Displaced, de Samir Karahoda | via IndieLisboa

19º IndieLisboa | Crónicas Curtas #3

A Competição Internacional de Curtas do IndieLisboa trouxe muitas novidades, entre eles as curtas-metragens que aqui analisamos!

INDIELISBOA 2022 – CRÓNICAS CURTAS #3

Prometi um olhar particular sobre a programação de curtas-metragens no INDIELISBOA e aqui estou a cumprir a missão com a abordagem crítica da última sessão da COMPETIÇÃO INTERNACIONAL CURTAS, a sétima, (CI 7, Sexta 6, pelas 19:15, Pequeno Auditório da CULTURGEST) no que espero seja um incentivo para os espectadores que desejem saber um pouco mais dos valores que a programação defende e sustenta nesta área da produção cinematográfica.

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Displaced IndieLisboa
Displaced, de Samir Karahoda | via IndieLisboa

DISPLACED, 2021, Samir Karahoda (Kosovo): Logo de início damos de caras com a preparação de uma equipa de Ténis de Mesa realizada num espaço exíguo, na verdade uma garagem, sem grandes condições mas provavelmente mais do que suficiente para a prática daquele vibrante desporto num país com visíveis carências económicas. Mas, mesmo que as condições nos pareçam precárias, ficaremos a saber rapidamente que nem essas serão dispensadas aos jogadores kosovares da modalidade. Dilema dos países que habitualmente não levam as coisas a sério, como se diz logo a seguir, um “deserto” onde não se encontra água (uma força de expressão) ou condições para ser quem queremos ser, ou podíamos ser, se fosse possível sonhar mais alto do que a mais baixa montanha perfilada ao longe no horizonte. Mas o que vale são os homens com H grande que por lá andam e que oferecem salões de festas sem festas para substituir as quatro paredes do mitigado espaço anterior. E viva a solidariedade! De repente, passaram do oito ao oitenta. Melhor não podia ser. Mas nada disto vai alterar a situação, e o restante filme dedica os seus derradeiros minutos a fazer o retrato de uma equipa que espera obter os mínimos para ir aos Jogos Olímpicos, por mais difícil que isso seja. Não estamos perante um filme menor, mas sim diante de um pedaço de cinema feito com alma a que só falta um pouco mais de chama e um argumento que, em vez do legítimo mas estafado depoimento político e social, sublinhasse a visão desencantada de uma realidade humana na sua vertente nua e crua. Pontuação: 50

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Some Kind of Intimacy IndieLisboa
Some Kind of Intimacy, de Toby Bull | via IndieLisboa

SOME KIND OF INTIMACY, 2021, Toby Bull, (Reino Unido-França): Dirigido e fotografado pelo autor, o pequeno filme dá-nos a ver imagens de um grupo de ovelhas e ainda de um carneiro, particularmente activo no uso dos retorcidos cornos contra um arbusto ao ponto de se excitar (sim, o respectivo plano e a sua duração dão-nos conta da “natureza” erecta do animal). Este mini-rebanho passeia por cima daquilo que podemos deduzir ser um local onde estão enterrados os pais de dois rapazes interlocutores de que só ouvimos as vozes em off. E o que eles dizem e a forma como o dizem, assim como a percepção da situação a partir da leitura objectiva e subjectiva das imagens e dos sons, que alimenta a própria noção dos bichos poderem estar a pisar as campas dos falecidos numa espécie de desequilíbrio cósmico fruto de medos e inquietações, gera uma sensação algo estranha no espectador. Só isso dá a este filme algum sentido de exercício áudio e visual. Pontuação: 50

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Dog's field IndieLisboa
Dog’s field, de Michalina Musialik | via IndieLisboa

DOG’S FIELD, 2020, Michalina Musialik (Polónia): Imaginem um filme feito sob a forma de esboços de carvão sobre papel. Depois o melhor será preferir a descrição sinóptica proposta pela produção e avançar com a ideia de que iremos ver como, a partir de um dado específico, se pode manter a expectativa em relação aos acontecimentos (que o autor designa por consequências) de um drama doméstico que deixa dois cães, um passarinho e um gato sem dona para os cuidar, provocando assim uma luta entre “o coração e o instinto”. Dirão, não me digas mais, já sei o que acontece a seguir. Já se ouviram relatos macabros sobre situações semelhantes e não eram histórias de ficção. Mas o que parecia mais ou menos previsível acaba de forma muito engenhosa por sugerir que até num mundo cão, onde a sobrevivência fala mais alto, pode existir um resquício das memórias de com quem partilhámos experiências comuns, sentimentos irracionais que não obstante humanizam os comportamentos, mesmo os que consideramos “caninos”. Do ponto vista gráfico, o movimento dos animais e a forma como o animador preenche o espaço branco sujo onde desenha as suas personagens, superfície delimitada pelo enquadramento mas animada num perpétuo movimento, aqui e além pontuado por apontamentos vincadamente expressivos do habitual comportamento de cães e gatos em stress, constitui um dos principais motivos de interesse desta curta, moldada por um look simultaneamente moderno e clássico. Pontuação: 60

Intermezzo IndieLisboa
Intermezzo, de Kim Lêa Sakkal | via IndieLisboa
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Por fim, INTERMEZZO, 2021, Kim Lêa Sakkal (Alemanha): Uma mulher ainda jovem chega a uma casa e descobre que não tem a chave para poder entrar. Bate à porta de uma vizinha que se desfaz em lágrimas, dando-lhe as condolências, e nessa altura percebemos que alguém foi desta para melhor (uma expressão curiosa que, fora dum contexto místico ou religioso, nunca percebi. Porquê melhor?). Entretanto, claro que a vizinha não sabia nada de chaves. Frustrada, volta para a casa fechada, mas dá de caras com uma janela arrombada e um som particularmente irritante de uma musiqueta infantil com origem num gira-discos, que felizmente desliga logo que salta para o interior. Só que um mal nunca vem só, e lá dentro encontra um rapaz muito irrequieto que pela maneira de ser podia ser catalogado como um verdadeiro imbecil. E aqui começa de facto esta ficção que vai colocar frente a frente estes dois gémeos na casa da avó, na missão sempre complicada de resolver o destino dos bens após a morte desta. Daqui em diante, em vez de uma harmonia fraternal, o que vemos são sucessivas sequências em que as provocações do rapaz se misturam com momentos nostálgicos vividos pela rapariga. Pouco a pouco veremos o despertar de rivalidades antigas entre os irmãos, naturalmente por uma ou outra futilidade, mas igualmente o despertar de afectos que os aproximam, numa insinuação que não consegue dissimular uma relação algo incestuosa de corpos e sentimentos. Do início fica a memória, cada vez mais distante, de que nada parece encaixar entre ambos, e passo a passo somos levados a crer que uma revelação maior ainda está para vir. E ela diz que está grávida. Há ainda uma desnecessária sequência num bar, onde está um casal de antigas amizades, um conjunto musical e uma menina com voz de anjo. Neste ambiente o rapaz até parece agora mais calmo e seguro de si, e a redenção final faz-se com os irmãos protagonistas desta ficção a arrombar a porta por dentro, coisa óbvia e que só peca por vir no fim. Pontuação, a premiar a realização que se mostra segura: 60

Para o ano há mais…!

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