Nightmare Alley | O olhar de Guillermo del Toro sobre o filme noir
Em “Nigtmare Alley – O Beco das Almas Perdidas” Guillermo del Toro recupera uma narrativa literária que já havia sido adaptada ao cinema nos anos 40 e que agora regressa nesta versão filme noir atualizada. Como criou o realizador este seu thriller neo-noir deliciosamente negro?
“Nigthmare Alley” é a nova obra de Guillermo del Toro, um autor oscarizado recentemente pelo igualmente negro “A Forma da Água”, um conto de fadas escuro e situado no período de guerra. Agora, Del Toro transporta-nos uma vez mais para um período histórico situado no passado. Agora, estamos no período entre as duas Guerras Mundiais, uma época dramática, em que se lambiam as feridas e se choravam os mortos da WWI já com um novo conflito à porta.
A Grande Depressão e a ascensão dos totalitarismos como as alavancas do filme noir

Este enquadramento histórico não é inocente. O filme noir, do qual Del Toro bebe, surgiu como uma reação artística ao estado desolador do mundo. Com o pessimismo a ganhar asas, a Grande Depressão a criar cada vez mais miséria, o negativismo tomou conta da arte nos dois lados do Atlântico. Pois como é que surgiu exatamente o Film Noir? Que correntes o inspiraram? Sem dúvida que tudo se pode ligar à importante corrente do Expressionismo Alemão – a mais importante corrente artística para os fãs dos géneros do terror, ficção científica e fantasia.
Tudo nasceu na Alemanha dos anos 20, fustigada pela Guerra e a antever um futuro repleto de mágoa. De forma simplista, diz-se que o film noir nasceu durante o período da Segunda Guerra Mundial, “importado” da Europa para os Estados Unidos. Quando Fritz Lang emigrou para os EUA, diz-se ter trazido a sua sensibilidade experimental negra para Hollywood. O seu clássico incontornável “M” (em português “Matou”) acompanha a história de um assassino de crianças numa Berlim dominada pela escuridão. Esta sua magnífica obra de arte, lançada em 1931, antes de emigrar para os Estados Unidos, é tida como a pedra fundadora do género que viria a ser o film noir, embora na altura não tivesse tal classificação. Neste filme, o grande cineasta criou novas técnicas de luzes inovadoras e maximizou o uso do som “offscreen” como forma de aumentar o terror. Estas marcas viriam a refletir-se no trabalho de dezenas, senão centenas de cineastas, Del Toro um deles.
Resumindo a nossa “lição” de história do cinema, o noir americano e o Expressionismo Alemão têm muito em comum: tematicamente tocam em linhas como a obsessão, loucura, claustrofobia. Em termos estéticos, existe uma justaposição entre luz e trevas conseguida com a maior das destrezas. Os tons monocromáticos, escuros, os ângulos abstratos, são todas elas técnicas que encontramos nestes cinemas quase irmãos. À excepção que o noir tomou um particular gosto centrado em histórias de detetives, de criminosos e justiceiros.
Abrir caminho para o filme neo-noir nas histórias de Hollywood

Mais tarde, veio o neo-noir, um cinema que mantém muitos dos temas e afinidades estéticas do filme noir, mas configura-as agora para novas audiências e recorrendo a tecnologia moderna. As circunstâncias são também elas modernas, mas os movimentos de câmara e os ângulos escolhidos, esses podem e devem continuar livres e imprevisíveis. O neo noir encontra muitas vezes, de novo, o tema do balanço entre luz e escuridão e recorre a motivos como paranóia, medo, alienação e vingança.
Se o filme noir começou nos anos 40 e 50, no pós-Guerra, durante os anos 1970 começaram a ser utilizadas novas técnicas para contar histórias de índole noir, apelidadas então de neo-noir, um termo que persiste até aos dias de hoje. De “Este País Não é Para Velhos” a “SinCity”, passando por “Nunca Estiveste Aqui” a “Se7en – Sete Pecados Mortais”, o neo noir é tão variado em temáticas e estruturas narrativas que se torna impossível domá-lo e defini-lo.
Em geral, consideramos que se enquadra no género qualquer filme que expanda, subverta ou atualize a noção de filme noir tradicional.
Nightmare Alley e a construção da narrativa noir


Guillermo del Toro continua na sua comparação, em declarações à americana Esquire, dizendo que, tal como em “Born to Kill”, a própria cidade surge como uma personagem: “um lugar onde vivem pessoas de boa reputação, mas ainda assim monstruosas.” O circo de Del Toro brinca com as ideias de moralidade, em particular com a distinção entre bem e mal. A ideia das aberrações de feira, especialmente os “freaks”, é cruel e desumana, e absolutamente central a um enredo que se revela circular e povoado pelas ideias de insanidade e homicídio do filme noir.
O autor cita, em inúmeras ocasiões, todas as obras que o inspiraram na criação deste “Beco das Almas perdidas”. A lista não se fica por obras criadas nos anos 1940. Por exemplo, “The Killing” (“Um Roubo no Hipódromo”) de Stanley Kubrick é uma das suas fontes de inspiração. Del Toro identifica este como um dos filmes mais emblemáticos do realizador, um noir que de forma inteligente mostra o dinheiro, símbolo relevante da inveja e cobiça. perde todo o significado. Depois de vermos “Nightmare Alley”, a alusão a esta ideia fica bastante clara.
Do seu trágico fim (sem levantar o véu) às suas tonalidades sombrias, o filme noir trespassa este trabalho de Del Toro com notória determinação. Este foi um projeto que o realizador acarinhou durante 25 anos e que apenas conseguiu realizar agora, depois de vencido o Óscar. Para o seu criador, “Nightmare Alley” baseia-se numa ansiedade pela definição de uma identidade, criando um mundo depressivo do pós-guerra onde a linha entre a verdade e a mentira é quase invisível.
Del Toro voltou aqui a trabalhar com o mesmo Diretor de Fotografia, criando uma imagem que evoca as técnicas de iluminação e até os temas de uma Hollywood antiga. Contudo, esta sua atualização permite-lhe deixar a sua marca dentro do género, enquanto presta homenagem a muitos dos seus heróis.
“Nightmare Alley” estreou nas salas, de norte a sul do país, a 27 de janeiro de 2022. É um dos potenciais candidatos à próxima edição dos Óscares.
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