Miyazaki Spirit of Nature, a Crítica: Grande mestre da animação japonesa no Doclisboa
“Miyazaki Spirit of Nature”, exibido no último fim de semana do Doclisboa, é um documentário despretensioso que procura compreender o fenómeno de Hayao Miyazaki, mas acima de tudo o que move o cineasta – das suas preocupações ambientais à sua relação ambivalente com as máquinas de guerra.
Depois de estrear no Festival de Veneza, onde foi indicado ao Prémio de Melhor Documentário para Cinema, e de passar no ANIMAGE, no Brasil, o francês Léo Favier levou o seu “Miyazaki, l’esprit de la nature” até ao Doclisboa, onde integrou a secção “Heart Beat”.
Uma nova proposta para compreender Hayao Miyazaki no Doclisboa
Verdade seja dita, de “Never-Ending Man: Hayao Miyazaki” (2016) a “The Kingdom of Dreams and Madness” (2013), o que não falta já são documentários de referência acerca da vida e obra de Hayao Miyazaki, a criação da casa Ghibli, enorme marco para a animação japonesa e plataforma de introdução da mesma a fãs ávidos por todo o mundo, e tudo o mais acerca deste cineasta que se apresenta como uma lenda viva e que desde os anos 90 anda a anunciar a sua reforma, a qual hoje, aos 83 anos, tarda a chegar.
Por exemplo, “The Kingdom of Dreams and Madness” (2013), filmado nos Estúdios Ghibli, é menos acerca de apenas Miyazaki e mais sobre o trabalho desta casa de animação que, teimosamente, foi utilizando a animação tradicional para criar cinema muito depois do digital dominar a cena. E, embora também o estúdio tenha começado a transitar para o digital nos seus próprios termos, a partir dos anos 2000, a imagem característica, perfeccionista, pautada por artes de fundo estrondosas e altamente detalhadas nunca nos abandonou até “O Rapaz e a Garça”(2023), o mais recente filme lançado por Miyazaki.
A marca de autoria dos Ghibli é associada acima de tudo a Miyazaki, mas também ao seu mestre Isao Takahata (“O Túmulo dos Pirilampos”). Ambos estiveram presentes, como entrevistados, em “The Kingdom of Dreams and Madness”, tornando este num documentário mais forte, verdadeiramente protagonizado pelos intervenientes sobre os quais coloca o holofote.
Miyazaki Spirit of Nature e a apresentação de um mestre da animação
Se outros documentários tiveram a presença do próprio Hayao Miyazaki como interveniente, de Takahata e do génio musical de Joe Hisaishi (responsável pelas maravilhosas bandas sonoras da filmografia Ghibli), “Miyazaki Spirit of Nature” ficou-se , salvo seja, pelas intervenções pertinentes de académicos, mas também pela incorporação das palavras de Toshio Suzuki, o fiel produtor Ghibli, que tem colaborado com Miyazaki praticamente desde o início da sua carreira e ainda de Gorô Miyazaki (filho do cineasta, “A Colina das Papoilas“), alguém que tem estado sempre envolvido no trabalho do estúdio, quer na qualidade de realizador quer como produtor.
E se “Miyazaki, l’esprit de la nature” não inventa a roda no que diz respeito a documentários sobre Hayao Miyazaki, é ainda assim empolgante ver a sala Manoel de Oliveira praticamente repleta a um sábado a tarde, para conjuntamente ouvir as maravilhosas sonoridades de Hisaishi e recuperar muitas imagens de arquivo: quer da filmografia como da vida pessoal de Miyazaki.
O filme pinta uma imagem quase completa da experiência pessoal e obra do cineasta – segue-se acima de tudo uma lógica cronológica, evoluindo os 83 minutos de filme pela vida e carreira do japonês, passando por um arranque complicado até recompensar quem vê com uma narrativa de provação e de sucesso internacional para lá do sonhado.
Em “Miyazaki Spirit of Nature”, o “chefe” da casa Ghibli é representado como um tenaz perfecionista, o seu retrato mais comum e fidedigno. As suas obras, essas são louvadas devido ao seu espírito ambientalista e estilo inconfundível, bem como pela capacidade de traduzir os mitos e deuses fundadores do animismo japonês para o grande ecrã.
Miyazaki e as máquinas de guerra
A relação conflituosa que Miyazaki mantém com a máquina de guerra, em obras diversas de “As Asas do Vento” a “Princesa Mononoke” (1997), passando por “Porco Rosso” e em grande parte da sua filmografia, é também representada, sendo exposta a história pessoal de Miyazaki. Os caças de guerra são as mais belas e mais temíveis máquinas, e o envolvimento pessoal do seu pai, que construíra asas para os caças que levavam os soldados Kamikaze, é um dos traumas de infância que mais contribuiu para as temáticas mais fortes das narrativas de Miyazaki.
As ambivalências, portanto, estão sempre presentes, em particular nas últimas duas obras de Hayao Miyazaki, “As Asas do Vento” (2013) e “O Rapaz e a Garça” (2023) e este documentário peca por não se ter permitido adiar a sua finalização para incluir de uma forma mais rigorosa a análise sobre a última entrada na filmografia de Miyazaki.
“Miyazaki, l’esprit de la nature” explora também outros instantes da vida pessoal de Miyazaki e a forma como contribuíram para o seu trabalho – como por exemplo a tuberculose da sua mãe, essencial para a criação das situações que vemos em “O Meu Vizinho Totoro” (1988), quiçá a mais fundamental longa-metragem infantil criada por Hayao Miyazaki.
Toda a obra deste grande criador é auto-referencial e, à medida que os anos passaram, foi-se tornando cada vez mais autobiográfica. O filme de Léo Favier mostra-nos de forma plena esta relação, filme a filme e, como referimos, peca apenas por apressar o seu final, não abordar todos os filmes de Miyazaki com o mesmo nível de detalhe, e por não ter conseguido colocar o animador frente à câmara, “limitando-se” a entrevistar autores, o seu filho e o seu produtor.
Não obstante as suas limitações (“Miyazaki Spirit of Nature” pode não ser cinema com “c” grande), este documentário exibido no Doclisboa irá encher as medidas a qualquer fã do cineasta japonês, recapitulando a sua história pessoal e, inevitavelmente, a história da sua seminal filmografia.
Miyazaki Spirit of Nature, a Crítica
Movie title: Miyazaki Spirit of Nature
Movie description: Durante mais de 50 anos, Miyazaki encantou o mundo com os seus filmes e personagens emblemáticas como Totoro e a Princesa Mononoke, que se tornaram clássicos de culto. O seu trabalho, muitas vezes autobiográfico, também espelha o estado do mundo e a turbulência dos séculos XX e XXI. Miyazaki, l’esprit de la nature atravessa o coração da filmografia de Miyazaki, realçada pelas vozes do filho e realizador Goro Miyazaki, do produtor Toshio Suzuki e do filósofo Timothy Morton, revelando a sua profunda ligação à natureza e os temas ambientais manifestados através dos seus filmes.
Date published: 6 de November de 2024
Country: França
Duration: 83'
Author: Léo Favier
Director(s): Léo Favier,
Genre: Documentário
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Maggie Silva - 71
Conclusão
Não obstante as suas limitações (“Miyazaki Spirit of Nature” pode não ser cinema com “c” grande), este documentário exibido no Doclisboa irá encher as medidas a qualquer fã do cineasta japonês, recapitulando a sua história e, inevitavelmente, a história da sua seminal filmografia.
Pros
- A longa e detalhada recuperação da carreira de Hayao Miyazaki;
- A benção que o Doclisboa nos deu – a de voltar a ouvir Joe Hisaishi dentro da sala nobre que é a Manoel de Oliveira, no Cinema São Jorge.
Cons
- A falta de ênfase nos últimos filmes de Hayao Miyazaki, tão importantes para a narrativa sobre ambientalismo e a máquina de guerra que é enfatizada no documentário;
- Miyazaki não foi aqui captado em câmara como um dos entrevistados, apenas aparece através de imagens de arquivo.