passa longos minutos a satirizar algumas das peripécias que as equipas sofriam devido aos novos equipamentos e métodos de rodagem, sem no entanto conseguir alcançar no campo corrosivo da comédia, e com a mesma matéria, aquilo que foi alcançado pelo filme várias vezes citado neste, o “SINGING IN THE RAIN” (SERENATA À CHUVA), 1952, uma obra-prima do musical realizada por Stanley Donen e Gene Kelly. Já no capítulo do retrato de uma decadência anunciada, conseguiu, no constante rodopio e emaranhado de sequências, situar as suas personagens predilectas com algum equilíbrio, dando consistência aos valores que elas representavam, não obstante sentirmos a necessidade aqui e além de outra intervenção da montagem para que não se acumulassem como cromos de uma caderneta em movimento, vagamente representativa de uma geração perdida. Para o fim, quando a rebelde e acossada Nellie LaRoy atrai para o seu rarefeito círculo íntimo as consequências do seu vício do jogo, pondo em risco a sua vida e a frágil harmonia existencial dos que a rodeiam, fica-nos a sensação de que Damien Chazelle não procurou redimir ninguém.

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Babylon © 2023 PARAMOUNT PICTURES

Os que ainda a apoiam, empurrados por um gangster que quer ver pagas dívidas impossíveis de resgatar, vão atravessar catacumbas infernais que não passam de opções de excesso sobre os excessos do excesso.

Por esta razão, que podemos nós pensar sobre a redenção final de Manny Torres, reduzido a um anónimo pequeno-burguês de visita a Los Angeles com a sua família, classe média americana, anos 50, quando olha para o grande ecrã de uma sala onde se projecta o “SINGING IN THE RAIN”? São lágrimas pela exuberante mestria do que estava a ver? São lágrimas por aquilo que alcançou? Ou são por aquilo que perdeu na juventude, o sonho do grande cinema que parecia estar ali ao virar da esquina? Que esta ambiguidade no rosto do actor nos assalte, depois de uma montagem frenética de excertos de filmes que marcaram a História do Cinema, poderia levar-nos a outra resposta. Uma resposta mais concreta, do género “Viva o cinema”, mesmo que haja um verso e reverso a considerar. Seja como for, por mim, prefiro ficar com a subjectiva ambiguidade do seu olhar.




Babylon, em análise
Babylon poster

Movie title: Babylon

Director(s): Damien Chazelle

Actor(s): Brad Pitt, Margot Robbie, Jean Smart, Olivia Wilde, Diego Calva

Genre: Comédia, 2022, 189min

  • João Garção Borges - 75
  • Maggie Silva - 75
75

Conclusão:

PRÓS: Damien Chazelle já nos habituou em filmes anteriores a um fortíssimo investimento na qualidade da componente musical, absolutamente acima de qualquer suspeita. Recordemos WHIPLASH–NOS LIMITES, 2014, e LA LA LAND: MELODIA DO AMOR, 2016. Ela, a música, constitui uma das razões para a valorização que realizei da globalidade da obra BABYLON.

Destaque para a generalidade da componente sonora e para as composições musicais, ritmadas ao som do bater de corações selvagens e desenfreados, cujo autor dá pelo nome de Justin Hurwitz.

Boa Direcção de Fotografia de Linus Sandgren e ainda melhor Design de Produção, assinado pela dupla Florencia Martin e Anthony Carlino.

De certo modo, a constatação de que a moderna Hollywood, que já não obedece aos mesmos pressupostos da antiga nem ocupa os mesmos espaços, está viva e recomenda-se. Nomeadamente quando se dedica ao seu passatempo favorito, falar de si própria. Diria eu, mesmo que seja para dizer bem…!

CONTRA: Precisava de uma diferente organização das sequências no que diz respeito ao polarizar constante da acção e emoção num contexto de esticar as situações até ao limite, que resulta num quadro ficcional quase caricatural quando se refere aos diferentes aspectos da consolidação de uma arte e indústria que se estava a afirmar, para o melhor e o pior, mas nem sempre pelo lado carregado de contradições, nas primeiras décadas do Século XX. Indústria cujos desmandos movidos por uma parcela dos seus profissionais e respectivos apêndices, dentro e fora dos estúdios, permitiram no fundo pavimentar o caminho para a visão repressiva que depois se instalou, uma autêntica normalização moral inaugurada a 31 de Março de 1930, com a aprovação pelos estúdios inscritos na MPPDA (Motion Picture Producers and Distributors of America) do que viria a ser o futuro Código Hays.

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