Jojo Rabbit, em análise
“Jojo Rabbit” é a mais recente proposta do argumentista, ator, realizador, produtor, verdadeiro homem dos sete ofícios cinematográficos que é o neozelandês Taika Waititi. O filme, nomeado para seis Óscares, estreou em Portugal no dia 30 de janeiro.
Com este seu filme, Taika Waititi consegue atingir um delicioso equilíbrio entre a comédia do absurdo e a abordagem cuidadosa de uma temática complicada. É irreverente, sarcástico, expressivo e (literalmente) incendiário.
Taika Waititi é acima de tudo conhecido pelo seu hilariante “mocumentário” – falso documentário – “O Que Fazemos Nas Sombras” (2014), sobre uma família de vampiros que tenta lidar com a idade contemporânea. O filme, oriundo da Nova Zelândia , co-realizado e co-escrito por Waititi em conjunto com Jemain Clement, conta também com esta dupla nos papéis principais. Tal foi a popularidade e a vida de “What We Do in The Shadows” para lá da exibição em sala, que até originou uma série para a norte-americana FX, parcialmente realizada por Clement e Waititi.
Desde então, Waititi tem vindo a incorporar a comédia como parte integrante do seu ADN cinematográfico. Em 2017 realizou o bem recebido “Thor: Ragnarok” e foi assim, através da Marvel, que chegou a um público mais generalizado. Depois de já ter sido nomeado ao Óscar de Melhor Curta-Metragem em 2005, acumula em 2020 duas nomeações por “Jojo Rabbit”: Melhor Filme do Ano e Melhor Argumento Adaptado. O seu polémico filme segue com 6 nomeações para a próxima edição dos Óscares, que acontece já na madrugada de 9 de fevereiro para 10 de fevereiro.
“Jojo Rabbit” venceu, já em setembro, um importante prémio de festival que funciona como indicador para a temporada que se lhe seguirá, tal como especulei em setembro. Foi Prémio do Público no TIFF, Toronto International Film Festival, onde teve a sua estreia mundial. Desde então, foi nomeado para mais de 130 prémios e arrecadou já mais de 25 vitórias. É um dos títulos que mais potencial tem para ofender, dividir ou para ser incompreendido. O seu ponto de equilíbrio é volátil e a sua narrativa invulgar, mas é uma viagem alucinante a não perder.
Este novo projecto de Taika Waititi, baseado no também ele pouco consensual romance de Christine Leunens, é uma tragédia mascarada de comédia ou talvez uma comédia dramática mascarada de paródia. Quem conhece, de forma superficial, o trabalho do autor de “Jojo Rabbit” facilmente poderia tomar esta obra por uma mera ridicularização de factos históricos. Não é disso que se trata. Jojo é um filme corajoso que , numa época de expansão da direita extremista, ousa criar uma sarcástica crítica a um dos períodos mais negros da nossa história recente.
Narra-se a história de Johannes “Jojo” Betzler (Roman Griffin Davis), um menino de 10 anos que nos tempos finais da Segunda Guerra Mundial vê em Hitler o seu maior conforto. Não só constrói todo o seu sistema de crenças em torno da Juventude Hitleriana e consequentes valores, como tem Adolf como o seu amigo imaginário. As suas certezas são abaladas quando descobre que a sua caridosa e paciente mãe, Rosie (Scarlett Johansson), está a esconder uma adolescente judia, Elsa (Thomasin McKenzie), no quarto que em tempos pertenceu à sua irmã. Agora, Jojo é confrontado com as contradições inerentes à ideologia em torno da qual construiu a sua identidade. O olhar de uma criança, neste caso, é mesmo o mais puro e “educacional”.
Num tempo do dito “politicamente correcto”, Waititi cria uma obra que é tanto uma lição de moralidade (no bom sentido) como uma rejeição total das amarras dessa tal necessidade de não ofender ninguém. “Jojo Rabbit” não é aquilo que esperaríamos de Waititi, é bem mais do que isso. É um filme sobre amor, esperança e tolerância com um humor extremamente característico e reconhecível. Uma verdadeira marca de autoria.
Um filme com interpretações exemplares, em particular da parte da jovem revelação que o suporta. Este é o primeiro papel no cinema de Roman Griffin Davis. Aos 12 anos de idade, foi nomeado ao Globo de Ouro para Melhor Ator de Comédia, ao lado de grandes nomes com carreiras construídas ao longo de décadas. Thomasin McKenzie (“Leave No Trace”, “The King”) é também fenomenal como Elsa. Taika Waititi é hilariante e irreverente como Adolf Hitler, Sam Rockwell (“Três Cartazes à Beira da Estrada”) e Rebel Wilson (“Um Ritmo Perfeito”) injectam preciosa energia cómica nesta obra, e até Alfie Allen, (“Game of Thrones”) quase sem falas, dá o ar da sua graça.
Scarlett Johansson, a estrela do filme que mais tem sido destacada ao longo destes últimos meses, mostra uma faceta trágico-cómica interessante e um potencial distinto de muito do que vimos dela no passado. Com o seu magnífico 2019, com filmes como este “Jojo Rabbit” e “Marriage Story”, é quase lamentável que seja tão frequentemente empurrada para papéis menores em filmes de acção. Ainda assim, ela não é a intérprete que brilha mais alto nesta “farsa” de Waititi. E, ao fim de contas, a peculiaridade criativa do seu realizador e argumentista é mesmo a marca distintiva da obra.
“Jojo Rabbit” emociona subtilmente, parodia sem ser vulgar, choca sem ser gratuito, diverte sem ser apatetado ou vazio. Dá-nos “Heroes” de David Bowie traduzido para alemão, dá-nos sotaques exagerados e algo caricaturais por parte de actores britânicos e americanos. É inverosímil mas delicioso. É um cocktail molotov de energia e intencionalidade. Não é para todos, mas tem o poder de deixar uma clara marca.
Jojo Rabbit: Em Anáise
Movie title: Jojo Rabbit
Date published: 1 de February de 2020
Director(s): Taika Waititi
Actor(s): Roman Griffin Davis, Thomasin McKenzie, Scarlett Johansson, Taika Waititi, Rebel Wilson
Genre: Comédia, Guerra, Drama
-
Maggie Silva - 80
-
Rui Ribeiro - 90
-
Daniel Rodrigues - 70
-
José Vieira Mendes - 65
-
Inês Serra - 90
-
Virgílio Jesus - 60
CONCLUSÃO
“Jojo Rabbit” é, como esperado, uma irreverente paródia. Para lá disso, é uma visão única da Segunda Guerra Mundial. Contada do ponto de vista de uma criança, sem a melancolia dramática que este género de ponto de vista costuma pressupor.
O MELHOR: A abordagem “fora da caixa” de uma temática que já viu de tudo um pouco. O tom ligeiro e humorístico era um risco gigante. Não sendo consensual, a recompensa está à vista.
O PIOR: Ver e apreciar “Jojo Rabbit” exige uma grande suspensão de crença no real. O absurdo deste universo vai tentando contrabalançar-se com as intenções mais nobres da narrativa – por vezes chocam e deixam o espectador sem saber inteiramente o que esperar deste registo.