"Jumbo" de Zoé Wittock |©FEST

FEST – New Directors, New Films Festival 2020 | Jumbo, em análise

A MHD assistiu finalmente a Jumbo, um dos filmes mais comentados no Festival de Sundance de 2020 e que agora estreou no FEST – New Directors New Films Festival. 

Jumbo“, a estreia na realização da belga Zoé Wittock, é um dos filmes mais surreais e mais pertinentes dos últimos tempos para o cinema europeu de 2020. Não só falamos de um filme a que muitos têm comparado ao filme de horror “Christine, o Carro Assassino” (1983), de John Carpenter ou a “Crash” (1996) de David Cronenberg, mas de uma obra que aproveita a ficção científica para abordar questões sobre o amor e a família com toques de um certo realismo social, dentro das idiossincrasias do coming-of-age erótico.

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© EFC

Noémie Merlant, que já havia desempenhado outra mulher com um relacionamento intenso, complexo e tabu em “Retrato da Rapariga em Chamas” é a protagonista desta história de nome Jeanne, que acaba por apaixonar-se inesperadamente pelo carrossel  “Move It”, no parque de diversões onde trabalha, e que se encontra junto da fronteira do Luxemburgo com a França. A acompanhá-la como co-protagonista temos Emmanuelle Bercot (a aclamada atriz de “Meu Rei“), que tem a difícil tarefa de ajudar a filha a lidar com a sua condição de objetofilia, que afeta pouco mais de 40 pessoas no mundo inteiro que se dizem apaixonadas por objetos inanimados.

Ao longo da trama, o espectador é surpreendido, pois fica claro que, mais do que falar sobre a “relação amorosa” de uma mulher e um carrossel, “Jumbo” é uma história de luta maternal. Aliás, o próprio Fernando Vasquez, diretor de programação do FEST, revelou em entrevista à Magazine.HD que esta seria efetivamente uma temática essencial na 16ª edição do festival de cinema de Espinho.

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Emmanuelle Bercot em “Jumbo” (2020) © FEST

A dificuldade de Margarette, a personagem de Emmanuelle Bercot, em lidar com o relacionamento da filha, a sua “doce menina” ou “sugarpuss” como lhe chama, tem muito que ver com a falta de amor desta em infância. Portanto, de certa forma, o relacionamento de Jeanne com o carrossel Move It é uma consequência direta do perturbado ambiente familiar no decurso da infância.

Jeanne bem pode ser essa “menina da mamã”, com um estilo um pouco maria-rapaz e penteado rock n’roll, mas é também uma jovem forçada a crescer com alguém cujo amor parece ser quase uma obsessão. Margarette quer que a filha tenha um namorado, mas é contraditória no sentido em que pouco consegue libertar Jeanne do seu colo. Este controlo é um reflexo da condição psicológica desta mulher divorciada, cujo ex-marido maltratava a filha, e que trabalha durante a noite para pagar as contas da sua casa. Se formos além, o problema central de “Jumbo” acaba por ser somente o facto de Jeanne não fazer as coisas como Margarette quer, caso contrário a mãe abandonará a filha. Parece ser mais fácil para Jeanne criar um sistema comunicativo coeso e ativo com uma máquina de gasolina como o carrossel, do que com a mãe que é uma pessoa de carne e osso. O carrossel tem um corpo astronómico, mas consegue equilibrar-se melhor do que Margarette, extremamente frágil, sem saber muito como agir perante a condição da filha.

Para Jeanne, os homens são traidores, cobardes e não são de confiança, como o seu pai ausente. Além disso, a própria Humanidade está sempre à procura de segundas intenções, ao contrário de Jumbo que vive apenas para os outros. Jumbo, essa alcunha que Jeanne dá ao seu amado objecto, não lhe controlará, nem será possuidor das suas sensações e emoções. Com Jumbo, Jeanne poderá entregar-se por completo ao seu amado. A comunicação com Jumbo é imediata e fácil, e Jeanne parece ser uma mulher com as mesmas capacidades da personagem de Amy Adams em “O Primeiro Encontro“(2016), de Dennis Villeneuve. Jeanne é quase uma nova figura do cinema queer numa sociedade cuja normativa impõe a que muitos cresçam com preconceito, sem ninguém que os entenda, porque são vistos como fora dos padrões da dita normalidade. Curiosamente, a descoberta de Jeanne na sua primeira relação sexual com Jumbo, parece ser um piscar de olhos às transformações de Tom Hardy e Topher Grace em Venom, esse inimigo do Homem-Aranha. Quer isto dizer, que o super-poder de Jeanne é a sua singular condição de ver e encontrar sentimentos num objeto aparentemente desprovido de qualquer vitalidade.

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Noémie Merlant em “Jumbo” (2020) © FEST

A complexidade desta história só dá certo, portanto, pela direção de fotografia de Thomas Buelens que aposta na intensidade das cores para mostrar a intimidade entre Jeanne e Jumbo (temos essencialmente um jogo cromático entre o vermelho, o verde e o azul, portanto o sistema de cores RGB, e os seus resultados mínimo e máximo, preto e branco). A acompanhá-lo está a banda-sonora de Thomas Roussel, que poderia ser comparada às bandas-sonoras de Hans Zimmer (compositor aclamado por “Interstellar”) ou de Trent Reznor e Atticus Ross (os compositores de “A Rede Social” e de “Em Parte Incerta”). O escapismo de Jeanne, é feito numa nova dimensão que transcende qualquer espaço e tempo.

Portanto, toda esta parte louca da trama de “Jumbo” mostra-nos como no cinema não há limites na criatividade, nem sequer restrições nas infinitas histórias de amor que podem ser contadas. O espectador não ficará completamente surpreendido com a relação entre uma mulher e um carrossel, afinal, Joaquin Phoenix já se havia apaixonado pela voz inteligente de um sistema operativo em “HER – Uma História de Amor”. A única diferença é que em “Jumbo”, o carrossel tem corpo, mas como não tem voz, comunica-se através das luzes de uma vanguarda tecnológica fora de série.

O mais surreal da história de “Jumbo” coloca-se em evidência nos seus créditos iniciais. Isto porque, por debaixo do surgimento do título, é colocada a expressão “baseada em factos verídicos“. Foi então que descobrimos que a cineasta Zoé Wittock investigou sobre esta condição, após ler um artigo num jornal que contava a história de Erika LaBrie, nome de casamento Erika La Tour Eiffel, que em 2007 casou-se com a famosa Torre Eiffel, na França. Tudo isto pode parecer estranho e certamente muitos espectadores rejeitarão a premissa de “Jumbo”, mas vale a pena descobri-la, afinal somos humanos, com todas as nossas particulares.

Abaixo, partilhamos contigo o documentário “Women that Are Attracted to Objects” do Only Human, que começa exatamente com a principal referência e inspiração da história de “Jumbo“, Erika La Tour Eiffel.

Em suma, com este seu “Jumbo“,  Zoé Wittock não está interessada em criticar o relacionamento entre mulher e objecto, mas capturar através do seu olhar mais documental e realista, todas as complexidades entre este laço.

Apesar de terminar quase em tom de brincadeira e de final feliz, sem explorar muito os dramas terríveis de quem vive com esta condição de objetofilia, “Jumbo” poderá efetivamente conduzir a várias sessões especiais e conferências que permitam refletir esta experiência amoroso-sensacional exposta do filme.

“Jumbo” é um dos filmes em destaque da 16ª edição do FEST – Novos Realizadores, Novo Cinema, com sessões em Espinho, no Porto e em Lisboa. Ainda não há data de lançamento nos circuitos comerciais deste filme que marca a estreia de Zoé Wittock. 

Jumbo, em análise
Jumbo

Movie title: Jumbo

Movie description: Jeanne é uma jovem rapariga muito tímida que trabalha no parque de diversões local. Vive sozinha com a sua mãe, apesar de passar grande parte do seu tempo num universo de fantasia. O seu fascínio por carrosséis assume proporções surreais, quando começa a desenvolver um interesse obsessivo por Jumbo, a principal atração do parque.

Director(s): Zoé Wittock

Actor(s): Noémie Merlant, Emmanuelle Bercot, Bastien Bouillon, Sam Louwyck

Genre: Ficção Científica, Romance

  • Virgílio Jesus - 70
70

Um resumo

Ousado e necessário, “Jumbo” permite ao espectador refletir sobre a objetofilia de uma forma natural, sem cair em jogos de psicologia barata e até quebrando algumas barreiras do ponto de vista cinematográfico.

O MELHOR: A banda-sonora com tons eletrizantes e a fotografia com as suas cores viscerais, faz com que a história de amor entre Jeanne e Jumbo seja tão ou mais transcendental que outros romances da sétima arte.

O PIOR: O elenco secundário fica bastante a desejar. O grande foco da trama é a experiência da personagem de Noémie Merlant, e a sua relação com a mãe, interpretada por Emmanuelle Bercot. Todas as outras personagens são bastante vagas em emoções e mostram-se todos “inimigos” da condição da protagonista.

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