"Narciso em Férias" (2020) |©Doclisboa

Doc Lisboa’20 | Narciso em Férias, em análise

O Doclisboa regressou, entre 3 e 9 de dezembro, para mais uma semana de programação. Desta vez, a última de 2020. Contudo, o Festival continua com novos momentos da sua 18ª edição em janeiro, fevereiro e março de 2021. Por agora, é tempo para ouvir as hipnotizantes palavras de Caetano Veloso. 

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Regressámos uma vez mais ao DocLisboa para a sua programação de “Espaços de Intimidade”. Desta vez, mergulhámos na intimidade de Caetano Veloso com “Narciso em Férias”, de Ricardo Calil e Renato Terra, uma pérola e lufada de ar fresco numa semana marcada por confinamento e restrições.

“Narciso em Férias” é um filme raro. Coloca a tónica na palavra, na musicalidade de cada sílaba, e ali fica. Pouco se move o sujeito entrevistado, pouco se altera o fundo em seu torno. Não obstante a sua aparente falta de capacidade inventiva, este tipo de documentário que sugere um estilo bastante clássico e pouco arriscado, com um sujeito a falar frente à câmara, parece aqui conseguir ser reinventado devido à proximidade evidente que se consegue estabelecer entre o sujeito filmado, aquele que filma e o espectador que assiste a esta interação.

Algo mágico nasce nessa convergência. Muito disto se deve ao espaço confortável desenhado pelos realizadores e grande parte provém também de um facto inegável. Caetano Veloso é um grande contador de cantigas, de certo, mas muito mais, ele é um verdadeiro narrador de histórias. A sua palavra guia este filme e nunca perde o nosso interesse, nunca o vemos fraquejar. Ao invés disso, somos cada vez mais envolvidos nesta recapitulação, em grande detalhe, de dois meses da vida de uma figura incontornável da cultura brasileira.

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Caetano Veloso foi, durante o período mais autero da ditadura brasileira, preso durante dois meses. Demorou a saber qual teria sido o motivo da sua captura, vindo-se a acabar por esclarecer que tinha sido motivada por uma falsa denúncia por parte de um locutor de rádio. Na primeira pessoa, Caetano leva-nos numa viagem de hora e meia que parece durar 5 minutos. Uma jornada emotiva, repleta de detalhes coloridos e capazes de nos transportar, corpo e alma, para uma cela escura e isolada.

Foi em 1968 que a Ditadura Milita do Brasil aprovou o Acto Institucional nº5, marcando o início da fase mais repressiva deste regime. Foi no final do ano que Caetano Veloso foi arrancado da sua casa de madrugada, sem aviso ou esclarecimentos e colocado na prisão em regime de solitária. Agora, passados 50 anos, Veloso regressa a estes dias e apresenta palavras carregadas de mágoa mas retrata também capítulos marcados pela esperança e sonho.

Pelo meio interpreta, com a voz carregada de emoção, algumas músicas que cinquenta anos depois continuam ligadas à sua experiência de encarceramento. Entre elas uma interpretação memorável de “Hey Jude”, dos Beatles, música-símbolo do seu espírito imbatível, inclusive durante a sua captura. Entre a música e a palavra,  Caetano revela também os detalhes envolvidos na sua captura. O público na sala reage algures entre o riso e as lágrimas perante o absurdo da situação e a crueldade do regime.

“Narciso em Férias” é uma ferramenta poderosa, um conto que nos recorda, uma vez mais: é preciso lutar pela liberdade, resistir e acima de tudo nunca esquecer o passado. A história não só é ciclíca como é cumulativa. Perante a ascensão de novos partidos extremistas no mundo atual, as palavras aqui expressas e cantadas por Caetano Veloso tornam-se mais imperativas.

TRAILER | NARCISO EM FÉRIAS – ESPAÇOS DE INTIMIDADE (DOC LISBOA ’20) 

Narciso em Férias, em análise
doclisboa caetano veloso

Movie title: Narciso em Férias

Date published: 13 de December de 2020

Country: Brasil

Duration: 83'

Director(s): Ricardo Calil, Renato Terra

Genre: Documentário ,

  • Maggie Silva - 88
88

Conclusão

“Narciso em Férias” é um documentário desprovido de pretensões: a música e a palavra unem-se e recuperam um momento no tempo, uma história da Ditadura Militar Brasileira, num gesto de resistência nobre e de realçar!

Pros

Caetano Veloso como um contador de histórias exímio;

Cons

Apesar de não ser uma escolha reprovável, é verdade que “Narciso em Férias” deixa muito à imaginação e pouca iconografia concreta nos oferece. Quiçá alguns dos espaços pisados por Caetano pudessem ter colorido a mise-en-scène?

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