Anya Taylor-Joy como Emma |©NOS Audiovisuais

Emma, em análise

Em 2020, o universo riquíssimo de adaptações cinematográficas da obra literária de Jane Austen expandiu com uma nova adaptação de “Emma”.

Com a chegada exclusiva do filme ao TVCine Top a 16 de janeiro e logo de seguida ao VOD nacional, na sua estreia oficial em Portugal, não tendo passado pelas salas de cinema, propomos uma análise à quarta longa-metragem baseada no livro.

Será que esta interpretação mais recente acrescenta algo ao mundo da escritora inglesa? 

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Já dizia o livro “Orgulho e Preconceito” que é uma verdade universalmente reconhecida que um homem rico e solteiro precisa de uma esposa. Pode ser esta a premissa que abre a obra de referência de Austen, mas é uma que se aplica a todos os seus livros. Com “Emma”, tal principio continua latente, mas é antes uma verdade universalmente reconhecida que uma miúda mimada e a quem a vida sorri, tanto em beleza como em estatuto social, precisa de distrações para combater o aborrecimento.

“Emma” é , para quem tem familiaridade com a bibliografia da inglesa, um dos títulos que mais evidencia a ironia mordaz de Austen. Aqui se acompanha uma jovem da alta sociedade, a personagem titular, que gozando de uma posição de fortuna e conforto doméstico se recusa a considerar para si o matrimónio. Não precisa de casar acima da sua posição, como acontecia por exemplo com as irmãs Bennet, e nem tão pouco se preocupa em demasia com a cobiça de pretendentes.

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“Emma” | ©NOS Audiovisuais

Para a jovem protagonista do livro  – e das suas quatro adaptações ao cinema, uma ao teatro e outra à televisão – a cura para uma vida livre de preocupações e abundante em tédio é desempenhar o papel de casamenteira sempre que lhe é oportuno  – ou mesmo quando não é. Seguem-se uma série de peripécias, com alguns casamentos bem-sucedidos e alguns pares bem falhados, com Emma a falhar redondamente  – uma e outra vez –  na tentativa de arranjar um bom marido para a sua amiga Harriet, de classe inferior, mas que tanto aprecia. Claro que pelo meio existe um personagem masculino que se reveste de aparente arrogância execrável, mascarando um bom fundo inegável.

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Começando pelos aspectos positivos, esta nova versão é quiçá a mais bela e luminosa interpretação de “Emma” a alguma vez gracejar o grande ecrã. Os tons pastéis combinam-se ao milímetro sem nunca abandonarem a sua fluidez e os próprios tecidos e indumentárias reforçam o carácter humorístico da obra sem nunca serem demasiado forçados ou caricaturais. Existe uma intencionalidade constante que se verifica na escolha dos planos, na decoração do set e na simetria presente em todos os planos. É um belo filme, do ponto de vista estético. Para desgraça dos muitos fãs acérrimos de Jane Austen, as suas qualidades vão pouco além disso.

Se por um lado esta versão de “Emma” tenta  – e consegue – transpor o humor sublime e muito discreto de Austen, a verdade é que pouco altera a sua fonte literária e a maioria do louvor vai para Austen e para a sua mente tão à frente da sua existência no Século XIX. Esta longa-metragem, por outro lado, insulta profundamente a personagem titular ao alterá-la, tornando-a quase frívola, antipática, superior e tremendamente arrogante. Apesar de ser uma jovem mimada, Emma destaca-se pela sua ternura, bom fundo e pela genuína tentativa de melhorar a vida daqueles que a rodeiam com os seus dotes de casamenteira – dos quais tanto se orgulha.

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Nesta versão cinematográfica Emma parece perder toda e qualquer doçura, fazendo o espectador ansiar pela interpretação de  Gwyneth Paltrow – invulgar mas verdade, Paltrow foi de facto uma Emma muito mais afável e próxima do original literário. No decorrer das dolorosas e demasiado longas mais de duas horas de filme, fui percorrendo os mesmos eventos -chave através da forma como foram expostos na sua versão mais fora da caixa e contemporânea  – na forma do clássico adolescente “Clueless”, que muitos consideram ser a melhor e mais inventiva versão desta história. Como é que um filme adolescente situado nos anos noventa conseguiu captar melhor o espírito deste livro originalmente publicado em 1815 ? Escapa-me,  mas é sem dúvida uma afirmação verdadeira.

 

Emma Mr. Knightley
Emma e Knightley na versão de 2020 | ©NOS Audiovisuais

A versão de 2020 é demasiado longa mas ainda assim salta explicações importantes, deixa o espectador na dúvida sobre elementos essenciais do enredo e aplica a mesma falta de simpatia a todas as outras personagens, até a Mr. Knightley, uma personagem que não recebe aqui o seu importante arco de redenção. Fica a dúvida se a falta de empatia grosseira é culpa do trabalho de direção de atores ou dos próprios intérpretes. Contudo, algo é certo, Anya Taylor-Joy, uma das grandes promessas de Hollywood, é atroz como uma heroína Austen.

Para grandes fãs de Austen, esta obra poderá ser vista para propósitos de comparação. Se, por outro lado, não são aficcionados da autora será preferível optar por outra versão, como a de 1996, com Paltrow,  ou então a interpretação adaptada ao século XX  – “As Meninas de Beverly Hills” ou “Clueless”.

Já se forem fãs de um caráter mais académico, não há como falhar com a mini-série da BBC lançada em 2009 – ao fim de contas o canal britânico é mestre na adaptação de Austen. Algo é certo, esta bela comédia de Austen não precisava desta versão e muito menos a merecia.

Emma, em Análise
Poster Oficial NOS Austen

Movie title: Emma

Movie description: Emma é uma jovem de alta sociedade bem intencionada e casamenteira. O que acontece quando a seta do cupido lhe toca?

Date published: 22 de January de 2021

Country: Estados Unidos da América

Duration: 120 minutos

Author: Jane Austen - Livro

Director(s): Autumn de Wilde

Actor(s): Anya Taylor-Joy, Johnny Flynn, Josh O'Connor, Bill Nighy, Mia Goth

Genre: Comédia

  • Maggie Silva - 60
60

Em Conclusão

Talvez esta versão de “Emma” seja fiel aos eventos do livro original publicado por Jane Austen no século XIX. Não obstante, o brilho da fonte literária some e dá lugar a personagens sem cor ou humanidade. Emma passa de uma rapariga inteligente e bem-intencionada – apesar de inconsequente – para uma fedelha birrenta com poucas qualidades capazes de a redimir. Nada acrescenta ao vasto Universo Austen.

Pros

Impecável do ponto de vista estético.

Cons

É ao mesmo tempo longo e curto demais, na medida em que se arrasta ao ponto de aborrecer quem vê mas salta ainda assim pontos essenciais da obra.

Os protagonistas perdem todo o brilho, com especial ênfase para uma abismal personagem titular.

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