(Sandy) Alex G (foto de Tonje Thilesen)

Mês em Música | Playlist de Setembro 2019

Como o prova a nossa Playlist de Setembro, não faltaram álbuns ao som dos quais recomeçar o ano. Discretos, mas que crescem com o tempo.

Estamos de volta com a nossa apreciação e escolha da melhor música que vai saindo ao longo do ano. Se saíram alguns grandes álbuns em Agosto, enquanto estávamos (todos) na praia, o mês de férias continuou a ser uma antecipação da enxurrada de álbuns que veio com o regresso às aulas. Senão, comparem a Playlist de Agosto, que incluímos também aqui, com a de Setembro. Verão como a primeira está repleta de singles dos álbuns que enchem a segunda.

Não admira que os longa-duração dominem nesta nossa Playlist de Setembro, convidando a horas intermináveis, embora valiosas, de furtivo enlevo musical. Não há aqui álbuns bombásticos (ok, tirando os New Pornographers, mas eles são sempre bombásticos). Há antes viagens por distintas sonoridades, que se vão infiltrando à medida que nelas embarcamos, num roteiro variado onde não faltam percursos para todas as sensibilidades. Ainda assim, apesar da preponderância do formato longo, alguns singles prometem mais música pela qual esperar ansiosamente, enchendo o presente de expectativa por futuras jornadas.

Playlist de Setembro | Os singles

Um desses álbuns pelos quais aguardar com impaciência arrisca-se, infelizmente, a passar debaixo do radar, quando promete ser um dos melhores do ano. O seu single principal “Mono No Aware” integra a Playlist de Agosto que publicamos neste mesmo artigo, logo depois da Playlist de Setembro, onde incluímos a ainda melhor “Digger”. É o segundo esforço dos Great Grandpa, que depois de lançarem um EP, Can Opener, estrearam-se em 2017 com Plastic Cough. Se o debute revelava uma promessa, Four of Arrows irá de certeza colocar esta banda de Seattle no mapa do rock alternativo recente, quando sair no dia 25 de Outubro, pela Double Double Whammy.

Mês em Música - Playlist de Setembro 2019
Great Grandpa (foto de West Smith)

Segundo a Stereogum, as canções de Four of Arrows oscilam entre “chamber pop na sua orquestração e pós-rock no seu ambicioso escopo” e o que ouvimos até agora parece confirmar esta descrição. Mas “Digger” transcende-a, para alcançar o pódio das coisas sem igual. Como toda a verdadeira obra de arte, só a vemos e ouvimos a ela, esquecidos do passado, apagadas as reminiscências pela presença do inaudito. É o nosso single do mês e melhor do que quaisquer comentários é a descrição surreal que da sua génese fez Pat Goodwin.

«Tinha um cão que costumava entrar num transe intenso, quase maníaco sempre que cavava um buraco no jardim. Chamavamos-lhe “Digger” porque ficava obcecado com estes fossos aparentemente inúteis. Qualquer coisa nos seus olhos perdurou e assombrou-me durante anos. Parecia familiar, humano quase. Com o passar do tempo, a Carrie e eu começámos a compará-lo a nós, usando mesmo o nome, nos momentos em que a nossa saúde mental começava a espiralar ou nos púnhamos a esgaravatar no perigoso jogo do questionamento existencial. [… E]sta canção é, como os espaços que explora, caótica e sem grande resolução – uma meditação sobre o processo de criação e a oposição entre determinismo e agência e, simultaneamente, uma ode à The Transmigration of Timothy Archer, de Philip K. Dick, à doença mental e àqueles na nossa vida que escavam demasiado fundo. É mais seguro nunca sair de noite, mas talvez percamos alguma coisa na escuridão.»

GREAT GRANDPA | “DIGGER”

Não é a primeira vez que destacamos o trabalho dos Just Mustard, uma das várias bandas promissoras a sair das Ilhas Britânicas. Integraram a nossa Playlist de Maio, num mês em que se fizeram acompanhar do ruído dos seus conterrâneos. E de novo estes irlandeses nos encheram de certeza de que o melhor está para vir. Relembramos aqui o comentário do nosso Diogo Álvares Pereira a esta pérola negra e ao seu videoclipe:

«O desenvolvimento de uma sonoridade consistente e intrínseca ao grupo, porém com margem de manobra para experimentação, prosseguiu com o lançamento do mais recente single, “Seven”, uma canção previsivelmente sinistra e dotada de uma aura dark wave acentuada, contudo acolhedora de uma arrojada batida trip hop, “corpo estranho” na música dos Just Mustard até ao momento, e de guitarras psicadélicas que colidem, de modo curiosamente prazeroso, com as melodias vocais de Katie Ball, onde a reverberação se funde com orações abstractas de cariz religioso e alicerçadas nos fundamentos da fé. O teledisco conduz, apropriadamente, os herméticos temas abordados na canção, beneficiando de uma imagética que traz à memória os filmes do realizador chileno Alejandro Jodorowsky.»

JUST MUSTARD | “SEVEN”




Playlist de Setembro | Os álbuns

Mais de 50% da nossa Playlist de Setembro é constituída por faixas de álbum, das quais poucas foram lançadas como singles ao longo do mês. É uma curiosa experiência de audição, mas é sobretudo sinal de que não faltaram discos capazes de captar a nossa atenção ou conquistar mesmo a nossa estima, agarrando-nos uns pelo pé, outros pelo coração e outros ainda pelas vísceras, alguns deles talvez só por agora, outros suspeitamos que para sempre. O quarto e homónimo álbum das Chastity Belt, a delicadeza etérea de October Song, da cantora e compositora Audrey Kang, a fluidez descontraída de Oncle Jazz, dos Men I Trust, finalmente cá fora, o krautrock agressivo e dançável de Stars Are the Light, dos Moon Duo, tudo isto fez o nosso mês. Mas, fora o álbum do mês, nada nos fascinou mais do que o tão aguardado The Talkies, dos Girl Band.

O segundo álbum da icónica banda de Dublin é uma viagem pelo manicómio, infelizmente mais veraz do que desejaríamos. Nesta casinha dos horrores, a fantasmagórica sonoridade industrial produzida por Daniel Fox junta-se à gutural, contidamente desesperada, mas irresistivelmente magnética, voz de Dara Kiely. Numa estrutura feita de eventos avulsos, onde regularidade e padrões não abundam, os Girl Band desenham uma narrativa de balbuciados absurdos com um carisma de que poucos se podem gabar. No fim, é esta ardente personalidade, a transbordar por todos os poros do gelo industrial, que resulta numa exasperada afirmação de vida.

GIRL BAND | THE TALKIES

Playlist de Setembro | O álbum do mês

House of Sugar estabelece uma curiosa e invasiva ponte de ligação com a mente solipsista de (Sandy) Alex G, encaminhando-nos por um conto de fadas lo-fi, narrado através da linguagem da experimentação e de uma vincada estética impossível de dissociar do seu autor.

À primeira audição (e como já havíamos referido na nossa apreciação crítica de “Gretel“, o primeiro single do disco), sentimos que escutamos uma colecção de peças às quais não deveríamos ter acesso, excessivamente privativas e herméticas. Porém, conforme nos vamos acostumando a esta simultaneamente doce e amarga caixa de surpresas que é House of Sugar, rapidamente nos apercebemos de que a mais recente “habitação” sonora de (Sandy) Alex G, como sempre construída com base em sangue, suor, lágrimas e um misto de vivência e ingenuidade, afinal é mais acolhedora e estranhamente nostálgica do que superficialmente aparenta. Por detrás das densas camadas de progressões de acordes cativantes, técnicas de pitch-shift pejadas de uma conotação etérea e o perspicaz recurso a violino e piano, encontra-se um artista e ser-humano mais maduro do que nunca, ainda assim assombrado por indecisões, dores existenciais e um reduzido sentido de orientação. Todavia, bem lá no fundo (e egoistamente), desejamos que esta inocência refletida na sua música não desvaneça e que (Sandy) Alex G permaneça, para sempre, enclausurado no seu quarto. (DAP)

(SANDY) ALEX G | HOUSE OF SUGAR

PLAYLIST DE SETEMBRO | DESTAQUES DO MÊS

  • Bat For Lashes, Lost Girls (AWAL, 6 de Setembro)
  • Frankie Cosmos, Close It Quietly (Sub Pop, 6 de Setembro)
  • Lightning Bug, October Song (Marbled Arm, 6 de Setembro)
  • Lower Dens, The Competition (Ribbon Music, 6 de Setembro)
  • Barker, Utility (Ostgut Ton, 6 de Setembro)
  • Jenny Hval, The Practice of Love (Sacred Bones, 13 de Setembro)
  • (Sandy) Alex G, House of Sugar (Domino, 13 de Setembro)
  • Chelsea Wolfe, Birth of Violence (Sargent House, 13 de Setembro)
  • Men I Trust, Oncle Jazz (Bandcamp, 13 de Setembro)
  • Vivian Girls, Memory (Polyvinyl, 20 de Setembro)
  • Chastity Belt, Chastity Belt (Hardly Art, 20 de Setembro)
  • Twen, Awestruck (French Kiss, 20 de Setembro)
  • Cashmere Cat, Princess Catgirl (Mad Love/Interscope, 20 de Setembro)
  • Moon Duo, Stars Are the Light (Sacred Bones, 27 de Setembro)
  • Girl Band, The Talkies (Rough Trade, 27 de Setembro)
  • The New Pornographers, In the Morse Code of Brake Lights (Concord, 27 de Setembro)

PLAYLIST DE SETEMBRO | SPOTIFY

PLAYLIST DE AGOSTO | SPOTIFY


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