"o28" captura a atmosfera lisboeta a partir de um elétrico descontrolado | ©MONSTRA

MONSTRA ’21 | Best of Anima Bruxelas 2020, em análise

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A MONSTRA 2021 recebe a Bélgica como o seu país convidado. Depois de na primeira sexta-feira do festival ter proporcionado a imperdível sessão “Best of 40 Anos Anima Bruxelas”, o dia seguinte (24) recebeu os grandes destaques de programação do festival Anima em 2020. 

O Festival Anima, o qual acontece anualmente em Bruxelas, celebra em 2022 a sua 41ª edição. Em 2020, a pandemia de COVID-19 forçou a concretização de um evento exclusivamente online.

Por isso, nesta sessão apresentada pela co-diretora do Anima, Karin Vandenrydt, a equipa do festival teve, por fim, a hipótese de apresentar no grande ecrã a sua seleção de obras prediletas que integraram a 40ª edição do certame. Vimos os 10 filmes apresentados e deixamos as nossas impressões relativamente a esta seleção diversificada em estilos de animação, países de proveniência e temáticas!

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THE BEAUTY (ALEMANHA, 2019, 4′) 

MONSTRA 2021 Best of Anima 2020
©MONSTRA

De: Pascal Schelbli

E se o plástico pudesse ser integrado na vida marinha? “The Beauty” é uma viagem poética através dos oceanos, simultaneamente deslumbrantes e imundos.

Pascal Schelbli cria aqui uma peça poderosa que, em apenas 4 minutos, é capaz de dizer tanto ou mais acerca do problema da poluição dos oceanos quanto algumas longas-metragens documentais de duas horas.

A fusão do plástico e da sujidade no próprio ecossistema é sugerida, de forma inteligente, quase como uma forma de metamorfose. A adaptação necessária à sobrevivência e preservação das espécies.

Com efeitos especiais de elevada qualidade,  uma fotografia subaquática detalhadíssima e um narrador imponente, “The Beauty” faz-nos mergulhar num mundo inteiramente distinto. É essa a magia da obra de Schelbli, mostrar mais do que, nas suas próprias palavras: “outro ventre lúgubre cheio de sacos de plástico”.

Todas as chamadas de atenção são bem-vindas. A de Pascal Schelbli mune-se de um ponto de vista muito peculiar nesta MONSTRA 2021. Esta memorável, poética e reflexiva curta-metragem encontra-se disponível no website oficial do realizador Pascal Schelbli .

Classificação: 90/100




RAIN (POLÓNIA, 2019, 5′) 

Best of Anima 2020 Festival Animation Bruxelas
©MONSTRA

De: Piotr Milczarek

The Rain é uma obra animada acerca de consciência coletiva e das potenciais consequências de seguir a multidão, tanto para o indivíduo como para a coletividade.

Bem sumariada e pincelada a apelativos tons de branco e azul, “Rain” é uma obra que reflete acerca de uma temática bastante frequente no cinema de curta-metragem. O individual vs o coletivo, a vontade própria vs a intencionalidade da manada. É uma exemplificação visual da expressão popular: “se os outros se atirarem de um penhasco também te atiras?”

Notoriamente também uma alusão à quebra da individualidade e automatismo dos seres humanos num ambiente laboral de escritório, este filme, ilustrado por figuras sem face e com traços muito simples, quase “stick figures”, não deixa de conseguir transmitir o esmagamento emocional dos seus sujeitos. Ao fim de contas, apesar do risco inerente, saltam para o abismo perante a possibilidade de libertação.

Pano para mangas no que diz respeito a temáticas societárias muito problematizadas nas Artes, “The Rain” vence na concretização (não tivesse vencido o prémio para Melhor Primeira Obra em Annecy, o festival de cinema de animação mais afamado)  mas fica-lhe a faltar um ligeiro toque de originalidade.

Classificação: 80/100




FRIENDS/ AMIGOS (ALEMANHA, 2019, 8′) 

MONSTRA 2021 Bruxelas Anima
©MONSTRA 2021

De: Florian Grolig

O ‘pequeno’ é, bem,  pequeno e o ‘grande’ é definitivamente muito, muito grande. São amigos.

O animador independente e designer de videojogos Florian Grolig criou aqui uma aprazível lenda acerca de um gigante e do seu pequeníssimo companheiro de aventuras. Óbvia metáfora para noções relacionadas com aceitação da diferença, “Friends” é um filme com a capacidade de apelar a vários grupos etários distintos e, sem dúvida, uma bela semente anti-bullying.

Tecnicamente “Friends” é uma pérola que prima pela simplicidade, recorrendo a tecnologia 2D e 3D no âmbito da sua execução. Pouca é a arte de cenários, estando tudo muito centrado no primeiro plano da ação. Por vezes, essa ausência de fundos torna a image algo mais pobre, menos cheia, mas nunca pouco apelativa ou desinteressante.  As suas personagens foram criadas em 3D, enquanto os seus cenários se pautam pela presença de 2D tradicional. As duas técnicas encontram-se aqui bem “casadas”, sem nunca entrarem em choque.

Já tínhamos visto este filme em 2020, aquando de uma exibição na “MONSTRA EM CASA”. Desta vez conseguimos apreciar a obra de forma mais plena. Quiçá se deva à magia da sala escura…

Classificação: 70/100




COSMONAUT (ESTÓNIA, 2019, 11′) 

animacao monstra anima festival brussels
©MONSTRA 2021

De: Kaspar Jancis

Um velho astronauta vive o mesmo tipo de vida que vivia durante a sua juventude na estação espacial, mas agora no seu apartamento de betão. Será este idoso capaz de passar a viver sob as normas que regem a sociedade?

“Cosmonaut” é uma história triste, agridoce, imaginativa. Mostra-nos o quão vazia e solitária pode parecer a vida quando nos aproximamos da sua reta final. Isto não obstante o quão gloriosa possa ter parecido em tempos. Ao fim de contas, o que pode ser mais glorioso do que um astronauta? A nostalgia por um passado que já não volta faz-se, contudo, sem qualquer glamour, e daí advém grande parte do charme do filme.

Também tínhamos já visto esta curta aquando da exibição número 5 da “Monstra em Casa”, e uma vez mais vimo-nos inteiramente envolvidos nesta narrativa. Da utilização capaz da animação tradicional à perfeita capacidade de editar entre os momentos correspondentes ao passado e os referentes ao presente, eis que o nosso herói lida com a incapacidade de viver na sua temporalidade atual. Quiçá levado por uma demência crescente, o cosmonauta rege-se pelas suas próprias regras e as consequências antevêem-se nefastas.

A história melancólica de “Cosmonaut” pode ser vista no  Vimeo do seu autor Kaspar Jancis. A não perder, depois desta passagem pela MONSTRA 2021!

Classificação: 90/100




REPASSE-MOI (FRANÇA, 2019, 9′) 

MONSTRA 2021 repasse moi
©MONSTRA

De: Ivan Rabbiosi

Pedro, um jovem desportista, partilha a sua vida com uma tábua de engomar. Na sua cidade é um exemplo a seguir e todos o admiram. Uma noite, no entanto, tudo se desintegra…

O que dizer sobre esta entrada na sessão “Best of Anima Bruxelas 2020”,  em destaque na MONSTRA 2021? É humor negro ao mais alto nível. Encontramo-nos, desde logo, num universo paralelo onde a bizarria reina. Se falamos das companhias românticas dos intervenientes da história, eis que parecemos estar perante uma qualquer nova definição de orientação sexual. Aqui a atração sexual (ou platónica) pode ser sentida entre humano e humano, entre humanos e tábuas de engomar ou entre humanos e predadores.

Num mundo onde as tábuas de engomar são objetos muito cobiçados e alvo de interesse amoroso, Pedro terá problemas significativos depois da sua sofrer um terrível acidente…tudo o que se segue é irreverente, imprevisível e deliciosamente estranho.

O filme completo está disponível no canal francês Arte. 

Classificação: 75/100 




PILE (REINO UNIDO, 2019, 3′) 

monstra '21
©MONSTRA

De: Toby Auberg

“Pile” é uma curta-metragem animada em digital que tenta pôr em ordem as edificações humanas. Um habitat vertical que modela a progressão material desde a sobrevivência pura até à distopia do capitalismo tardio.

Toby Auberg criou aqui uma peça cinematográfica que parece ganhar vida própria e apropriar-se do espaço físico à medida que é exibida. “Pile”, uma obra vertical acerca do fatídico destino do ser humano, a qual acompanha a sua evolução desde os primórdios, passando pelo início da industralização, até à presente era da maníaca digitalização, contém em três minutos material sem fim para livros, tratados, longas-metragens, séries, o que for.

A sua temática, a representação que se propõe a criar, tudo é tão denso e detalhado que é estupendo que tenha sequer existido a contenção para manter a peça abaixo dos quatro minutos.

O mais impressionante é que “Pile”, produzida pela famosa Royal College of Art de Londres,  foi a primeira obra realizada por Roby Auberg. Aliás, venceu, inclusive, Melhor Filme de Finalista no Festival de Cinema de Annecy. Bravo! Aqui aguardamos pelos projetos futuros!

Classificação: 90/100




THE PROCESSION (CANADÁ, 2019, 11′) 

MONSTRA 2021 Festival Anima
©MONSTRA 2021

De: Pascal Blanchet, Rodolphe Saint-Gelais

Uma mulher, Catherine, morre num acidente de viação. Do mundo dos mortos, ela dirige-se a Philippe, o seu marido, que está enlutado, e tem agora de lidar com o ritual fúnebre familiar.

“The Procession” é romântico, melodramático até certo ponto, penoso e lírico. A sua melhor qualidade é, possivelmente, a sua belíssima escolha de combinação de cores. Todo o filme, talvez por ser narrado por uma elegante personagem feminina a partir do túmulo, é dominado por uma combinação entre rosa seco, branco e preto, a qual não poderia ser mais agradável à vista.

Quanto à narrativa, consegue chegar a ser um pouco morosa em algumas partes. Será que o amor ainda lá estava? Será que não? Terá sido a sua discussão a motivar o acidente? Todas estas questões falham na sua tentativa de sugar quem vê. Fica, acima de tudo, a execução exímia.

Classificação: 75/100




MASCOT (COREIA DO SUL, 2019, 6′) 

Mascot Anima Best of 2020
©MONSTRA

De: Leeha Kim

A raposa que se quer tornar a mascote da cidade vai para uma academia de formação de mascotes. Vive numa casa muito pequena e trabalha em muitos empregos em part-time. Está a poupar para se submeter a cirurgia plástica.

“Mascot”, mesmo para alguém ocidental e que ignore as subtilezas dos problemas sociais existentes nas grandes cidades da Coreia do Sul, é um retrato gritante e uma representação visual inequívoca do sufoco nítido em que vivem muitos jovens nestes locais. Uma obsessão pela imagem física, pela fama, pela juventude, são a moeda de troca para a tentativa desesperada de melhorar o status sócio-económico.

Vemos uma Seoul desoladora, cinzenta, representada através de uma quantidade obscena de grão na imagem. Trata-se de uma nuvem literal, uma nuvem de mau estar e melancolia. Contudo, apesar da sua narrativa incisiva, “Mascot” peca por um pequeno pormenor. A sua animação 3D pouco deve ao equilíbrio visual. É grosseira, demasiado simplificada, insuflada até.

Todavia, não deixa de marcar quem se vê, de súbito, imerso ou imersa nesta opressiva imagética. Uma complicada e ambiciosa peça nesta MONSTRA 2021.

Classificação: 77/100




A L’OUEST/ DESORIENTED (FRANÇA, 2019, 4′) 

short film animation MONSTRA 2021
©MONSTRA

De: Jérémie Cousin

Um pai e os seus filhos estão a navegar num barco quando batem numa rocha. Há pânico a bordo!

Jérémie Cousin traz a esta MONSTRA 2021 uma obra que é parte comédia negra, parte retrato trágico-cómico. “A L’Ouest” é também nitidamente alegórico, utilizando esta fatídica viagem de barco como ilustração para as circunstância adversas da vida que todos enfrentamos, mais tarde ou mais cedo.

Nada a temer, os percalços ao longo da jornada apenas nos tornaram mais fortes, parece querer sugerir “A L’Ouest” . Quando à animação, é das mais belas e ricas que encontramos nesta sessão de curtas~metragens “Best of Anima Bruxelas 2020”, compilação dos filmes que mais marcaram a equipa que organiza este festival convidado (inserido na homenagem à Bélgica).

Classificação: 80/100




o28 (FRANÇA, 2019, 5′) 

o28 lisboa eléctrico carris nº28
©RUBIKA

De: Otalia Caussé, Geoffroy Collin, Louise Grardel, Antoine Marchand, Robin Merle, Fabien Meyran

Em Lisboa, um casal alemão está prestes a entrar no célebre elétrico nº28. Mas como reagir quando os travões falham e és levado numa corrida vertiginosa… com um bebé a bordo.

Esta curta foi exibida em mais de duas centenas de festivais um pouco por todo o mundo, tendo inclusive vencido diversos prémios. Não é caso para menos, “o28” é uma curta-metragem vencedora que chega agora à MONSTRA 2021.

Enquanto curta de estudantes, categoria na qual competiu em diversas seleções, é realmente de louvar a notável qualidade técnica e atenção ao detalhe.  Este é um 3D riquíssimo, que evoca estúdios como a Pixar. Realizado a seis mãos, este trabalho meticuloso tem a vantagem inegável de ser apropriado para o visionamento por parte de qualquer faixa etária.

Uma aventura atemporal e para todos os gostos, a Lisboa do emblemático elétrico “28” está mais formosa do que nunca, favorecida pela representação bem presente da imensa luz natural que a torna tão bela. É colorida, vibrante, contagiante e muito mais frenética que o normal devido a uma viagem fora de carris que se torna quase comparável a uma volta de montanha russa.

Classificação: 85/100 

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Iremos acompanhar a MONSTRA 2021 até ao dia 1 de agosto. Quanto às sessões competitivas, arrancaram já na segunda-feira, 26 de julho, decorrendo na sua vasta maioria no Cinema São Jorge. Outros palcos do certame incluem o Cinema Ideal, Cinema City de Alvalade e as Cinematecas. 

Têm marcado presença na maior festa de animação de Lisboa? 

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