"Swimmer" |©BBC Films

Curtas Vila do Conde 2021 | Curtas de Lynne Ramsay, em análise

Lynne Ramsay é uma das mais ecléticas e interessantes realizadoras da atualidade, um marco na longa e dignificada tradição do poderoso realismo britânico. 

A realizadora escocesa vê o seu trabalho homenageado na edição de 2021 do Curtas Vila do Conde, com diversas das suas curtas e longas-metragens em exibição no âmbito do programa “In Focus”. Analisamos a 1ª sessão do seu programa, a qual apresenta as suas duas curtas-metragens mais recentes. 

Símbolo da constante evolução do realismo britânico, Lynne Ramsay vai bem além de um foco no quotidiano e na sua expressão, expandindo a representação do real para universos mais líricos, os quais irão dar corpo à dita corrente do “novo realismo”.

Apesar de ter já “dado o salto” para lá do Atlântico com dois filmes bem-sucedidos em Hollywood e à escala planetária, “Temos de Falar Sobre Kevin” (2011) e “Nunca Estiveste Aqui” (2017), ambos estreados em sala em Portugal e a exibir neste 29º Curtas Vila do Conde, Ramsay continua a trabalhar, no Reino Unido e mais além, no formato da longa-metragem.

Aqui, uma predileção pelo preto e branco presenteia imagens assombrosas e memoráveis.

1 – NADADOR / SWIMMER (UK, 17′, 2012) 

Lynne Ramsay in Focus Curtas Vila do Conde 2021
©BBC Films

Esta curta-metragem de Lynne Ramsay, uma encomenda dos Jogos Olímpicos de 2012 que decorreram em Londres, acompanha o percurso de um nadador no seu treino diário através de diferentes cenários britânicos, evocando a abstração mental necessária para manter esse esforço durante tanto tempo.

Uma jornada pautada pela musicalidade e natureza lírica, “Nadador” prova que Lynne Ramsay evoluiu muito para lá das “garras” sedutoras da grande corrente do realismo britânico. A viagem do nadador é filmada com curiosidade, encantamento e não-linearidade. As sequências debaixo de água retiram-nos o folgo e a palavra é dispensada e transformada em instrumento de narração secundário.

A imagética de “Swimmer” é livre e totalmente aberta à interpretação de quem a vê. A roçar a perfeição técnica, sem quaisquer preocupações relacionadas com sequencialidade, esta curta-metragem coloca o espectador no local do sujeito filmado. Todos nós somos, claro está, o nadador na nossa própria sucessão de atos, receios, sonhos (e pesadelos).

Da evocação de obras britânicas icónicas, como “Lord of the Flies” (de 1963), até à rememoração de musicalidades icónicas como a de “Fantasia on a Theme” de Ralph Vaughan Williams; a própria autora identifica esta curta como um “fluxo de consciência”. Fluxo este orientado pelas marcas da memória, seja ela a memória de antigas melodias do Reino Unido ou de obras das décadas de 1960 e 1970, as quais adornam a rica musicalidade através da inclusão de excertos de diálogos.

De uma destreza inegável, assim é este “Swimmer”, obra sedutora e munida de uma transversalidade de ecos alusivos à cultura britânica, mas capaz de permitir a qualquer um que a veja a construção de mundos dentro deste mundo.

Classificação: 95/100

2 – BRIGITTE (UK/ IT, 29′, 2019) 

Lynne Ramsay Curtas Metragens
Lynne Ramsay filma a intimidade de Brigitte Lacombe |©Somesuch

Brigitte Lacombe, famosa fotógrafa de retratos francesa, é o objeto de um retrato documental intimista criado por Lynne Ramsay.

Se com o thriller psicológico “Nunca Estiveste Aqui” (2017), longa-metragem protagonizada por Joaquin Phoenix e centrada no pesadíssimo tópico do tráfico sexual, Lynne Ramsey nos transportou para os confins da perversidade humana, a curta que estreou em 2019, “Brigitte”, reveste-se de uma suavidade até aqui pouco presente na sua filmografia.

Apesar de não apelar necessariamente a um qualquer público indistinto, devido à sua temática muito específica, “Brigitte” é uma curta-metragem documental realizada com a maior das atenções ao detalhe e um triunfo dentro do género, em particular em termos formais. Sem cair em quaisquer formatações ou regras, Lynne filma-se a si e também  Brigitte Lacombe e sua irmã, imiscuindo um conjunto de conversas pré-gravadas numa longa sucessão de várias sessões fotográficas decorridas num único local.

Vemos Lacombe, fotógrafa de 70 anos que conta com uma influente carreira na área do retrato há mais de 4 décadas, no seu ato de criação. Está relaxada, imersa no seu dispositivo, aquele que usa para entrar em contacto com o mundo, aquele que lhe é imprescindível. A montagem desta homenagem de meia hora ao seu trabalho, criada no âmbito da série “Miu Miu Women’s Tales” e apresentada no Festival de Veneza, justapõe a imagem e a palavra, o registo do passado e do presente da narrativa e a partir da sua memória cria uma nova forma de re-apresentação.

O gesto de Lynne Ramsay é notável, fazendo-se pautar por uma naturalidade no trato. Denuncia-se uma enorme generosidade, com o sujeito fílmico a ser protegido, respeitado e verdadeiramente homenageado. Aqui conseguimos compreender de que forma a lente conduz a relação de Brigitte com tudo o que a rodeia; uma visão muito particular, uma observação cuidada, uma herança iconográfica.

Mais um poema visual da parte de Ramsay, cujos triunfos se fazem reforçar pela mestria no tratamento do som.

Classificação: 80/100

Não percas a nossa cobertura do Festival Curtas Vila do Conde 2021, que continua até 25 de julho. Entre os destaques diversas obras de Lynne Ramsay podem ser vistas até quarta-feira, dia 21 de julho.

Caso não seja possível marcar presença física no evento, o “Online Pass Curtas” continua a expandir o universo para o mundo digital!  

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