LEFFEST’22 | The Whale, em análise
“The Whale” é a mais recente incursão no campo da realização por parte de Darren Aronofsky, um dos mais transgressores realizadores dentro do campo do cinema ‘mainstream’ norte-americano. Tal título é honrado através desta obra?
“The Whale”, que só chegará às salas de cinema portuguesas a 2 de março de 2023 (mesmo a tempo do mês dos Óscares, que se realizam no dia 12) com distribuição a cargo da NOS Audiovisuais, teve direito a ante-estreia ainda em 2022 no âmbito da mais recente edição do LEFFEST (10-20 NOV).
Esta é a primeira longa-metragem que Aronofsky realiza desde o seu imensamente divisivo “Mother!”, protagonizado por uma magistral Jennifer Lawrence num papel em que o profundo do seu ser se vê transformado, dos seus gestos ao seu tom de voz.
Ora, “Mãe!” não fora nada senão divisivo, quer junto da crítica, quer junto do grande público. Quando chegou a hora da temporada de prémios, a audaz subversão presente na longa-metragem viu-se “recompensada” com nomeações a Razzies e não a Óscares, refletindo a reação visceral que este filme teve em muitas pessoas.
Tentando encapsular mil e uma temáticas fraturantes, “Mother!” nunca se tornou coeso e dependeu talvez, um pouco demais, do valor choque. Todavia, ninguém lhe tira a capacidade de provocar uma reação e de convidar à reflexão. São muitas as leituras, os caminhos, e as desesperantes noites em claro que poderíamos passar a pensar sobre esta obra única.
Com “A Baleia”, volvidos 5 anos desde o terramoto de “Mother!”, Darren Aronofsky adapta “The Whale”, peça da autoria de Samuel D.Hunter, e conta a sua história mantendo o espírito de palco de teatro ao fazer a tradução para o grande ecrã.
Tendo em conta o argumento, a história de um homem obeso mórbido que não deixa o seu apartamento, por inércia, depressão mas também por incapacidade física, esse registo sem dúvida justifica-se. Encontramo-nos num cenário triste e opressor, um pequeno apartamento que se afirma como o mundo inteiro da personagem central.
O nosso herói improvável é Charlie (Brendan Fraser, longe dos seus dias de galã mas a mostrar uma nova versatilidade e capacidade dramática), um homem com mais de 200 quilos que vive num apartamento degradado, dá aulas online sem nunca ousar ligar a sua câmara, e passa os seus dias a comer (como nítida compulsão) e, de certa forma, a aguardar a morte.
Uma perda traumática no seu passado, a do seu namorado, da qual nunca recuperou, assim o “condenaram” a um marasmo de arrependimento e culpa. Todavia, a beleza não deixa de existir na vida de Charlie, que apesar da sua frágil condição não deixa de ser um homem interessante, culto, e bem-disposto.
Várias personagens dinâmicas vão entrando e saindo de cena (exatamente como numa peça de teatro, entrando sempre pelo mesmo canto do enquadramento): Liz (Hong Chau), a sua amiga enfermeira, que tudo fará para ajudar a salvá-lo; Thomas (Ty Simpkins), um jovem missionário mórmon que, de forma muito desajeitada, procura também melhorar a vida de Charlie, e ainda Ellie (Sadie Sink), a revoltada filha adolescente de Charlie, a mais marcante personagem secundária, de quem Charlie se procura despedir nesta fase final da sua vida.
Resoluto em não se salvar, grande parte do filme medita em relação a uma possível redenção espiritual a ser (ou não) encontrada. Na reta final, sem entrar em detalhes de enredo, parece-nos sem dúvida que a veia do “espírito acima de matéria” acaba por prevalecer de forma pouco subtil, tomando conta do desenlace emocional.
“The Whale” é convidativo, extremamente humano, emocionante. Todavia, é também pautado por um incómodo e insistente melodrama que ameaça tudo engolir. A principal motivação de Charlie, antes de partir, é conhecer melhor a sua filha Ellie e garantir de que esta forma relações humanas saudáveis e baseadas na partilha e empatia.
Tal missão revela-se difícil, tendo em conta a revolta que fervilha. As interações entre Fraser e Sink são bastante valorosas, com os dois atores a exibirem uma notável entrega emocional. Ainda assim, tal não é suficiente e o argumento de “The Whale” fraqueja.
Destaca-se, em primeiro plano, a gritante falta de subtileza. Nomeadamente, “Moby Dick” está sempre a vir à baila e o nosso protagonista é comparado à baleia vezes e vezes sem conta. A metáfora é simples, directa e… repetida ad nauseam.
E por muito que as emoções do filme tenham validade e ocasionalmente até beleza, um clima tão melodramático, que nos grita a “mensagem” da obra ao invés de a deixar transparecer, depressa nos deixa com uma sensação de notório cansaço. É precisamente isso que aqui acontece.
Outro problema com a estrutura narrativa de “The Whale”, que afinal se parece basear numa peça com um texto base que deixa bastante a desejar, é a backstory mal contada. Passo a explicar: o passado de Charlie é a chave para o seu presente e para a sua condição.
Quando finalmente nos são revelados os detalhes acerca do trauma que condiciona o seu passado, presente e futuro, eis que a falta de especificidade e contexto nos deixa em suspenso. A história de “A Baleia” é frustrante, por estar mais ocupada com gratificação emocional e espiritual do que com a criação de um universo verdadeiramente detalhado. A frustração apenas aumenta quando percebemos que a emoção é mesmo a força (praticamente a única) que motiva o filme.
A questão das expectativas também não deve ser posta de lado: “The Whale” não é um mau filme formulaico sobre emoções humanas, resiliência, perda e trauma – é até razoável. Contudo, uma pergunta persiste e recusa a dissipar-se: Onde está o arrojado Aronofsky ?
Onde está o Darren Aronofsky dos dramas quase psicadélicos, nos quais mulheres elegantes personificam o mito do Cisne Negro (“Black Swan”), onde bebés são cruelmente despedaçados (“Mother!”), ou onde contactamos com a mais desoladora face do vício (“Requiem For a Dream – A Vida Não é Um Sonho”)?
Aquele Aronofsky que recordamos com mais carinho e louvor, o que filmou cenas visualmente impactantes e emocionalmente devastadoras, não parece ter estado para lá de inspirado ao assinar este “The Whale”, um filme que exige a lágrima fácil mas que não ousa oferecer assim tanto em troca.
Presos num apartamento decrépito e sem cenários deslumbrantes (como os “The Fountain”, por exemplo) e sem os habituais elementos fantasiosos, tudo o que nos resta é a espiritualidade. Não é suficiente, não para quem espera uma experiência impactante edificada pelo realizador nova-iorquino.
TRAILER| THE WHALE ASSINALA O ‘REGRESSO’ DE BRENDAN FRASER
The Whale, em análise
Movie title: The Whale
Movie description: The Whale é a história de Charlie [Brendan Fraser numa interpretação inesquecível e comovente], um professor de inglês que vive fechado em casa devido à sua condição de obesidade mórbida, e que, numa tentativa de redenção, tenta reaproximar-se da sua filha adolescente.
Date published: 20 de November de 2022
Country: EUA
Duration: 117'
Author: Samuel D. Hunter
Director(s): Darren Aronofsky
Actor(s): Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau
Genre: Comédia Negra, Drama,
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Maggie Silva - 64
CONCLUSÃO
“The Whale” é convidativo, extremamente humano e emocionante. Por outro lado, o melodrama é incomodativo e insiste em tudo consumir. A marca autoral de Aronofsky vê-se muito diluída e o sentimentalismo vence.
Pros
- As prestações centrais de Brendan Fraser, Hong Chau, da jovem Sadie Sink, e ainda a pequena mas marcante presença de Samantha Morton;
- A criação de um cenário extremo e que habitualmente obtém pouca atenção por parte dos media (pessoas com mobilidade reduzida devido à obesidade mórbida);
- A construção de personagem que vê além do cliché e dos retratos simplistas.
Cons
- A prisão em que nos encontramos: sim, o mundo vê-se reduzido ao mundo habitado pelo protagonista, mas as grandes potencialidades da máquina do cinema não são exploradas, a mundanidade reina (tal como os lugares-comuns);
- Aronofsky pouco reconhecível, não tanto no que diz respeito a temáticas, mas acima de tudo no campo da execução – tudo é “académico” e pouco inventivo.