"Barry" despede-se com a quarta temporada |©HBO Max

Barry, temporada 4 em análise

“Barry”, uma narrativa trágico-cómica da mais elevada qualidade, co-criada pelo seu protagonista Bill Hader, despediu-se a 28 de maio com o seu último episódio. Aqui ficam as nossas impressões acerca desta grande obra de ficção!

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Na mesma semana em que dissemos adeus aos gigantes da comédia The Marvelous Mrs. Maisel” (Prime Video) e “Ted Lasso”( Apple TV+), a HBO Max estreou, em Portugal, o final de “Barry”. Não temos mãos a medir com tantas comédias de qualidade a dizerem adeus, todavia, uma vez mais, é-nos difícil ver “Barry” apenas como uma comédia. Esta narrativa é mais frequentemente trágica que cómica, embora seja detentora de um humor corrosivo, negro e mórbido que surge episódio após episódio.

A última temporada de “Barry” encontra-se tão repleta de reviravoltas que é difícil até falar dela sem entrar por uma exposição cansativa de linhas de enredo. Por isso, prometemos louvá-la sem entrar em demasiados detalhes. Ao longo das três temporadas anteriores, fomos vendo Barry Berkman (Bill Hader) a tentar, em vão, escapar ao seu destino e vocação trágicas.

Em tempos um soldado honrado, um fuzileiro naval íntegro, Barry viu um amigo próximo morrer em combate e sofreu uma psicose. Após estes eventos, Barry foi removido do exército, mas nunca conseguiu encontrar uma nova vocação. Atormentado por imagens violentas do seu passado no médio oriente, o stress pós-traumático de Barry torna-o instável e emocionalmente frágil. É aí que Monroe Fuches, uma figura paternal da sua infância, se aproveita do seu trauma e o treina para se tornar um assassino por contrato.

As aventuras da primeira temporada vêem Barry a tentar escapar desta vida, quando descobre acidentalmente a aula de comédia de improviso de Gene Cousinau (Henry Winkler), alguém que recorreu ao ensino como último refúgio depois de ser exorcizado pela indústria de Hollywood. É lá que conhece a aspirante a atriz Sally Reed (Sarah Golberg), que como muitas outras atrizes é insegura, egocêntrica e marcada pelos seus próprios traumas. Aqui começa a traçar-se um retrato negro e cético da indústria de Hollywood, uma que o grande Bill Hader conhece bem, depois de ter trabalhado como assistente de produção antes da sua estreia no “SNL”.

 

Sally Reed (Sarah Golberg)
Sally é brutalmente ‘cancelada’, como parte de uma reflexão interessante acerca da cultura de Hollywood |©HBO Max

Neste novo ambiente, Barry apaixona-se por Sally e encontra em Gene um mentor, e na comédia de improviso uma ferramenta para falar acerca do seu trauma e ultrapassá-lo.Todavia, a ligação a um gangue de criminosos Chechenos acaba por desviar Barry, uma e outra vez, do seu objectivo. Quanto aos restantes criminosos na narrativa, vão e vêem, mas ninguém deixa um impacto tão grande quanto o carismático NoHo Hank (Anthony Carrigan), um vilão pelo qual não conseguimos deixar de torcer até ao fim.

Ao longo de três temporadas, vencedoras de um total de nove Prémios Emmy, “Barry” tem avanços e recuos na sua resolução de viver uma nova vida, mas o seu ‘trabalho’ acaba sempre por o puxar de volta. E quando a Detetive Janice Moss (Paula Newsome), namorada de Cousinau, descobre a verdadeira identidade de Barry, o nosso anti-herói atinge um ponto de não retorno.

“Barry” é uma série do século XXI, e uma obra de televisão que nitidamente beneficia de várias narrativas protagonizadas por anti-heróis que vieram antes dela. É uma série do mundo de “The Wire”, do mundo de “Sopranos”, e acima de tudo do mundo de “Breaking Bad”. Aliás, não imaginamos a série de Bill Hader sem esta herança, a herança de Walter White. Todavia, Barry tenta (e falha), ao longo de quatro temporadas, fazer exatamente o movimento inverso, encontrar o caminho para a virtude.

Não obstante, “Barry” é uma série protagonizada apenas por personagens profundamente marcadas pelo trauma ou por defeitos inerentes: Gene é demasiado vaidoso, Sally é demasiado insegura, Barry é demasiado traumatizado. Ninguém é aqui funcional e, ainda assim, não nos é difícil torcer pela sua jornada.

Nesta última temporada, Bill Hader, co-criador ao lado de Alec Berg(“Sillicon Valley”), assume ainda mais controlo criativo e realiza todos os episódios deste quarto ano. O ritmo é impecável do início ao fim, com apenas um episódio mais difícil de tragar. Começamos esta temporada 4 com Barry na prisão, depois de Gene o entregar como o homicida de Janice. Todavia, a meio da temporada encontramo-nos numa localização e situação bem distinta, e muitas são as pessoas que não apreciaram a evolução da narrativa.

Não obstante, o salto temporal de “Barry” acaba por fazer imenso sentido no final da narrativa. É corajoso, na realidade, fazer o que estes criadores fizeram. No final do 4º episódio, uma vertigem de acontecimentos abate-se sobre o nosso protagonista, com perigo a espreitar em cada esquina. Já no quinto episódio, a calmaria reina e encontramo-nos com significativa distância de todos estes eventos. A partir daqui, reconstruímos os pedaços do puzzle e preparamo-nos para um final em grande.

Hank e cristobal brilham em barry
Hank e Cristobal continuam a ser o casal-maravilha |©HBO Max

O episódio final, estreado a 28 de maio e intitulado apenas “Wow”, é verdadeiramente chocante e memorável, capaz de perdurar na memória e deixar-nos com uma sensação de mal estar profunda. Todos os arcos da série são mais que fechados, sem pontas soltas. E depois de uma conclusão empolgante mas cinzenta (e sem quaisquer gargalhadas, isso é certo), os minutos finais encerram na perfeição a crítica a Hollywood (e à sociedade humana e ao próprio exercício da memória colectiva) que se vai construindo ao longo das quatro temporadas.

Embora seja possível empatizar com “Barry”, a sua vontade de ser melhor do que as suas ações nunca chega a fruição, tal como noutras comédias negras de anos recentes, como por exemplo “BoJack Horseman”, na Netflix. Assim, um final inteligente nunca poderia libertar Barry da pesada herança dos seus actos. A narrativa não desilude neste campo.

Uma vez mais, não ousamos revelar detalhes do enredo, mas apenas podemos louvar Bill Hader e companhia por um final tenebroso e bem orquestrado. Do início ao fim, “Barry” nunca se perde, e esta quarta temporada, com eventos suficientes para fazer correr muita tinta, é possivelmente a melhor de todas elas e sem dúvida a mais corajosa. Bravo!

TRAILER | A 4ª (E ÚLTIMA) TEMPORADA DE BARRY ESTÁ JÁ DISPONÍVEL, NA ÍNTEGRA, NA HBO MAX

Barry, temporada 4 em análise
"Barry"

Name: Barry

Description: Uma comédia negra com Bill Hader, o criador e produtor executivo da série juntamente com Alec Berg, BARRY concentra-se num atirador a soldo barato e deprimido do Midwest que se apaixona pela representação durante um trabalho em LA.

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  • Maggie Silva - 90
90

CONCLUSÃO

“Barry” é um festim para os sentidos, com uma realização madura e firme por parte do também protagonista Bill Hader. Classificada como uma série de comédia, aquando da sua conclusão “Barry” mais se assemelha a uma tragédia. Isto se não fosse o sarcasmo mórbido inerente a cada decisão presente num argumento delicioso e com elevado grau de mestria. É seguro dizer que a série fechou em altas, mantendo-se fiel a ela própria até ao fechar da cortina.

Pros

  • Um estonteante episódio final ao nível dos grandes dramas de prestígio deste canal – HBO.
  • A vertigem da trágica comédia de enganos que nos leva até ao recontar dos eventos nos minutos finais.
  • A mestria para encaixar, em pouco mais de quatro horas e de forma dinâmica, reviravolta atrás de reviravolta.

Cons

  • Do episódio quatro para o cinco há uma quebra de ritmo difícil de aceitar, mas o que vem depois mais que a compensa (e justifica).
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