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Broker – Intermediários, em análise

Hirokazu Koreeda, cineasta de “Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões”, deu a conhecer “Broker – Intermediários” ao território nacional!

HISTÓRIA BREVE DE UMA FAMÍLIA IMPROVÁVEL

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Broker - Intermediários
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Neste filme sul-coreano realizado pelo japonês Hirokazu Kore-eda, intitulado BROKER (BROKER – INTERMEDIÁRIOS), 2022, esbarramos desde o início com uma realidade que nos pode parecer estranha e quase difícil de conceber nos dias de hoje. Todavia, não sem alguma controvérsia, ainda subsiste disseminada no contexto social e religioso, nomeadamente no plano de acção do cristianismo que ocupa na Coreia do Sul um papel importante na formação da ideologia e do comportamento de uma generosa percentagem dos cidadãos. Estamos a falar neste caso sobretudo de cristãos de inspiração protestante, não obstante o catolicismo possuir alguma presença no país, que se aproximam cada vez mais da percentagem maioritária que segue a religião Budista, assim como outras confissões e movimentos de fé como o Jeungismo, o Daesunismo, o Cheondoísmo, o Taoísmo e o Budismo Won. Finalmente, segundo estatísticas oficiais, cerca de cinquenta por cento da população não segue qualquer religião. E, regressando aos minutos iniciais de BROKER, com que estranha realidade e com que estranha forma de vida, ou melhor, de despachar uma vida, nos confrontamos? Nada mais do que uma “Baby Box”, literalmente, uma caixa onde se depositam recém-nascidos para uma eventual e posterior adopção. Em geral são filhos de pais pouco abonados para os criar, não necessariamente apenas do ponto de vista financeiro mas igualmente do ponto de vista emocional e da maturidade que supostamente deveria acompanhar a responsabilidade paternal. Mas há casos em que as mães, muitas delas adolescentes, foram vítimas de violência sexual e de uma gravidez indesejada. Melhor ou pior, a congregação religiosa funciona ali como a plataforma através da qual as crianças indefesas são enviadas para um orfanato ou de preferência para famílias adoptivas, para que num quadro familiar normal lhes assegurem um futuro digno e compatível com os valores civilizacionais que devíamos sempre defender. Finalmente, será bom referir que por estas paragens ocidentais e não apenas na Ásia existiram desde a Idade Média “caixas” semelhantes. Em Portugal ficaram conhecidas por “Roda dos Enjeitados” e na prática eram cilindros giratórios que se colocavam junto das portarias dos conventos. Sobre o assunto e as motivações para a escrita do argumento disse Hirokazu Kore-eda: “No Japão comecei a desenvolver um forte interesse pelo assunto dos “Baby Hatches” quando filmei TAL PAI, TAL FILHO (no original SOSHITE CHICHI NI NARU, 2013). Durante a pesquisa descobri que na Coreia do Sul existia algo de semelhante chamado “Baby Boxes“ (Caixas de Bebés). Deste modo, no Outono de 2016 escrevi uma sinopse simples com quatro a cinco páginas a que dei o nome CRADLE (Berço), já pensando nos actores coreanos com quem desejava realizar um filme. Foi assim que comecei a desenvolver BROKER – INTERMEDIÁRIOS”. E o primeiro dos actores em causa chama-se Song Kang-Ho, que interpreta o papel de Sang-hyeon, dono de uma lavandaria num bairro não muito afamado da capital, Seoul, negócio seguro por arames e sistematicamente ameaçado pela mafia local que exige ao proprietário a habitual protecção paga – e dinheiro não é coisa que por ali se veja. Esta personagem relativamente simpática, apesar do seu controverso modo de vida, será acompanhada por outra, Dong-soo, defendida e bem pelo actor Gang Dong-won, cuja cumplicidade com os esquemas manhosos do seu amigo Sang-hyeon se manifesta desde muito cedo aos olhos dos espectadores, por ser ele o funcionário e o que abre as portas da igreja onde a Baby Box de BROKER se encontra, fazendo de seguida desaparecer o rasto das gravações que as câmaras de vigilância registam da entrega dos bebés. Passo fundamental para de seguida os poderem raptar e assim fazê-los entrar no mercado negro e ilegal das adopções. No filme iremos dar conta do seu modus operandi quando uma jovem, So-young (interpretada por Lee Ji-eun), de frente para a Baby Box, hesita mas acaba por abandonar o seu presumível filho, sob a vigilância atenta mas distante de duas detectives, Soo-jin (Bae Doona) e Lee (Lee Joo-young), que irão a partir daquele momento percorrer os mesmos caminhos que os protagonistas com o objectivo de os apanharem em flagrante delito, leia-se, a vender um ser vivo ao casal que estiver disponível para os devidos efeitos.

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Partindo destas linhas gerais e de um enquadramento social e policial preciso, factores essenciais para nos fazer acreditar naquilo que por momentos nos parecia inverosímil, Hirokazu Kore-eda quase que estabelece duas rotas distintas para o desenvolvimento da narrativa. Duas direcções paralelas que aqui e além se cruzam, por vezes mesmo de forma acutilante. Por um lado, em função das armadilhas que as detectives procuram montar. Por outro, porque quando a jovem mãe regressa para reclamar o filho, coisa rara mas que podia acontecer, ao ser confrontada com a outra face da dupla criminosa descobre a verdadeira natureza da personalidade dos homens que a compõem e, ao fazê-lo, em vez de reivindicar o seu filho que deveras não lhe interessava do ponto de vista maternal, opta por integrar a peregrinação pouco exemplar de uma família improvável em busca de um conforto material obtido por métodos pouco recomendáveis. Não contente com a proeza de expor a podridão de uma classe sem classe nenhuma, o realizador ainda vai adicionar outra personagem, Hae-jin (Im Seung-soo), jovem já crescidinho que encontram num orfanato, rapazinho com mais manha do que muitos adultos, e que salta, clandestino, para dentro da carrinha onde, após ser descoberto e contra a vontade inicial dos viajantes, irá desempenhar diversas funções e, já agora, com mais sucesso do que as que os mais velhos desempenham e julgam controlar. Para o realizador, a corrupção das almas atinge qualquer idade e condição existencial. Dinheiro, o vil metal que move o grupo, será sempre o material adiado, e as muitas contradições que vão encontrar passam por momentos sérios e momentos de humor, sem nunca resvalarem para a comédia pela comédia. De certo modo, as detectives são as que mais se aproximam do risível, quando ao procurarem entalar os maus da fita acabam por ser encostadas a uma parede que parece impedi-las de progredir mais para além do que a vista alcança. De paragem em paragem, de encontro em encontro, o filme pula e avança para um desfecho que podemos, a partir de certa altura, adivinhar mas nunca confirmar. Na verdade, um dos mais importantes aspectos deste curioso filme reside no modo como se articula a estrutura do argumento com a capacidade do guião dar origem a uma planificação e a uma montagem clara e objectiva, capaz de nos revelar uma evolução de comportamentos que será sintetizada nesta ideia: ao longo da viagem e da consequente fuga, os que outrora só olharam para o bebé como um activo irão inverter os papéis que assumiram ao início e aquele pequeno e frágil ser vai funcionar como a garantia de uma união forçada entre as partes envolvidas, a mais do que improvável família, e a chave que nos abre as portas que iremos atravessar até ao plano final no culminar de uma sequência de imagens que ironicamente podiam ser concebidas para uma novela cor-de-rosa, mas um rosa pintalgado de negro, fruto da perversa máquina manipuladora a que damos o nome de cinema. Por fim, devolvemos a palavra ao autor: “A Família é algo de muito complexo que não se define numa única palavra”.

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Movie title: Beurokeo

Director(s): Hirokazu Koreeda

Actor(s): Song Kang-ho, Dong-won Gang, Bae Doona, Ji-eun Lee

Genre: Drama, 2022, 129min

  • João Garção Borges - 75
75

Conclusão:

PRÓS: No Festival de Cannes de 2022, Song Kang-Ho recebeu o Prémio para o Melhor Actor, quanto a mim de forma surpreendente uma vez que, não estando mal, já o vi fazer muito melhor. Mais do que isso, já o vi assumir a composição de uma personagem igualmente controversa de forma sublime como, por exemplo, em GISAENGCHUNG (PARASITAS), 2019, o multi-premiado filme de Bong Joon-ho.

No mesmo certame, e seguramente não por acaso devido ao assunto possuir inegável impacto, nem sempre favorável, junto das práticas religiosas de católicos e protestantes, recebeu o Prémio do Júri Ecuménico, que reúne membros nomeados por organizações das respectivas confissões religiosas.

CONTRA: Nada.

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