Cruella, em análise
Cruella é a história de origem que estávamos à espera! Requintada, elegante e simplesmente chique, Emma Stone está deslumbrante como vilã da Disney. Numa nova perspectiva de live-actions, e depois de “Maléfica”, a Disney volta a tentar a sua sorte com Cruella de Vil, numa nova adaptação, mais family friendly mas sem dúvida com uma pequena dose de loucura.
Nos últimos anos os originais da Disney têm-se focado nas animações, e se a verdade é que títulos como “Frozen” ou o mais recente “Raya e o Último Dragão” continuam a fazer as delícias do público mais jovem, também podemos dizer que a nova estratégia de versões live-action das histórias de contos de fadas tem conquistado o seu público mais adulto.
“Maléfica” foi a primeira experiência ‘fora da caixa’, ao focar-se numa vilã, e mostrou uma nova faceta da antagonista de “A Bela Adormecida”. “Cruella”, que é apenas a segunda vilã a ter este tratamento, revelava-se no entanto um desafio ainda maior dentro dos parâmetros Disney. Uma personagem elegante mas louca no seu íntimo, Cruella De Vil é a antagonista da história de “Os 101 Dálmatas” e tem em si várias características que colocavam a história deste filme como um quebra-cabeças: a sua fama de querer matar cães para obter o seu pêlo (algo nada fácil de se desenvolver junto do público da Disney nos dias de hoje) e a sua obsessão, quase compulsiva, de ter um cigarro nas mãos.
NOTA: Daqui em diante poderão existir possíveis spoilers, mas reduzidos, não se preocupem
Mas a verdade é que “Cruella” consegue apresentar-se de forma exímia nos grandes ecrãs e sem causar qualquer tipo de escândalo. Com a adaptação necessária para chegar ao público dos dias de hoje, os Walt Disney Studios retiraram por completo a parte do fumo e deram uma nova história ao mito dos dálmatas e da obsessão dela com o seu pêlo. E a essência do que conhecemos de Cruella continua bem presente no filme, fazendo disto, a nosso ver, um sucesso de adaptação dadas todas as condicionantes. E Emma Stone fica simplesmente perfeita neste papel.
Começando pelo início, há algo em que o filme de Craig Gillespie se destaca acima de qualquer outro da Disney – talvez o que se aproxime mais seja o recente “Cinderela”: os figurinos! A nova longa-metragem da Disney apresenta-se desde cedo, logo com as primeiras imagens, como uma forte candidata à próxima edição dos Óscares pelos cenários e o maravilhoso e exuberante guarda-roupa criada por Jenny Beaven (“Mad Max: Estrada da Fúria” e “Quarto com vista sobre a Cidade”). Há muito que um filme da Disney não nos presenteava com este nível de guarda-roupa e ninguém irá ficar indiferente neste filme, independentemente do nosso gosto pela moda.
O luxo não é estranho aos cenários, a opulência é cativante e o “génio de criatividade” simplesmente irresistível. Todos os fatos das personagens foram pensados ao detalhe e não são um mero acessório; o guarda-roupa definiu o tom do filme, a postura das personagens e até serviu para as distinguir, como tão bem vimos apresentados Cruella e os amigos, mais pobres, e mais tarde Baronesa e os seus convidados da alta sociedade de Londres. Com uma palete de cores que se foi diversificando, o guarda-roupas fez uso de materiais diversos, foi ganhando mais destaque à medida que o filme avançava e nunca desiludiu – nem as imensas perucas do último grande baile. E importa notar que caracterizou de forma exímia a vibe de punk rock da Londres dos anos 70.
E, ainda que consideremos esta componente mais técnica um dos verdadeiros protagonistas do filme, não nos podemos esquecer de talvez fazer uma primeira análise ao enredo de “Cruella”. Como a sinopse bem conta, esta é a história de Estella, uma jovem rapariga que parece chamar pelo caos, e que vive uma vida de vigarista com dois amigos, Jasper e Horace. Juntos, embarcam nas mais diferentes situações, até que Estella encontra uma oportunidade de fazer o que sempre sonhou: desenhar roupa com o maior nome da moda de Londres, a Baronesa Hellman. E como é que isto se encaixa na história da mítica Cruella de Vil? Bem, exactamente por ser a história de como Estella se tornou Cruella, um alter-ego que aparentemente sempre teve desde pequena, e que desperta em si um carácter mais atrevido, vingativo, demonstrando sempre alguma malícia e, acima de tudo, poder.
É interessante ver como a história foi adaptada neste live-action de vilã. Se por um lado em “Maléfica” notámos que houve a necessidade de demonstrar um grande coração, aqui parece-nos que a ideia foi manter a dúvida e deixar no ar que Cruella tanto pode ser boa como má… irá certamente depender da interpretação de cada e dos valores que acreditamos serem ou não os correctos. Ela tem coração, e percebemos porque a história e o rumo de vida é motivado por querer estar bem aos olhos da mãe desaparecida, mas é inevitável o percurso de Estella. Há uma certa paranóia inerente do seu carácter mas também uma enorme necessidade de aceitação que se vai transformando ao longo dos anos e à medida que ela começa a descobrir quem é que ela quer realmente ser.
Nesse sentido, acreditamos que um dos grandes pontos fortes na construção da narrativa é a relevância de personagens à partida mais secundárias. Contrastando com o que conhecemos das animações da Walt Disney, Jasper (Joel Fry) e Horace (Paul Walter Hauser) são aqui apresentados desde pequenos e com um papel relevante para o desenvolvimento de Cruella – foram eles que salvaram Estella de uma vida orfã e sem ninguém em pequena. Tornando-se a sua família mais próxima, estão directamente ligados à sua mudança de personalidade, tendo inclusive Jasper sido o principal responsável pela emancipação do alter-ego Cruella; foi ele que arranjou a Estella o seu trabalho de sonho na Liberty, a casa da Baronesa. Este novo olhar sobre os vigaristas que acompanham os olhares de Cruella são uma lufada de ar fresco de certo modo, ao darem mais coração e sentido à junção destas três improváveis personas. Por outro lado, não deixam de nos fazer sentir mal porque motivaram o aparecimento de Cruella, sendo depois constantemente rebaixados pela própria, que se revela egoísta e lunática.
E se Jasper ou Horace são relevantes, há que falar da Baronesa Hellman. Interpretada pela magnífica Emma Thompson, é apresentada como a nemésis da vilã da Disney e, convenhamos, é deveras equiparável em termos de loucura, sentido apurado para a moda e simplesmente poder divinal. Sem querer revelar muito da história, e da sua real importância para a vida de Estella/Cruella, a Baronesa é, por mérito próprio e excelência de Thompson, a verdadeira vilã da história. Está tão bem trabalhada, e apresentada, que por momentos nos esquecemos que a personagem central da história, Cruella, é na verdade ela mesmo uma vilã, tal loucura se revela por vezes pequena junto da Baronesa. Em contrapartida, soube-nos a pouco a relação da Baronesa com John, um dos seus empregados, interpretado por Mark Strong. Estando acostumados aos seus papéis de vilão, strong passou praticamente despercebido durante todo o filme, apesar de ter tido alguma importância maior para o grande twist da história.
Com personagens bem construídas, e uma Londres dos anos 70 que tanto nos cativou, “Cruella” não desilude e pode abrir mais portas para filmes do género. Não é a típica história da Disney, e apesar das cedências acreditamos que continua a ter na sua essência a malícia inerente a uma personagem dessas. Os easter eggs que apontam para a história da animação de “Os 101 Dálmatas” não são deixados ao caso e parecem quase indicar a vontade de continuar esta nova visão com Emma Stone no papel de protagonista. Já encontramos os dálmatas, encontramos uma Anita e até o mito do casaco de pele de cão. Terá sido este realmente apenas o primeiro filme para uma nova saga de filmes deste universo? Esta, afinal de contas, é apenas uma história de origem…
Cruella, em análise
Movie title: Cruella
Movie description: CRUELLA, que se passa em Londres, nos anos 70, a meio da revolução do punk rock, segue uma jovem vigarista chamada Estella, uma rapariga inteligente e criativa determinada a fazer vingar o seu nome através das suas roupas. Ela faz amizade com um par de jovens ladrões que apreciam o seu apetite por problemas e, em conjunto, constroem uma vida nas ruas de Londres. Um dia, o talento de Estella para a moda chama a atenção da Baronesa von Hellman, uma lenda da moda, devastadoramente chique e assustadoramente elitista. Mas, o seu relacionamento origina uma série de eventos e revelações que farão com que Estella abrace o seu lado perverso e se torne numa estridente, elegante e vingativa Cruella.
Date published: 27 de May de 2021
Country: EUA
Duration: 2h17m
Director(s): Craig Gillespie
Actor(s): Emma Stone, Emma Thompson, Joel Fry, Paul Walter Hauser, Mark Strong, Emily Beecham, Kirby Howell-Baptiste
Genre: Drama, Crime
-
Marta Kong Nunes - 90
-
Cláudio Alves - 45
-
Inês Serra - 70
-
Manuel São Bento - 80
CONCLUSÃO
“Cruella” não desilude! É certo que não há termo de comparação porque é a primeira vez que se conta a sua origem, mas parece-nos que a essência da vilã mais fashionista está bem presente no filme. A irreverência e até a loucura desenfreada são marca da história e o filme ganha outra dimensão quando não há inibições à moda, aos figurinos e até aos exuberantes cenários. “Cruella” não quer ser um filme de crianças e cumpre aquilo a que se propõe: uma história de origem de uma das vilãs mais icónicas, sem rodeios, e sem dúvida cativante, seja pela parte visual ou pela parte do elenco. Emma Stone convence como uma personagem maquiavélica e todo o restante elenco deixa a sua marca na dimensão certa.
Pros
- Os figurinos deslumbrantes de Jeanny Beaven
- Emma Stone como a lunática Cruella De Vil
- Emma Thompson como a implacável Baronesa Hellman
- A banda sonora punk rock
Cons
- O papel menor de Mark Strong
- A adaptação necessária à história para o público de hoje (não ficou má, mas temos sempre pena quando é preciso fugir do original)
- Alguns momentos de CGI quando temos cães envolvidos