Big Little Lies © HBO

Big Little Lies, segunda temporada em análise

O regresso de “Big Little Lies” brindou os espectadores com uma invulgar e absolutamente perfeita aparição televisiva de Meryl Streep, revelando-se no entanto a segunda temporada uma forçada prótese narrativa.

Recuar ao ano de 2017 equivale a recordar uma fornada de séries estreantes de tremenda qualidade. Foi o ano de nascimento de “Mindhunter”, “Dark” e “The Handmaid’s Tale”, dos primeiros passos do descontraído “GLOW”, do psicadélico “Legion”, de um “Taboo” que (até ver) não mais voltou e de um “The Deuce” apreciado pela crítica mas ignorado pelo grande público. Entre túnicas vermelhas guarnecidas com abajures brancos na cabeça, viagens no tempo em alemão e um compêndio de entrevistas olhos nos olhos com os maiores serial killers dos EUA, houve também uma mini-série muito especial da HBO: “Big Little Lies”.

Captada pelo olhar sensível de Jean-Marc Vallée, o homem que “espreme” atores como ninguém e que realizou entretanto “Sharp Objects”, a mini-série fez todo o elenco tocar o céu com as suas performances. Escrita por David E. Kelley e baseada na obra de Liane Moriarty, arrecadou 8 Emmys e 4 globos de ouro e foi ao longo de todos os episódios um cativante mistério.

Pensada inicialmente como mini-série, viria entretanto a ser renovada, prolongando a ação para lá do final em aberto. Dada a história, a ideia de uma 2.ª temporada não fazia comichão, e embora Vallée se tenha demarcado de imediato, “Big Little Lies” não fez a coisa por menos e acrescentou ao elenco nada mais nada menos do que… Meryl Streep.

Big Little Lies © HBO

Ao longo de 7 episódios – escrita colaborativa de Kelley e Moriarty, não fazendo por isso sentido apontar a perda do material original como justificação para eventual menor qualidade – a série da HBO manteve os diálogos cáusticos e o elenco deu continuidade ao patamar de excelência, com Nicole Kidman, agora sem Alexander Skarsgård, a estabelecer com a sogra Meryl Streep o subplot mais rico da temporada, sendo também por isso aquele em que os autores apostaram (quase) tudo.

Em abril de 2017 “You Get What You Need” fora a conclusão do mistério, com Bonnie (Zoë Kravitz) a matar Perry Wright (Skarsgård), estendido numa escadaria com a sua máscara de Elvis. Intercetados os horrores vividos por Celeste (Kidman) e Jane (Shailene Woodley), ficava em aberto a investigação ao acidente, com a polícia a desconfiar das Monterey Five.

A nova temporada teve a audácia de acrescentar uma personagem chave para o conflito – Meryl Streep é Mary Louise Wright, mãe do falecido Perry. Uma mãe, avó e sogra às escuras em relação a quem era realmente o seu filho, e do que ele era capaz, personagem fundamental pela sua função (a uma escala diferente, imaginem acompanhar as ações de Hitler, Stalin ou Charles Manson a partir da perspetiva das suas mães) e pela fascinante abordagem de Streep, carregada de passivo-agressividade.

Big Little Lies © HBO

Para se ter uma ideia de como a atriz, vencedora de três Óscares, quis abraçar esta personagem, importa referir que no 1.º dia de gravações Meryl Streep apareceu no set com uma dentição diferente, que ela pedira para ser feita por sua iniciativa para se aproximar do “filho” Alexander Skarsgard. Setenta anos, 21 nomações para Óscar, e é este o compromisso, a entrega e a paixão que ainda mantém com cada personagem e projeto…

Dito isto, saborear “Big Little Lies” tornou-se diferente. A temporada nunca conseguiu escapar à sensação que era um epílogo ou pós-história, falhando no aguçar semanal de curiosidade e apetite. Ao contrário da 1.ª temporada, esta nunca chegou a ser capaz de se tornar real e verdadeiramente viciante; sendo sintomático e surpreendente face ao que seria expectável, “Euphoria” ter-se tornado durante várias semanas a principal fonte de expectativas e imprevisibilidade nos serões de domingo da HBO.

Averiguar o porquê da série não ter sido capaz de manter o nível implica, não só mas também, abordar a polémica em torno do papel da realizadora desta temporada, Andrea Arnold. “Aquário”, “American Honey” e a curta-metragem “Wasp” deixavam antever que BLL estava bem entregue, podendo tornar-se um animal diferente, mas a busca de uniformização conceptual acabou por significar a sua perda de poderes na pós-produção, surgindo depois Jean-Marc Vallée a “realizar a partir da edição”.

Na tentativa de tornar a série um objeto total compacto, obteve-se como resultado uma temporada num limbo, ora equilibrada ora desequilibrada num trapézio entre diferentes linguagens e vozes. Porém, mais custoso o facto de pouco ter avançado a ação, mantendo nomeadamente a inspectora como mecanismo sucessivamente adiado, mero corpo presente e observador em pano de fundo.

Big Little Lies © HBO

Resumidamente, Madeline (Reese Whiterspoon) passou a temporada à espera que o marido soubesse reagir à sua traição; Jane a tentar confiar e entregar-se novamente a alguém; Bonnie passou os episódios a fazer jogging, atormentada pelo assassinato, tendo esse fantasma sido inflamado pela chegada da sua mãe, capaz de reavivar traumas; e Renata (Laura Dern) teve um desenvolvimento mais satisfatório, permanecendo como espécie de comic relief, sendo dona da frase da temporada (“I will not not be rich”) e proporcionando o seu acesso final de raiva, no quarto dos brinquedos do marido, um pay-off adequado para a sua crescente perda de património e queda em desgraça. Indiscutivelmente bem trabalhada a jornada autodestrutiva de Celeste e as complexas saudades de um príncipe na aparência, monstro na intimidade.

“Big Little Lies” perdeu o valor de bela e intocada criação. Mas foi esse o preço a pagar para termos Meryl Streep como Mary Louise, e também por isso os autores apostaram tudo no clímax da temporada ser a resolução em tribunal da custódia dos pequenos Josh e Max. Porém, mesmo esse frente-a-frente não teve o impacto ou poder que se antecipava – basta revisitar momentos da TV recente como “Better Call Saul” (“Chicanery”), “American Crime Story” (toda a temporada de O.J.), “The Night Of” (“The Call of the Wild”) ou “Chernobyl” (“Vichnaya Pamyat”) para encontrar maior pujança num contexto cénico similar.

Big Little Lies © HBO

Avaliando a soma das partes, a segunda temporada foi positiva (quase que bastava aquele grito de Meryl no 1.º episódio para o ser) sem replicar o altíssimo nível do ano de estreia tanto no dom de intrigar como no equilíbrio dos subplots das várias personagens.

Embora a meses de distância, é fácil imaginar que a série volte a acumular nomeações – passará a competir como série dramática, Meryl Streep vai ser o alvo a abater entre as secundárias (infelizmente para a colega Laura Dern) e Nicole Kidman deverá voltar a entrar na discussão entre as atrizes principais, embora nesta fase já tenha a surpreendente Zendaya à sua frente.

Teoricamente a série chegou ao fim, mas a entrada do quinteto na esquadra para uma confissão conjunta ou individual apoiada é um plano cuja ambiguidade permite servir de resolução ou de porta entreaberta. O nº 1 da HBO considerou uma 3.ª temporada irrealista tendo em conta as agendas e os projetos dos vários membros do elenco; a autora Liane Moriarty revelou que só teria interesse numa temporada futura que acompanhasse a geração seguinte, os filhos das Monterey Five.

TRAILER | “BIG LITTLE LIES”

O que pensas da segunda temporada de “Big Little Lies”? Acreditas que esteve ao nível do primeiro capítulo?

Big Little Lies - Temporada 2

Name: Big Little Lies

Description: As Monterey 5 procuram manter o segredo sobre o assassinato de Perry, tarefa dificultada pela chegada de Mary Louise.

  • Miguel Pontares - 77
  • Catarina Novais - 80
  • Filipa Machado - 75
77

CONCLUSÃO

O MELHOR – Nicole Kidman vs Meryl Streep.

O PIOR – Saborear “Big Little Lies” tornou-se diferente. A temporada nunca conseguiu escapar à sensação de que se tratava de um epílogo ou pós-história, falhando tanto no aguçar semanal de curiosidade e apetite como no equilíbrio entre os subplots das várias personagens.

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