Laura Gómez (Blanca) e Diane Guerrero (Maritza) foram a alma da temporada |©Netflix

Orange is the New Black, sétima temporada em análise

“Orange is the New Black”. 2013-2019. Chegou ao fim a série original mais vista, e uma das mais amadas, do gigante de streaming Netflix. Será que o último capítulo faz jus ao trabalho construído até agora? 

ATENÇÃO: contém spoilers da última temporada de “Orange is the New Black”. 

“Orange is The New Black” estreou na Netflix em 2013. Foi um dos seus primeiros grandes conteúdos, e provavelmente o que mais fronteiras quebrou. A série tornou-se um ícone da plataforma, ao humanizar prisioneiras, fazendo uma clara demarcação dos grupos étnicos e raciais presentes numa prisão, como microcosmos do “mundo real”, tentando compreender o que os aproxima e distingue. Foi também inaugural no que diz respeito à sua representação de uma personagem transgénero, tendo obtido enorme projecção na forma da sua magnífica guest star Laverne Cox.

A série narra a história do ponto de vista de Piper Chapman, uma jovem branca (relevante no contexto da série) vinda de boas famílias. Com estudos, uma vida confortável e todos os luxos da classe média-alta, Piper apaixona-se pela perigosa Alex, e acaba por transportar uma mala com dinheiro obtido através de negócios de droga. Anos depois, terminada esta relação , Alex negoceia o nome de Piper numa tentativa de redução de pena. É assim que se inicia o seu período de 18 meses de detenção, equivalente a seis temporadas atrás das grades, na penitenciária de segurança mínima fictícia de Litchfield, Nova Iorque.

A história de Piper baseia-se no livro de memórias de Piper Kerman, que esteve presa um ano por lavagem de dinheiro, escrevendo posteriormente a obra “Orange is The New Black: My Year in a Women’s Prison”. Apesar de muita ficção à mistura, existem também de facto um Larry (ex-noivo de Piper) e uma Alex.

Piper é, e foi, ao longo destas temporadas, apenas um ponto de partida. Dezenas de reclusas tiveram direito ao seu momento para brilhar, e muitas foram ainda as narrativas reveladas em detalhe. Histórias de sonhos falhados, segundas oportunidades perdidas ou pequenos erros que transformaram permanentemente o rumo de uma vida. “Orange Is The New Black” sempre, e até ao fim, tentou mostrar o quão tóxica é a experiência da prisão. Isto porque o mundo lá fora nunca esquecerá este facto, estes meses ou anos, e nunca um grau de normalidade será obtido. Uma vez na prisão, para sempre numa espécie de prisão.

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Ao longo de sete anos, muitas relações foram construídas e destruídas, muitas foram as gargalhadas e momentos de afetividade. A sétima temporada trouxe-nos uma despedida bastante emotiva, e o seu tom foi bastante distinto do empregue em temporadas mais recentes. Com a revolta na prisão, na 5ª temporada, fomos presenteados com um conjunto de episódios com uma tensão elevadíssima, e o conjunto de episódios do ano seguinte mostraram-nos mudanças irreversíveis, mas acima de tudo novas personagens, novas manda-chuvas e muitas rixas e sangue.

A sétima temporada é uma das mais sóbrias, senão a mais sóbria de “Orange is The New Black”. É sobre perdão, sobre perda, sobre o valor da vida e da morte e sobre arrependimento. Sobre segundas oportunidades e o poder da esperança. É muito mais focada do que capítulos anteriores, e volta a centrar-se nas personagens que constituem o elenco central deste conto.

Há também algo de bastante notório a dizer sobre a utilização das personagens. Piper, agora já fora da prisão, volta finalmente a fazer sentido, ou antes, a ter um espaço a ocupar na narrativa. A certa altura, esta personagem, ponto de partida para a criação da série, tornara-se banal e um dos focos de acção mais desinteressantes. Ao retirá-la de Litchfield, mostra-nos algo fundamental. O que acontece na vida depois da prisão? Especialmente, temos um contraste interessante com a história de Aleida Diaz, que volta a ver-se dentro das paredes de Lichfield passado pouco tempo. Temos também flashbacks relativos à reincidência de Taystee no mundo do crime. Somos também influenciados a percepcionar como estas personagens foram empurradas para estas situações.

Taylor Schilling como Piper Chapman
Taylor Schilling como Piper Chapman |©Netflix

No caso de Piper, temos alguém que vem de um meio privilegiado, que até neste momento pós-prisão, ainda assim bem complicado, não deixa de ter uma vida algo facilitada. Ainda assim, observamos a forma como é marcada, como se procura recatar e esconder, a forma como o governo em nada facilita o processo de adaptação, com taxas elevadas e encargos demais. Com Piper, vemos o que é voltar ao mundo real, e compreendemos esta ação como um verdadeiro desafio.

Este é um dos trunfos da narrativa. O outro? A forma como a série não se esqueceu nunca do seu contexto. Estamos na era da América de Trump, na era do muro e de um ataque cerrado à imigração nos Estados Unidos da América. Uma altura em que este conteúdo se torna mais urgente. Assim, “Orange is the New Black” presenteia-nos com um novo palco narrativo – o Centro de Detenção de Litchfield. Um centro para imigrantes que aguardam ordem jurídica, para um julgamento sumário, sem direitos, tão pouco com a presença de advogados. Poucas hipóteses existem para lá da inevitável deportação.

Diane Guerrero
Diane Guerrero marcou esta sétima temporada |©Netflix

Os dois mundos encontram-se quando as “funcionárias” da cozinha de Litchfield são destacadas para cozinhar no centro de detenção. Aqui, Flaca reencontra a sua cara metade Maritza. Diane Guerrero foi uma das grandes heroínas desta temporada. Ausente no sexto capítulo, e deveras ocupada com as gravações da sua série “Doom Patrol” (2019) e projetos no cinema, Guerrero quis, ainda assim, regressar para o arco que a aguardava no final. Na série, Maritza, que viveu toda a sua vida nos Estados Unidos, é apreendida numa rusga numa discoteca, onde está a violar a sua liberdade condicional. Sem documentos consigo, é levada para um destes centros de detenção, o de Lietchfield, precisamente. Sem documentação que comprovasse o seu nascimento nos Estados Unidos da América, a “barbie” latina viu-se em apuros.

Guerrero brilha com a sua interpretação em tempo de crise, impulsionada em parte pela sua trágica história verídica. Aos 14 anos, os seus pais foram deportados, sem aviso prévio, e enquanto criança e nacional, viu-se sozinha e sem qualquer ajuda estatal. A sua família ainda se encontra na Colômbia. É precisamente a histórias como a de Guerrero que a Netflix dá aqui voz. Nunca foi conteúdo para detentor de vivenda com cerca branca e bandeira dos Estados Unidos hasteada, mas este retrato presente é talvez o mais negro que a série já pintou. Ousou ofender, e nunca pediu desculpa por mostrar uma realidade feia e impiedosa. Exemplo disso é a imagem desoladora da sala de audiências repletas de crianças prontas a deportar, que nem pais têm por perto para as defender de uma ameaça sem face.

Blanca Flores e Carla
Blanca Flores e Carla |©Netflix

Laura Gómez, intérprete de Blanca Flores, é outra vencedora nesta temporada final. O destino desta personagem, supostamente libertada no final da sexta temporada, ser apenas transferida para outro tipo de prisão, foi-nos apresentado através de uma viagem com altos e baixos, reviravoltas e revelações. Blanca esteve sempre presente ao longo das temporadas, mas foi uma personagem discreta e até algo misteriosa. O véu foi descoberto, e aquilo que foi revelado foi mais do que satisfatório. Inclusive, temos direito a uma muito merecida história sobre o crime que a levou até Litchfield, que bem pensado, não foi crime algum, antes uma cedência que lhe saiu bem cara. Estas narrativas, este centro, deram uma enorme vitalidade ao conteúdo, uma autêntica lufada de ar fresco, bem merecida e sentida. . Já Carla, também na imagem, interpretada por Karina Arroyave, foi uma nova personagem secundária introduzida para um arco curto mas marcante. Até conseguiram o feito, a proeza, de humanizar Natalie Figueroa, uma personagem que se tornou bem  menos bidimensional ao longo das temporadas.

Continuando o role de rejeição total de fé no sistema de justiça norte-americano, e agora de regresso à prisão, Danielle Brooks continua a ser a alma e a bússola moral da série com Taystee. Na sua demanda por justiça em nome de Poussey, Tasha Jefferson não encontrou nada senão incompreensão e mais injustiça. A sua pena, para lá de irreversível, marca uma falência e descrença  no sistema retratado. Acompanhamos Taystee no seu dilema em torno do valor da vida, e rejubilamos quando compreendemos que vale sempre a pena. Assim, tanto personifica alguns dos momentos mais devastadores, como mais belos da série.

Danielle Brooks
Danielle Brooks como Taystee |©Netflix

Todas as personagens centrais têm direito a arcos desenvolvidos, como mencionei anteriormente. Red fica com inícios de demência, em grande parte devido aos efeitos destrutivos da solitária, e Lorna passa por mais um período negro, no qual a sua saúde mental volta a ocupar um palco principal. Entre estes dois pequenos grandes problemas e uma paixão condenada ao infortuno, Nicky volta também ela a destacar-se, bem como a sua poderosa intérprete  – Natasha Lyonne, que deu de falar este ano com o seu “Russian Doll”. Dentro do seu arco, destaque muito positivo para um tema abordado com coragem e de cabeça erguida. O da mutilação feminina, personificado pelo novo interesse amoroso de Nicky –  Shani (Marie-Lou Nahhas), uma mulher egípcia, que tinha fugido do país devido à sua orientação sexual e que enfrentava agora perigo de morte face à possível deportação. Mais um trunfo neste valioso baralho.

Natasha Lyonne e Marie-Lou Nahhas
Natasha Lyonne e Marie-Lou Nahhas |©Netflix

A mãe e filha Diaz tiveram também direito a bastante tempo de ecrã, mas nem sempre foi pelo melhor. A acção em torno de Aleida importa devido ao facto desta sair e retornar a Litchfield, sem que muito pareça mudar nos seus hábitos, com a reforma longe. Contudo, Daya tem uma narrativa gasta, que se arrasta e que se torna caricatural. Ela representa o carácter mais destrutivo de uma prisão, e a sua capacidade de transformar uma miúda semi-inocente numa assassina. A revolta na prisão devastou-a para sempre, mas agora é mais feia, mais despenteada, tem mais acne e tornou-se grosseira ao ponto de querermos desviar o olhar quando fala ou sequer aparece no ecrã. É uma exageração absurda e irreconhecível da jovem sensível e apaixonada por pintura que conhecemos em tempos, demasiado exagerada. Assim, se tivesse que apontar o dedo a uma boa temporada final, seria por aqui.

Elizabeth Rodriguez (Aleida) e Dascha Polanco (Daya)
Elizabeth Rodriguez (Aleida) e Dascha Polanco (Daya) |©Netflix

Este último capítulo atou bem as suas pontas, e, acima de tudo, comprovou a força da sua fibra e a intencionalidade do seu coração com acções memoráveis. Se por um lado regressou a histórias familiares apenas para lhes dar uma continuidade pouco inventiva, transformou também o ambiente com novas direções e propósitos. Fez-nos rir, chorar, questionar. Arrumou a casa mas deixou a narrativa ainda assim um pouco aberta, não subestimando nunca o seu espectador e deixando-lhe algo à imaginação.

Aí desse lado, ficaram satisfeitos com o final desta série icónica? 

Orange is The New Black, em análise
Orange is the New Black Season 7

Movie title: Orange is the new Black

Actor(s): Taylor Schilling, Uzo Aduba, Kate Mulgrew, Dascha Polanco, Yael Stone, Natasha Lyonne, Laura Prepon, Danielle Brooks

Genre: Drama, Comedy, Crime

  • Maggie Silva - 80
  • Filipa Machado - 80
80

CONCLUSÃO

A sétima e derradeira temporada de “Orange is The New Black” é detentora de uma aparente calma inquietante, capaz de chocar e mover, uma e outra vez

O Melhor: o Centro de Detenção de Litchfield e as histórias desoladoras que lá nos foram apresentadas

O Pior: algumas linhas narrativas, como a de Daya, pouco acrescentaram

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