80º Festival de Veneza | Uma Selecção Fura-Greves
A Selecção Oficial do 80º Festival de Cinema de Veneza, que vai realizar-se de 30 de Agosto a 9 de Setembro, inclui os novos filmes de Sofia Coppola, Polanski, David Fincher, Bradley Cooper, Woody Allen, Michael Mann, Wes Anderson, entre outros. As novidades são poucas em relação aos rumores, mas a greve de Hollywood não teve o impacto esperado.
Embora o 80º Festival de Cinema de Veneza tenha sido forçado há dias a retirar ‘Challengers’, de Luca Guadagino, protagonizado por Zendaya, — filme da abertura e da Competição — devido às questões promocionais da greve SAG-AFTRA, a programação quase completa do festival, foi anunciada ontem de manhã e abre com grandes expectativas. Felizmente, parece não ter sofrido um êxodo em massa de filmes de produção Hollywood. Assim, os novos filmes de realizadores como David Fincher, Sofia Coppola, Michael Mann, Bradley Cooper ou Wes Anderson, vão estrear com pompa e circunstância, no 80º Festival de Cinema de Veneza ao lado de uma excelente selecção de cineastas-autores europeus, latino-americanos e asiáticos, num sinal claro de que a paragem causada pelas duas greves trabalhistas em Hollywood vão, para já — e nada contra a greve, porque as razões são bastante justificadas— ter um impacto muito menor do que o esperado. E ainda bem, porque o poder do Festival do Lido de Veneza, como rampa de lançamento da temporada dos premiações da indústria promete quase sempre muito. Além de que, até ao momento, parece também, ter superado com grandes elencos, uma provável escassez de estrelas que estarão na passadeira vermelha para representar os filmes norte-americanos, embora nesse aspecto, ainda vamos ver o que poderá acontecer quando lá chegarmos e senão haverá um finca-pé dos artistas em sentido contrário.
‘A última semana foi um pouco turbulenta devido à greve dos actores que, combinada com a dos argumentistas, apanhou-nos um pouco de surpresa’, disse Alberto Barbera, o diretor artístico do Festival de Veneza, na introdução à conferência de imprensa realizada ontem de manhã: ‘Felizmente, o impacto da greve dos atores – cujas razões são amplamente compreensíveis – é muito modesto’, acrescentou, observando que o único filme que ‘perdemos’ foi efectivamente ‘Challengers’, uma vez que os produtores decidiram adiar a estreia para Abril de 2024. Barbera cautelosamente afirmou que, devido à greve, ‘os actores que são membros do SAG, que estão em produções de estúdio ou no streamer não comparecerão’ na passadeira vermelha. Contudo, tem grandes esperanças de que os ‘actores que estão em produções independentes [dos EUA] — e há vários desses filmes em Veneza 80 — já estarão a caminho’ do Lido.
Quanto à Selecção Oficial, de Veneza 80, espera-se de todo o melhor desta temporada. A Netflix, que tem já um relacionamento antigo com o Festival de Veneza, confirma-se que vai lançar para já, — a programação crê-se, não está completamente fechada — três filmes na competição. De origem norte-americana vão estrear, o thriller ‘The Killer’, de David Fincher, protagonizado por Michael Fassbender, no papel de um assassino de sangue-frio, que começa a desenvolver uma certa consciência moral, que o leva ao colapso emocional; o biopic de Leonard Bernstein, intitulado ‘Maestro’, realizado e protagonizado por Bradley Cooper. A plataforma de streaming vai ainda competir com o alegórico ‘El Conde’, do chileno Pablo Larrain, que retrata o ditador Augusto Pinochet como um vampiro, num filme com um elenco liderado pelo grande actor Alfredo Castro. A concurso por um Leão de Ouro, vão estar ainda ‘Origin’, de Ava DuVernay — um filme inspirado em ‘Caste: The Origins of Our Discontents’, de Isabel Wilkerson, vencedora do Prémio Pulitzer, um ensaio sobre o sistema de hierarquias que moldou a América como nação — e claro o muito aguardado ‘Priscilla’, de Sofia Coppola, mais um filme da A24 — a produtora americana da moda — baseado nas memórias de Priscilla Presley, publicadas em 1985 com o título ‘Elvis and Me’; o realizador Michael Mann concorrerá com um também muito aguardado drama de corridas de automóveis de Fórmula 1, ‘Ferrari’, com Adam Driver — depois de Gucci — a interpretar o personagem principal, de Enzo Ferrari, com Penélope Cruz como a sua esposa, Laura Ferrari. Também não é novidade que o mexicano Michel Franco, vai regressar com um filme ambientado em Nova Iorque, intitulado ‘Memory’, protagonizado por Jessica Chastain e Peter Sarsgaard, sobre o qual o argumento parece estar no maior dos segredos. Também na competição, vais estar ‘Evil Does Not Exist’, o novo filme do brilhante e prolífero realizador japonês Ryûsuke Hamaguchi, (‘Drive My Car’).
O grego Yorgos Lanthimos — de ‘A Favorita’, que também estreou em Veneza em 2018 — está em disputa igualmente com ‘Poor Things’, um romance surrealista de ficção científica protagonizado por Emma Stone e Mark Ruffalo. Há ainda um robusto contingente italiano de seis títulos na competição de Veneza 80 — não é para encher, já que foram selecionados antes da greve do SAG-AFTRA — que é liderado precisamente pelo filme que passou a semana passada a ser o de abertura do festival: ‘Comandante’, um ambicioso épico anti-guerra protagonizado pelo ator italiano Pierfrancesco Favino (‘Nostalgia’), no papel de um heróico oficial naval siciliano, durante a II Guerra Mundial. Depois, temos ainda o muito aguardado ‘Io Capitano’, de Matteo Garrone, sobre uma homérica jornada de dois jovens africanos que deixam Dakar para chegar à Europa; ‘Finalmente L’alba’, de Saverio Costanzo, protagonizado por Lily James, Joe Keery, Rachel Sennott e Willem Dafoe, um filme passado nos estúdios da Cinecittà, durante a década de 1950, quando as famosas instalações de filmagem eram conhecidas como a ‘Hollywood do Tibre’; e ainda e em mais um drama sobre a II Guerra Mundial, o filme ‘Lubo’, de Giorgio Diritti, protagonizado por Franz Rogowski (‘Passages’), ‘Enea’, uma segunda obra do actor/realizador Pietro Castellito, numa espécie de continuação da sua comédia de humor negro ‘Os Predadores’, que ganhou um prémio na secção Orizzonti de Veneza em 2020; a história de um crime ambientado em Roma é o tema de ‘Adagio’, de Stefano Sollima, um especialista do género, conhecido em Hollywood por ‘Sicário: Dia do Soldado’, ‘Sem Remorso’ e as famosas séries de televisão ‘Gomorra’ e ‘Suburra’. Da França, estrearão ‘Dogman’, de Luc Besson, — marca o regresso do francês, à realização, após ‘Lucy’, o seu filme de 2014 — protagonizado pela estrela e revelação australiana Caleb Landry Jones (‘Nitram’), novamente no papel de um jovem amargurado com a vida, que encontra a sua salvação no amor que tem por cães. Bertrand Bonello compete ao Leão de Ouro com um romance de ficção científica intitulado ‘La Bête’ protagonizado por Léa Seydoux, no papel de uma jovem atormentada, que decide purificar o seu DNA numa máquina, que a levará a uma jornada por uma série de vidas passadas. Stéphane Brizé regressa, não com um filme sobre o mundo do trabalho, mas muda de agulha, com um drama romântico, intitulado ‘Hors Saison’, protagonizado por Guillaume Canet e Alba Rohrwacher.
A veterana polaca Agnieszka Holland vai estrear ‘The Green Border’, um filme sobre a crise humanitária desencadeada pelo presidente bielorrusso Lukaschenko que, em 2021, abriu as fronteiras da Bielorrússia com a Polónia para os migrantes que esperavam chegar à Europa Ocidental. Também da Polónia, a dupla de realizadores Małgorzata Szumowska e Michał Englert (‘Never Gonna Snow Again’) estão na disputa ao Leão de Ouro com ‘Kobieta Z’…(ou ‘Woman of…’). Completando a competição de Veneza 80 estão um filme de época do realizador dinamarquês Nikolaj Arcel, intitulado ‘The Promised Land’, com Mads Mikkelsen, e o drama do cineasta-autor flamengo Fien Troch, intitulado ‘Holly’, um filme ambientado após um grande incêndio numa escola, durante o qual a sua protagonista feminina uma rapariga de 15 anos, começa a ser vista como uma salvadora pela comunidade em luto.
O cineasta norte-americano Damien Chazelle presidirá o júri do Concurso de Veneza 80, numa selecção onde estarão ainda muitos filmes e cineastas fora da competição e portanto que aproveitam esta montra, mas não são candidatos ao Leão de Ouro. É o caso de Wes Anderson que regressa num curto espaço de tempo, com uma curta-metragem, uma comédia de cerca de 39 minutos, intitulada ‘The Wonderful Story of Henry Sugar’, — um filme que marca igualmente o primeiro original para a Netflix deste realizador — a obra é baseada num conto do agora polémico escritor britânico Roald Dahl, protagonizada por Benedict Cumberbatch, Ralph Fiennes, Dev Patel e Ben Kingsley. Nesta fortíssima seleção fora da competição estarão também ‘The Caine Mutiny Court Martial’, um poderoso drama da corte marcial de William Friedkin, protagonizado por Kiefer Sutherland. Friedkin também estará no Lido para a anunciada exibição de uma cópia remasterizada de ‘O Exorcista’ em comemoração do 50º aniversário deste filme de culto.
Também dois outros realizadores veteranos, mais ou menos da geração de Friedkin, ambos polémicos, — apesar das alegações de abuso sexual em torno deles, ambos têm uma forte base de fãs na Itália e na Europa em geral — apresentarão os seus novos filmes nesta secção: uma comédia de humor negro de Roman Polanski, intitulada ‘The Palace’, ambientada num luxuoso hotel, ou melhor num resort de Gstaad, nos Alpes suíços, na véspera do novo milénio, com, entre outros, o ‘nosso’ Joaquim de Almeida; e o thriller romântico de Woody Allen, ‘Coup De Chance’, todo rodado em França. E ainda vão estrear nesta secção, que por si só completa um verdadeiro festival,— vai ser muito difícil acompanhar tudo — o novo filme de Harmony Korine, intitulado ‘Aggro Dr1ft’, com o espanhol Jordi Molla e o rapper norte-americano Travis Scott e ‘Hit Man’, de Richard Linklater. Os destaques da Competição Orizzonti, a segunda em termos de importância vão para ‘Behind the Mountains’, do cineasta tunisino Mohamed Ben Attia, com Majd Mastoura, protagonista de ‘Hedi’, o drama de estreia deste realizador; ‘The Featherweight’, do realizador norte-americano Robert Kolodny, sobre Willie Pep, um lendário pugilista peso-pluma de meados do século 20, produzido pela Appian Way de Leonardo DiCaprio; e ‘Shadow of Fire’, o novo trabalho do realizador de culto japonês Shinya Tsukamoto. Na secção Orizzonti Extra, dedicada a filmes mais excêntricos, de todos os géneros, que são julgados pelo público — Veneza é também um festival de público — , inclui mais um drama de boxe de Jack Huston, intitulado ‘Day of the Fight’, com Michael Pitt; o thriller romântico de Olmo Schnabel, intitulado ‘Pet Shop Boys’; e ‘In the Land of Saints and Sinners’, um thriller de Robert Lorenz ambientado numa remota vila irlandesa, protagonizado por Liam Neeson e Kerry Condon. Fora da competição de Veneza 80 e como filme de encerramento vai estar ‘Society of the Snow’, do realizador espanhol J.A. Bayona, um thriller de sobrevivência após uma acidente de avião numas montanhas nevadas. Lá estaremos dia 30 de Agosto para acompanhar o dia-a-dia de Veneza 80!
JVM