‘La Caja – A Caixa’ ©Leopardo Filmes

‘La Caja – A Caixa’, em análise

‘La Caja – A Caixa’ (2021), do venezuelano Lorenzo Vigas, um retrato cru da orfandade na América Latina, estreia finalmente nas salas. Vencedor do Leão de Ouro de Veneza em 2015 com ‘Desde allá’, propõe-nos agora neste seu novo filme, uma nova descida aos infernos, com um extraordinário retrato de um miúdo determinado, à procura do pai.

Com a estreia de ‘La Caja – A Caixa’ (2021), o venezuelano Lorenzo Vigas já não era um desconhecido dos circuitos internacionais de festivais — creio que em Portugal, infelizmente estreou-se só no IndieLisboa 2016 — nem das salas de cinema europeias e independentes: foi o vencedor-surpresa do Leão de Ouro do Festival de Veneza em 2015, com ‘Desde allà’, a sua primeira longa-metragem, um filme sobre uma atormentada relação entre um homem abastado de meia-idade e um adolescente líder de um gangue criminoso em Caracas. Formado em biologia — era o seu curso, antes de voar da Venezuela para Nova Iorque, levado pela paixão pelo cinema — consegui de um momento para o outro, entrar no clube restrito dos mais consagrados realizadores da América Latina e colocar-se a par de dois dos ‘três amigos mexicanos’: Guillermo Del Toro (‘A Forma da Água’, 2017) e Alfonso Cuarón (‘Roma’, 2018), (o outro é Alejandro González Iñárritu) vencedores também do Leão de Ouro de Veneza. ‘La Caja – A Caixa’, conclui uma trilogia de Lorenzo Vigas, sobre o tema da paternidade, iniciada com a curta-metragem ‘Los Elefantes Nunca Olvidan’ e que teve seguimento precisamente com o filme anterior o premiado ‘Desde Allá’.

A Caixa
A dupla Hatzin Oscar Navarrete e Hernán Mendoza. ©Leopardo Filmes

Depois disso, Vigas esteve 6 anos sem realizar um filme — sentiu talvez necessidade de fazer um outro, que correspondesse às elevadas expectativas que criou — e regressou o ano passado à Competição de Veneza, com este ‘La Caja – A Caixa’ (2021), um drama familiar, onde se sobrepõem novamente a violência e o abandono infantil, agora sem o factor delinquência. ‘La Caja – A Caixa’, é um daqueles filmes que não costumam na verdade, serem muito vistos, terem muitos espectadores e por isso merece este destaque pela sua particularidade e originalidade. Quem o tiver a iniciativa de ir ao cinema vê-lo, tenho a certeza de que não se vai arrepender! Aviso, tem um ritmo lento, os seus planos convidam-nos à reflexão e à observação; os diálogos, entre os personagens são reduzidos ao estritamente necessário, embora contenham uma ou outra cena, em que as conversas são importantes para a evolução da história. Às vezes os silêncios valem ouro e vale mais uma imagem do que mil palavras! O filme, conta a história de Hatzin, um rapazinho da Cidade do México, que embarca numa jornada para recuperar os restos mortais do seu pai, supostamente encontrados numa vala comum, no norte industrial do México e assim trazê-los de volta, numa caixa de volta a casa da velha avó com quem tem sido criado. Porém, Hatzin antes do regresso, e com a caixa debaixo do braço, perde-se nos céus imensos e nas paisagens vazias e desertas, até que num encontro casual, com um homem, que lhe parece, com impressionantes semelhanças com seu pai, leva-o a ficar e a questioná-lo e questionar-se ele próprio, nessa sua busca da paternidade biológica, da verdade e sobretudo da autenticidade desses restos mortais. A mal ou a bem e sem ir muito longe no desfecho, o rapaz acabará por ser absorvido pela parte mais vulnerável e exploradora, da indústria migrante do México.

VÊ TRAILER DE ‘LA CAJA — A CAIXA’

A forma de narrar a história deste órfão é efectivamente mais visual e menos preenchida ao nível da palavra. O discurso é lento, porque as imagens são silenciosas e instigam mais à observação, do que à acção-reacção. A capacidade de realização Lorenzo Vigas de fazer bons filmes é inegável, quanto mais não seja e veremos, pela forma, como escolhe os seus protagonistas. Talvez falte a este filme, apenas um pouco mais de ritmo e dinâmica. Sobretudo, para o espectador, menos habituado a este tipo de narrativa observacional. Pode até desligar-se um pouco do ecrã; por outro lado, torna-se igualmente difícil, não nos deixarmos envolver por esta trama sensível e tocante e quanto mais não seja pela imediata empatia pelo jovem protagonista e a sua natural obsessão: saber a verdade e querer o seu pai de volta.

A Caixa
O filme passa-se nas planícies desertas do norte do México. ©Leopardo Filmes

É de facto impressionante ver o jovem Hatzin Oscar Navarrete, que não tendo qualquer experiência no cinema, proporcionar-nos uma interpretação de nos deixar sem palavras. Hatzin encarna na perfeição a alma amargurada do seu personagem, dando-lhe ao mesmo tempo uma vida e um coração enormes. Hernán Mendoza — que interpreta o suposto pai e vimo-lo em ‘Depois de Lúcia’ (2012), de Michel Franco, que é o produtor deste filme — é igualmente notável na sua representação de um homem rude, insensível e hostil. Se simpatizamos logo com o miúdo, vamos de imediato odiar este personagem. E este é o melhor elogio, que se pode dar a um actor experiente como Mendoza, embora praticamente desconhecido, das audiências internacionais.

A Caixa
É impossível não odiar o homem e adorar Hatzin, o miúdo. ©Leopardo Filmes

Há um momento do filme absolutamente memorável, um dos poucos com um diálogo mais alargado, entre os dois protagonistas e em que se fala de mentiras. São absolutamente surpreendentes as respostas e a atitude do rapazinho. Contudo, as conversas e situações que interessam mais ao espectador são talvez um pouco sacrificadas e minimalistas, em prol desse excesso de silêncios e perfeccionismo do realizador. Porém, nas não podemos de todo alhearmos-nos do contexto do filme, desta abordagem observacional e sociológica e da sua poderosa mensagem de denúncia de um sistema de grandes desigualdades e miséria, que funciona há décadas nesse continente. No México, aliás, como no resto da América Latina existe um número incalculável de famílias desmembradas, para as quais a ausência da figura paterna é considerada quase uma realidade normal. As questões das falsas identidades, pais e pessoas desaparecidas, crianças abandonadas, estão intimamente ligadas a uma realidade que está muito marcada pela pobreza, fugas por dívidas, delinquência, exploração laboral, violência das milícias e tráfico de droga. As ditaduras e os regimes políticos de praticamente todos os países da América Latina estão associadas a fenómenos como o ‘peronismo’ ou ‘chavismo’ — e agora o ‘bolsonarismo’/‘obradorismo’ — que têm deixado ao longo de muitos anos uma marcas sociais, políticas e humana, muito profundas. Instituições como as igrejas ou a ascensão dos extremismo de esquerda ou direita, têm proporcionam o aparecimento dessas figuras do líder-pai-salvador, que prometem, mas nada fazem para melhorar as condições de vida das populações.

JVM

La Caja – A Caixa, em análise

Movie title: La Caja

Movie description: ‘La Caja – A Caixa’, conta a história de um jovem mexicano, numa missão para recolher o que acredita ser os restos mortais do seu pai. Este jovem acabará absorvido pela parte mais vulnerável da indústria migrante no México e ficar com dúvidas em relação aos restos mortais que carrega.

Date published: 2 de June de 2022

Country: México, EUA 2021

Duration: 90 minutos

Director(s): Lorenzo Vigas

Actor(s): Elián Gonzalez, Hatzín Navarrete, Hernán Mendoza

Genre: Ficção, Drama

[ More ]

  • José Vieira Mendes - 75
75

CONCLUSÃO

‘La Caja – A Caixa’ (2021), do venezuelano Lorenzo Vigas volta ao tema da paternidade ausente, das lacunas emocionais, tragédias familiares e desfuncionais, aqui de uma forma muito mais óbvia, com a história de um rapazinho, que carrega uma enorme caixa que funciona como caixão e que, manifesta o peso da ausência e dá nome a este filme, muito interessante e tocante. A proposta é extremamente original e o visual do filme é fabuloso, apesar de um pouco lento e ritmado. É também um poderoso retrato sociológico e antropológico de todo um continente marcado pela violência, abandono,  miséria, imigração e exploração do homem pelo homem.

Pros

A evolução do percurso do miúdo Hatzin como empática personagem principal, a sua interpretação e a do outro odioso protagonista.

Cons

Um ritmo é talvez um pouco lento e com poucos diálogos que podem dar origem a que o espectador se desligue um pouco e não aprecie o filme na sua totalidade.

Sending
User Review
4 (1 vote)
Comments Rating 0 (0 reviews)

Leave a Reply

Sending