” White Noise”, a mais recente longa-metragem realizada e escrita por Noah Baumbach, tem por base o romance do mesmo nome da autoria de Don DeLillo, e chega às salas de cinema e posteriormente à Netflix já no próximo mês de dezembro.
Classificável como uma comédia negra, um drama existencial, um filme de terror e até, por vezes, uma longa com toques de filme noir, “White Noise” apresenta-se como uma amálgama de influências cinematográficas e literárias e uma evocação de alguns dos mais fundamentais medos do ser humano. No seu âmago, figura o maior pavor palpável da natureza humana: o medo da morte.
Como ouvi dizer Joke J. Hermsen, filósofa neerlandesa, defender, aquando da mais recente edição do Festival Literário Fólio e a propósito da sua obra “Melancolia em Tempos de Perturbação”, a condição da nossa finitude e essa plena consciência garante que somos capazes de carregar connosco uma melancolia que nunca nos deixa.
O risco é que esta mesma melancolia se transforme num estado depressivo, o qual é destrutivo e não edificante. A “boa melancolia”, essa, não deve ser desvalorizada e tem sem dúvida um valor societário considerável, quer estejamos a falar do desenvolvimento do discurso ou da criatividade artística.
Em “White Noise”, “Ruído Branco” em português, Noah Baumbach apresenta-nos uma obra fílmica imbuída em boa melancolia. De que forma? Encontramo-nos num fatídico cenário de possível pré-apocalipse, no qual uma enorme nuvem tóxica ameaça uma povoação e quebra a rotina dos seus habitantes.
Acompanhamos a família do muito carismático Jack Gladney (Adam Driver em mais uma tresloucada performance, que novamente nos mostra novos níveis de profundidade e versatilidade – a esta altura do campeonato já parecem quase infindáveis), à medida que esta procura lidar com o pavor existencial desta situação desconhecida e sobreviver à própria provação que é encontrarem-se vivos.
No âmago da história encontramos uma família americana dos anos 80. Jack é um especialista (e pioneiro) em estudos sobre Hitler e trabalha na “College-on-the-hill”, por onde vai disseminando o seu imenso dom da palavra e onde percorre os corredores como um exagerado vulto fantasmagórico extra-dramatizado: sempre de toga e óculos de sol, como um torre que se ergue perante os seus alunos.
Em casa, a pose de Jack relaxa significativamente e o caos reina. É casado com Babette (Greta Gerwig num abençoado retorno à representação, dando vida a uma personagem mais que peculiar e que lhe assenta que nem uma luva) e em conjunto criam quatro crianças, apenas uma delas partilhada por ambos, as outras três fruto de três casamentos prévios de parte a parte.
O seu lar encontra-se repleto de colocação de hipóteses, discussões intelectuais, filosóficas e científicas, um pouco como esperaríamos que fosse o agregado familiar de uma professora de yoga e de um professor académico. Todavia, uma sombra negra paira sobre a sua existência, e o sentido de pessimismo e receio ameaçam devorar tudo o resto. É a tal má melancolia a pairar.
Mais do que frequentemente, a comédia negra de “White Noise” pende para o campo do inverossímil e do absurdo. E tendo em conta as temáticas da longa-metragem: capitalismo selvático, estudos Hitlerianos, derramamentos químicos inesperados e pavores existenciais, tal não é de todo inadequado.
Todavia, “White Noise” não irá encher as medidas de toda e qualquer pessoa que assista à obra. Isto porque é uma narrativa tresloucada, exacerbada, e nitidamente situada num registo algo inesperado por parte de Baumbach.
Nesta história, várias das suas temáticas relevantes, como por exemplo o drama familiar, não deixam de marcar presença. Já a sua exploração, essa, é bastante distinta. Desde já, a adaptação do romance de Don DeLillo, “Ruído Branco”, representa um afastamento temporário das temáticas altamente biográficas que pautam a obra do realizador.
E embora o território familiar marque presença, bem como os debates existencialistas, e tenhamos em ecrã dois protagonistas muito cúmplices do autor, a verdade é que, três anos depois de “Marriage Story”, esta nova produção Netflix por parte de Noah Baumbach pauta-se por uma transformação tonal significativa.
Aqui, não só nos afastamos dos seus habituais argumentos auto-biográficos, quer estejamos a falar da sua infância ou do seu divórcio, como vemos o realizador a aventurar-se em novos registos. O existencialismo absurdo aqui encontrado faz-nos lembrar um misto entre Jim Jarmusch e Whit Stillman, sem que o argumento necessariamente grite “Baumbach”. No passado, Baumbach co-escreveu já argumentos com Wes Anderson e é, sem dúvida, essa linha de aleatória justaposição de elementos e situações díspares em sequência vertiginosa que aqui mais transparece.
Explorar novos caminhos não é por si algo mau, longe disso, mas muita gente questionará o gritante contraste entre momentos do filme e a forma como o seu realizador tentou conter demasiadas ideias e perspectivas numa única obra.
Sim, é possível que a melancolia de “White Noise” tenha conduzido mais à insanidade que à criação de uma obra coesa. Todavia, há muitas cenas maravilhosas e diálogos excelentes a contemplar, bem como algumas cenas visualmente muito interessantes. Destaque para a sequência final num supermercado, num número musical megalómano que por si já justificaria assistir ao filme. Aqui, a grande cadeia comercial como catedral do consumismo é problematizada de forma subtil, inteligente, sem nunca tomar quem vê por ignorante.
Todo o ruído branco fica connosco, e para lá de todo o caos e (potencialmente) excessiva amálgama de géneros, é certo dizer que esta longa-metragem, por muito invulgar e imperfeita que seja, não deixa de se afirmar como inventiva, acídica e corrosiva.
Para fãs de humor negro, não há como falhar. Esta é uma das estreias futuras a não perder. Com primeira exibição em Portugal, em sala, por ocasião do Lisbon & Sintra Film Festival, “White Noise” chega às salas de cinema a 8 de dezembro, pela mão da NOS Audiovisuais e, mais tarde, a 30 de dezembro, encontrará finalmente a Netflix como casa.
Como não podia deixar de ser, aconselhamos uma visita ao grande ecrã!
TRAILER| WHITE NOISE CHEGA EM DEZEMBRO ÀS SALAS DE CINEMA E À NETFLIX
White Noise, em análise
Movie title: White Noise
Movie description: Simultaneamente hilariante e aterrador, poético e absurdo, comum e apocalíptico, "White Noise" dramatiza as tentativas de uma família americana contemporânea de lidar com as dificuldades da vida quotidiana, ao mesmo tempo que se debate com os mistérios universais do amor, a morte e a possibilidade de alcançar a felicidade num mundo cheio de incertezas.
“White Noise”, a mais recente longa-metragem realizada por Noah Baumbach, afasta o realizador e argumentista do campo da autobiografia, libertando-o para explorar a mais absurda e invulgar narrativa da sua carreira.
Pros
Diálogos rápidos, perceptivos e repletos de pequenas pérolas – a inspiração num grande pedaço de literatura reflete-se positivamente na estrutura do argumento, fazendo com que um longo filme de 136 minutos pareça modestamente curto;
A intimidade que Greta Gerwig e Adam Driver já construíram enquanto intérpretes, em projetos prévios e potencialmente na esfera da vida pessoal, traduz-se numa cumplicidade notável entre as suas personagens centrais;
As carismáticas personagens secundárias que ocupam o ecrã, dos invulgares filhos do casal ao excêntrico professor universitário interpretado por Don Cheadle.
Cons
As já mencionadas diferenças tonais, que podem tornar-se demasiado avassaladoras para o gosto de certos espectadores.