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Evil Does Not Exist – O Mal Não Está Aqui, a Crítica | O drama vencedor do Grande Prémio do Júri no Festival de Veneza

Depois de conquistar o Grande Prémio do Júri no Festival de Veneza, Ryûsuke Hamaguchi dá a conhecer ao mundo o seu “Evil Does Not Exist – O Mal Não Está Aqui”.

Nesta abordagem do confronto entre o humano e o natural, “Aku Wa Sonzai Shinai” (Evil Does Not Exist – O Mal Não Está Aqui), 2023, o realizador de “Drive My Car”, 2021, o japonês Ryûsuke Hamaguchi, faz um desvio na auto-estrada da ficção proposta na obra anterior para desta vez entrar Natureza dentro em busca de um lugar ao Sol, um ponto de equilíbrio entre o destino dos homens e a perpétua herança do peso inequívoco do meio ambiente que nos rodeia, mesmo quando muitos o ignoram ou por razões plutocráticas o pretendem subverter ou mesmo simplesmente destruí-lo.

NATURAL E CRISTALINO COMO O FLUIR DE UMA NASCENTE

Evil Does Not Exist – O Mal Não Está Aqui
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De início, o Director de Fotografia dá-nos um plano em Muito Contra-Picado, ou seja, com o eixo da objectiva na vertical e na direcção do céu, registo filmográfico em movimento da copa das árvores vistas de baixo para cima. Trata-se da representação gráfica e visual que o realizador nos propõe, um conjunto de ramos desenhados em silhueta contra a luz azul que vem do alto, ramos que preenchem o ecrã como se fossem as veias naturais de um corpo imenso, canais por onde circula a seiva ou o sangue vital da nossa Terra.

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Espaço independente das fronteiras políticas, económicas ou culturais. Mas a Natureza por si só não serve para nada se nela não existir o contraponto humano. Por isso neste filme encontramos pessoas de carne e osso, uma menina, Hana (Ryo Nishikawa), e o seu pai, Takumi (Hitoshi Omika), homem prático e quase rude que vive de acordo com ritmos contrários, para o melhor e o pior, aos da grande cidade, Tóquio. Megapólis que não fica muito distante da sua pequena aldeia implantada bem no meio da floresta, o espaço rural de Harasawa. Tempo e ritmo dos dias que passam serão sempre dois pilares fundamentais desta ficção, e a sua gestão uma componente estrutural da narrativa.




Takumi racha lenha, Takumi vai buscar água a uma nascente para ela servir de ingrediente “secreto” das massas de um restaurante cujos donos lhe são próximos. Podemos mesmo adivinhar que com eles nutre uma amizade cúmplice, amantes que são da qualidade inerente a um certo estilo de vida. Por seu lado, nos passeios com o pai, Hana demonstra uma dose considerável de conhecimentos sobre árvores, sobre o reino animal e vegetal, sobretudo os locais por onde circulam livres famílias de veados.

Evil Does Not Exist – O Mal Não Está Aqui
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Há mesmo um lago que será evocado como uma espécie de santuário daqueles simpáticos mamíferos, um reservatório de água que se respeita na medida em que se respeita a simbiose entre o racional e o irracional, o mundo dos homens e da razão e o mundo dos animais e do instinto. Dialéctica de valores que aquelas personagens dominam e fazem seus. E no meio deste quase idílico paraíso, ficamos a pensar: pode o mal existir por aqui? Talvez, mas nesta fase ainda será cedo para o confirmar!

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De facto, neste universo de cosmologias sensoriais, como podemos definir a fronteira entre o mal e o bem? Esse será seguramente, mais do que o mistério, o dilema sobre o qual recaem os principais conflitos que irão surgir a certa altura, quando uma dupla de mercenários do marketing aparece por ali enviado por um empreendedor imobiliário com a missão de convencer os que vivem em Harasawa das vantagens de acolher um projecto de glamping – um resort campista de luxo. Uma ideia peregrina que deseja vender a fórmula glamour + camping, com óbvios prejuízos para a manutenção da qualidade de vida a que o locais se tinham habituado.




Na verdade, eles foram para aquelas paragens depois da Segunda Guerra Mundial com o desejo de construir uma nova vida observando ritmos existenciais que procuravam fugir aos constrangimentos motivados pela reconstrução e pela ocupação americana do Japão. Do confronto que se segue e, sobretudo dos seus ecos em ambos os lados da barricada, nascerá uma nova percepção e uma série de latentes perplexidades. Desta vez, incidindo com mais intensidade entre os promotores a soldo do projecto. Ou seja, o feitiço começa a virar-se contra o feiticeiro.

Evil Does Not Exist – O Mal Não Está Aqui
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Numa longa sequência a caminho de Harasawa em que os soldados rasos ao serviço do capitalismo selvagem nipónico falam das suas angústias e fragilidades pessoais, revelando sonhos perdidos num passado não muito remoto, percebemos que aqueles que numa primeira fase pareciam confiantes nos seus propósitos e estratégia comercial possuem agora dúvidas. Tudo se agrava quando apostam na corrupção da alma de Takumi que, por sua vez, não vai na conversa fiada da atribuição de cargos e privilégios e continua a ser o mesmo de sempre. Daqui para a frente nada mais direi, porque “Evil Does Not Exist – O Mal Não Está Aqui” aposta numa ficção destinada a surpreender-nos a cada passo.

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Não importa se estamos junto do riacho, circundando o lago dos veados, percorrendo o interior da floresta ou desejando estar sentados no interior de um restaurante que serve deliciosos oden e udon. No final, a realização aproveita o desaparecimento da pequena Hana para nos lançar num outro ramal da estrada, mais sinuoso do que os anteriores. Para sintetizar esta parábola socio-ecológica, Ryûsuke Hamaguchi empurra-nos para a pura abstracção, como quem deseja afirmar que nenhuma das suas personagens, quer as mais singelas quer as menos recomendáveis, prevalece intacta perante a força sublime mas bruta da Natureza. E aquele arfar que ouvimos na banda sonora? Será mesmo o respirar ansioso das personagens ou será o simulacro de uma potencial alucinação do espectador?

E o mal? Estará ele vivo, nunca existiu, ou ainda está para vir?

Evil Does Not Exist – O Mal Não Está Aqui, a Crítica
Evil Does Not Exist – O Mal Não Está Aqui

Movie title: Aku wa sonzai shinai

Director(s): Ryûsuke Hamaguchi

Actor(s): Hitoshi Omika, Ryo Nishikawa, Ryuji Kosaka, Ayaka Shibutani

Genre: Drama, 2023, 106min

  • João Garção Borges - 75
75

Conclusão:

PRÓS: Recebeu em 2023, entre outros, o Prémio Especial do júri no Festival de Veneza, assim como o prémio da FIPRESCI (Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica).

No mesmo ano, recebeu o Prémio para Melhor Filme no BFI London Film Festival e o Grande Prémio do Júri no Asia Pacific Screen Awards.

CONTRA: Nada.

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