Foto de Government of Japan, via Wikimedia Commons (CC-BY-4.0)

Festival de San Sebastián | Abertura, Homenagens e Memórias da ETA

O Festival de Cinema de San Sebastián abre amanhã, com ‘Kimitachi wa Do Ikiruka’ (‘O Menino e a Garça’), a sua nova animação de Hayao Miyazaki. Para a crítica começa com a projecção de ‘No me llame Ternera’, um polémico documentário-entrevista, com um líder histórico da ETA. Mas há mais homenagens (a Javier Bardem e Víctor Erice) e muitos mais filmes nas secções paralelas.

A nova fantasia animada do realizador japonês Hayao Miyazaki, intitulada ‘Kimitachi wa Do Ikiruka’ (‘O Menino e a Garça’) é o filme de abertura de amanhã — e uma homenagem ao realizador de 82 anos, que receberá o primeiro Prémio Donostia de Carreira — do 71º Festival de Cinema de San Sebastian, que decorrerá entre 22 e 30 de setembro. Contudo, a mostra basca, abre não sem também algumas polémicas e contrariedades, aliás já esperadas: em primeiro, a exibição em estreia de um documentário-entrevista com José Antonio Urrutikoetxea, um líder histórico da ETA, que já provocou bastante contestação e motivou um comunicado da organização do festival a justificar a presença deste filme na Selecção Oficial 2023, mas fora da competição; depois porque já se sabia, vai haver menos estrelas na passadeira vermelha do que é habitual, provocada pelas greves de Hollywood; incluído a ausência anunciada de Javier Bardem — solidário com os colegas do outro lado do Atlântico — que é aliás o rosto do lindíssimo cartaz desta 71ª edição e também um dos homenageados previstos. A entrega do Prémio, será adiada para a próxima edição de Festival.

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VÊ TRAILER DE ‘O MENINO E A GARÇA’

Entretanto, foi anunciado hoje que, a actriz e produtora norte-americana Jessica Chastain — protagonista de ‘Memory, de Michel Franco — e a intérprete e realizadora francesa Sandrine Bonnaire vão estar presentes, associando-se a outras vedetas já confirmadas como Juliette Binoche, Gabriel Byrne, François Cluzet, Emmanuelle Devos, Griffin Dunne, Aidan Gillen, Miles Heizer e Mads Mikkelsen. Em termos de homenagens o realizador basco Víctor Erice receberá mais um Prémio Donostia da 71ª edição do Festival de San Sebastián, que será entregue pela atriz Ana Torrent na sexta-feira, 29 de setembro, no Teatro Victoria Eugenia, onde será igualmente exibido seu último filme, ‘Cerrar los ojos’, estreado fora da competição do último Festival de Cannes, em maio passado. Há seis anos, o Festival inaugurou uma linha de Prémios Donostia, para homenagear cineastas cujo contributo para a arte cinematográfica é indiscutível, como Agnès Varda (2017), Hirokazu Kore-eda (2018), Costa-Gavras (2019) e David Cronenberg (2022).




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O SOL DO MARMELEIRO (1992) de Victor Erice | ©Films sans Frontières

PRÉMIOS CARREIRA: MIYAZAKI E ERICE

A sessão de gala da noite abre assim com a estreia europeia do muito aguardado ‘Kimitachi wa Do Ikiruka’ (‘O Menino e a Garça’), o mais recente filme de Hayao Miyazaki, depois da sua estreia mundial no Festival de Toronto. Aos 82 anos e com quinze longas-metragens, associadas aos seus famosos Ghibli Studios, localizados nos arredores de Tóquio, Miyazaki será homenageado com um Prémio Donostia de Carreira, que agradecerá a partir do Japão. Embora na sua imaginação, o realizador seja um grande apaixonado por aviões, recusa-se a voar. O cineasta de animação, tem um longo percurso, mas alcançou fama mundial com ‘A Viagem de Chihiro’, que ganhou o Urso de Ouro da Berlinale e o Óscar de Melhor Longa-Metragem de Animação em 2001. Antes disso dirigiu outras obras emblemáticas como ‘O Castelo no Céu’ (1986), ‘O Meu Vizinho Totoro’ (1988), ‘Porco Rosso – O Porquinho Voador’ (1992) e ‘Princesa Mononoke’ (1997), ‘O Castelo Andante’ (2004). Em 2014, recebeu um Óscar Honorário de Carreira. 

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VÊ TRAILER DE ‘CERRAR LOS OJOS’

Quanto a Víctor Erice (Karrantza, Bizkaia, 1940), receberá também quase em casa, mais um Prémio Donostia desta 71ª edição do Festival de San Sebastián. Este reconhecimento ao cineasta basco coincide com as comemorações dos 50 anos, da estreia de ‘O Espírito da Colmeia’, que venceu a Concha de Ouro de 1973. Este Prémio Honorário do Festival de San Sebastián em 2023, homenageia um cineasta que, com apenas quatro longas-metragens realizadas, tem na sua filmografia uma Concha de Prata de Melhor Realização, a referida Concha de Ouro de Melhor Filme e o Prémio do Júri e da Crítica Internacional no Festival de Cannes, entre muitos outros reconhecimentos. A carreira e obra de Víctor Erice sempre teve grande eco no Festival de San Sebastián. A sua  carreira como realizador, começou com a rodagem de um dos três episódios de ‘Los Challenges’, (1969) ao lado de José Luis Egea e Claudio Guerín. O filme esteve na Seleção Oficial de 1969 e recebeu a Concha de Prata de Melhor Realização. Quatro anos depois, com a sua primeira longa-metragem a ‘O Espírito da Colmeia’ (1973), foi reconhecido com a Concha de Ouro. ‘O Sol do Marmeleiro’, (1992) foi selecionado na secção Made in Spain, depois de receber o Prémio Internacional do Júri e da Crítica , nesse mesmo ano em Cannes. O seu segmento do filme colectivo ‘Ten Minutes Older: The Trumpet’, integrou a secção Zabaltegi, em 2002. Por fim, esta edição do Festival acolherá ‘Cerrar los ojos’, um filme sobre a memória concebido em torno de um filme inacabado e do misterioso desaparecimento de um ator, será exibido após a gala do Prémio Donostia, depois de ter passado em Cannes e Toronto. A atriz Ana Torrent, que se estreou em ‘O Espírito da Colmeia’, aos seis anos e voltou a trabalhar com Erice agora em ‘Cerrar los Ojos’, é quem fará a entrega da estatueta.




VÊ EXCERTO DA POLÉMICA NA RTVENoticias

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A SOMBRA DA ETA

Por último, a polémica, já que no sábado — a crítica terá oportunidade de vê-lo já amanha — será apresentado o filme ‘No me llame Ternera’, na verdade um documentário da dupla Jordi Évole e Màrius Sánchez com uma entrevista-confessional com José Antonio Urrutikoetxea, conhecido pelo nome de código Josu Ternera, um dos dirigente s históricos da ETA, a extinta organização armada independentista basca, responsável por mais de 850 mortes, em atentados. Cerca de cinco centenas de pessoas, entre familiares de vítimas ou pessoas ameaçadas pela organização, assinaram uma carta a solicitar a retirada do filme da Selecção Oficial, acusando-o de fazer ‘parte do processo de branqueamento do ETA e da trágica história terrorista no nosso país, transformada num relato justificatório e banalizante’. Porém José Luis Rebordinos, diretor do Festival de San Sebastián,  reagiu, recusando a exclusão, num comunicado divulgado à imprensa: ‘Acreditamos que o filme ‘No me llame Ternera’, primeiro tem que ser visto e só depois submetido às críticas, e não o contrário’. Também a dupla de realizadores em conjunto tomaram e defenderam a sua posição: ‘Fizemos este filme porque temos uma responsabilidade com a história do nosso país, que em parte está muito marcada pelo terrorismo da ETA’. O protagonista José Antonio Urrutikoetxea, tem 72 anos, foi, para aqueles que se recordam das imagens televisivas da altura, o dirigente que leu o comunicado anunciando o fim e a dissolução da ETA em maio de 2018. Urrutikoetxea, dirigiu a organização desde os finais dos anos 1970, até ser preso em França, em 1989.

JVM

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