'Puan'© Via Festival de San Sebastián

‘La Prática’ e ‘Puan’: Os Bons Ares do Cinema Argentino Chegaram a San Sebastian

O cinema argentino é um dos protagonistas deste Festival de San Sebastián 2023, com dois candidatos à Concha de Ouro: ‘La Prática’, de Martin Rejtman e ‘Puan’, de María Alché e Benjamín Naishtat, duas comédias inteligentes e originais, que mostram quanto é possível fazer cinema sério e fazer rir os espectadores.  

O cinema argentino é um dos grandes protagonistas desta edição do Festival de San Sebastián 2023. São cerca de vinte projetos na programação, incluindo estes ‘La Prática’, de Martin Rejtman e ‘Puan’, da dupla María Alché e Benjamín Naishtat, — ambos na disputa pela Concha de Ouro. Igualmente , quase metade da seção Horizontes Latinos, está ocupada por filmes da Argentina. Em relação a ‘La Prática’, de Martín Rejtman, — que tem também co-produção portuguesa com a Rosa Filmes de Joaquim Sapinho — é uma estranha e divertida mistura dos filmes de Woody Allen, Éric Rohmer, Aki Kaurismäki, mas curiosamente também se encontra uma certa familiaridade com os filmes dos portugueses Miguel Gomes ou João Nicolau.

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‘La Prática’, de Martin Rejtman. © Via Festival de San Sebastián.




Este novo filme de Martín Rejtman (‘Rapado’), um realizador que há muito que corre os circuitos dos festivais internacionais — já teve direito a uma retrospectiva na Cinemateca Portuguesa, no âmbito do AR-Festival de Cinema Argentino 2018 — assenta sobretudo no tom lacónico dos seus diálogos e no comportamento pouco reactivo do seu protagonista, um professor de ioga em vias de uma separação conjugal, que fica de tal maneira desorientado que não sabe como reagir e só se lesiona. Contudo, ’A Prática’ é um filme que acaba por encontrar um estilo muito próprio sóbrio e eficaz, graças ao uso peculiar de sistemáticas elipses, de uma dicção quase amadora dos actores nos diálogos e de uma encenação radicalmente despojada de qualquer sofisticação ou componente psicológica.

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Os personagens agem quase todos por impulsos do momento. Este conjunto de factores é sem dúvida o responsável pela ‘estranheza’ cómica e exemplarmente seca, deste filme despretensioso e muito ‘cool’, uma das propostas mais originais, das que até agora foram apresentadas a concurso. Até pelo tema do ioga e dos retiros (retreats), como pano de fundo. Porém, acaba por tornar-se igualmente num cativante retrato de um perdedor, de um solitário, que se refugia na metafísica vegetariana e orientalista, para exorcizar a sua pouca sorte com as mulheres, mesmo quando algumas delas, sobretudo as suas alunas, estão atraídas por ele. As imagens limpas e simples do filme, até na relação do protagonista com a natureza, são também um convite à empatia. Esta proposta proporciona-nos uma certa ternura e identificação, com o protagonista, que apesar de toda a sua falta de jeito e de reação, acaba por ser uma personalidade bondosa e inspiradora que nos atraí.

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É também a falta de jeito cria igualmente a empatia que sentimos por Marcelo, (Marcelo Subiotto), a personagem principal de ‘Puan’, de María Alché e Benjamín Naishtat, o outro filme argentino que está a concurso. Marcelo é um professor universitário de 50 anos, que dedicou a sua vida ao ensino da Filosofia Política, na Universidade Pública de Buenos Aires, quando de repente morre o seu Catedrático Eduardo Casellio, seu mentor há muito tempo. Desorientado neste novo cenário académico, Marcelo assume que vai naturalmente herdar o cargo deixado vago pelo seu chefe. Só que, não esperava que Rafael Sujarchuk (interpretado pela já grande estrela internacional Leonardo Sbaraglia), um carismático e pedante filósofo, formado entretanto, nas melhores universidades europeias, também cobice o cargo. Entre as correrias, para os seus múltiplos empregos, como professor de filosofia, nas comunidades locais, na universidade e em aulas particulares na casa de uma milionária de 80 anos, isto para ganhar mais algum dinheiro  extra — os professores são desclassificados e mal-pagos em todo o mundo — Marcelo tem de se preparar, para concorrer a esse cargo público de eleição, contra um forte adversário, que parece de repente ter todos do seu lado.

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‘Puan’. © Via Festival de San Sebastián




Os desajeitados esforços de Marcelo, não parecem ser suficientes, para conseguir esse ambicionado lugar, que ache que merece, para seguir a tradição. Brilhantemente interpretado por Marcelo Subiotto, e pelos restantes actores, este filme notável e divertido, traça um brilhante retrato da universidade pública, das clássicas rivalidades e egos, que entram em jogo quando se trata de conquistar um cargo de influência. Neste caso uma cátedra universitária e as consequências que isso pode ter nos alunos, nas suas ideias e no futuro político do País. Porém, o filme vai muito para além disso, ao fazer uma interessante radiografia e uma reflexão sobre o pensamento e a alma do povo da América Latina — será que tal como o pensamento Europeu, não existirá um pensamento Latino-Americano? — feita aqui de estereótipos, militância e resistência política contra a repressão. As veias abertas da América Latina, estão todas na letra, da libertadora canção final que Marcelo, canta para a comunidade equatoriana de La Paz, onde vai dar uma conferência.

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‘Puan’ com Marcelo Subiotto e Leonardo Sbaraglia © Via Festival de San Sebastián.




‘Puan’, é o nome da estação de metro, mais próxima desta secção de Letras da UBA, um símbolo ainda hoje de luta, resistência e contestação estudantil e o título deste filme inteligente e oportuno, dirigido por María Alché e Benjamín Naishtat, filme que entretanto foi já indicado para concorrer aos Platino Awards, do Cinema Ibero-Americano 2024. Benjamín Naishtat, é um cineasta ainda jovem, de 37 anos, que já ganhou a Concha de Prata de Melhor Realizador no Festival de Cinema de San Sebastián em 2018, com o seu filme Rojo’, uma obra política, sobre o período que  exactamente, antecedeu a ditadura militar argentina, de 1976-1983. Quanto a María Alché, embora tenha dado os primeiros passos no mundo do cinema como atriz, consolidou a sua carreira como realizadora. O seu notável papel em ‘A Menina Santa’, de Lucrecia Martel em 2004 é ainda hoje é lembrado, passados 19 anos. Depois dirigiu ‘Família Submergida’ (2018), a sua primeira longa-metragem, com a sua  parceira no cinema Mercedes Morán, — também actriz de ‘A Menina Santa’ — depois de ter realizado várias curtas-metragens. 

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JVM, em San Sebastián

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