Ken Kobland and EJay Sims, USA 2021 © Ken Kobland/EJay Sims

Crónicas de Oberhausen | Internationale Kurzfilmtage (Parte 2)

Da Alemanha chega agora a segunda parte da nossa análise da nova edição do Internationale Kurzfilmtage Oberhausen, com novas curtas-metragens para desfrutar!

Dissemos no primeiro artigo sobre o FESTIVAL INTERNACIONAL DE CURTAS-METRAGENS DE OBERHAUSEN (Alemanha) que nos nossos dias de pandemia de moderada gravidade ele apostou na alternativa de programação no quadro de uma plataforma virtual. Mas essa opção concentrada nos primeiros dias (30 Abril-3 Maio) não o levou a abandonar ou diminuir a importância da sua forte componente presencial (4 Maio-9 Maio) que, segundo os seus responsáveis, se mantém a razão de ser de qualquer certame desta dimensão e influência: 10 dias, 400 filmes e 50 países.

Kurzfilmtage 68 Keyvisual
©Internationale Kurzfilmtage Oberhausen

Para os devidos efeitos, nesta segunda abordagem da COMPETIÇÃO INTERNACIONAL continuo a dar-vos conta do que de melhor esteve acessível no período inicial da competição online, salientando os filmes que retive como mais representativos na minha opinião de crítico, programador e profissional de cinema.

Do Japão veio 7 BLINKS AFTER A DECADE, 2021, realização colectiva reunida num só filme, ou melhor, sete episódios dirigidos por sete realizadores subordinados a uma matéria comum, a catástrofe do Tsunami, o acidente na central nuclear de Fukushima e a mais recente pandemia do COVID-19. Sete curtas produzidas para um projecto online designado BETWEEN YESTERDAY & TOMORROW. Precisamente, nos breves minutos que cada filme dura, o espectador sente-se mergulhado numa espécie de limbo entre ontem e hoje, partilhando um pedaço da vida dos autores que, através de confissões ou depoimentos na primeira pessoa, nos vão descrevendo situações do seu quotidiano. Uns referem episódios dramáticos da sua existência, por exemplo, um deles a morte do pai e as barreiras sanitárias no período mais grave da pandemia; outro, as restrições provocadas pelo COVID na livre circulação entre países (muito interessante e algo fantasmática a ideia de um avião Jumbo a sobrevoar a vastidão das regiões geladas da Sibéria com apenas sete passageiros no seu interior); outro ainda a busca de percursos alternativos para encontrar uma felicidade pessoal e familiar, acabando por descobri-la longe da cidade e numa região rodeada pelo verde da Natureza, onde finalmente encontra não só uma casa como um templo, local para repousar o corpo e a alma. Há um que nos confessa o seu confinamento voluntário ao longo de um ano. Quando por fim sai de casa vai para uma ponte que liga um centro comercial a uma estação ferroviária, simplesmente para ver as pessoas que continuam a circular. Neste segmento, a realização decide acabar de forma irónica,  fazendo um apelo ao boicote dos Jogos Olímpicos. Enfim, os jogos lá aconteceram, não obstante os protestos, mas a mensagem de rebeldia ficou aqui dada, e bem, para a posteridade. Em resumo, os japoneses sempre apreciaram a poesia sob a forma Haiku, e de certo modo foi isso que fizeram neste interessante exercício digital produzido com meios mínimos e eficácia máxima.

The Dress
Ken Kobland and EJay Sims, USA 2021
© Ken Kobland/EJay Sims

THE DRESS, 2021, Ken Kobland e Ejay Sims (EUA), mostra um vestido imenso de dimensões desproporcionadas pendurado numa escada de incêndio na fachada de uma casa da Bowery, em Nova Iorque. Trata-se do registo em imagens de uma instalação. E o espectador pergunta, muito bem, e depois? Mas os realizadores dão a resposta logo a seguir quando iniciam uma narrativa bem documentada sobre um desastre ocorrido na Triangle Waist-Shirt Factory, um fogo que matou muitas emigrantes oriundas do centro da Europa em Março de 1911. De súbito, aquele objecto que até ali fora apenas um vestido a esvoaçar ao vento passa a ser visto com outros olhos, adquirindo um outro e mais poderoso significado. Na prática, podemos dizer que este curioso mas singelo filme não faz mais do perpetuar um velho, muito velho artifício de montagem, o efeito Kulechov.

LA COUR DU ROI, 2021, Amédée Pacôme Nkoulou (Gabão), apresenta-nos uma história de resistência protagonizada por Tara, homem de meia-idade responsável pela manutenção de um espaço a que dão o nome de Pátio do Rei, local de disseminação e preservação da cultura africana onde se polariza a memória das coisas passadas em conjugação com o pulsar do presente, que assim perdura na vida quotidiana de uma comunidade cada vez mais oprimida pela voragem normalizadora da cidade circundante onde o património e as manifestações ancestrais parecem condenadas pelo falso progresso da especulação plutocrática. Basicamente, vemos que o poder instalado deseja destruir os vestígios das construções que apelida de anárquicas, uma forma encapotada de dizer subdesenvolvidas, para dar lugar aos novos caminhos da falaciosa modernidade. Mas Tara não desiste, e ao deambular pelas ruas e vielas vai descobrindo o que resta de poesia na existência cinzenta de um país pleno de sol. Pensa na derrocada do seu pátio e naquilo que se pode perder, a arte, a música, a solidariedade das pessoas que com ele partilhavam as horas de sossego e repouso espiritual. Mas a certa altura o filme penetra num universo mais críptico, o da feitiçaria, o do misticismo, e perde-se um pouco do seu propósito inicial. Todavia, nesse outro mundo dá início ao balanço que o leva ao confronto final com a retroescavadora que avança. Na derradeira sequência, Tara está de pé e de frente para a gigantesca máquina como se esta fosse um animal pré-histórico, a ameaça maior que era preciso eliminar. Nunca saberemos quem venceu o combate, mas podemos calcular o desfecho, nem que seja de acordo com os nossos próprios desejos. Para os devidos efeitos, um filme realizado sem complexos sobre a especificidade do ser africano, sobre a necessidade de lutar pela defesa do património histórico, actores que se esforçam para materializar a força dos que se sentem do lado da razão e um argumento que sabe lidar plenamente com as contradições inerentes aos processos sócio-político-económicos do país produtor e alguns dos associados, Burkina-Faso, Senegal, Camarões e até a França, de um modo incisivo e decididamente criativo.

Blink in the Desert
Shinobu Soejima, Japan 2021
© Shinobu Soejima

Em 1962, na oitava edição do festival, um grupo de jovens cineastas, entre outros, Alexander Kruge, Peter Schamoni e Edgar Reitz, lançaram o chamado Manifesto de Oberhausen onde se declarava a morte do “velho” cinema e anunciava a esperança de ver surgir a alvorada de um novo cinema alemão. Este ano, depois de duas edições exclusivamente online, a fórmula híbrida adoptada pela organização pode ser um passo seguro e até certo ponto revolucionário no sentido de ampliar a projecção internacional, não apenas deste mas de outros festivais que se organizam por esse mundo fora e que muito beneficiariam de uma maior exposição junto de públicos que não precisam forçosamente de pagar os preços proibitivos da hotelaria e restauração durante o Festival de Cannes nem de ficarem em casa frustrados por as coisas estarem a acontecer em Lisboa e eles viverem em Bragança. Pessoalmente, sem nunca pôr de lado a componente presencial, muito se ganhava em abrir estas manifestações aos mais diversos públicos através da WWW.

Por mim, vou manter-me ligado.

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