Opinião | Que Importam os Óscares ou mesmo os Sophia? Viva ‘Vitalina Varela’!

Esta semana que passou houveram boas e más notícias para o cinema português. A primeira foi boa, com 3 filmes portugueses selecionados para o Festival de Berlim, mesmo que este se realize online, entre 1 e 5 de março. A má é que depois mais uma vez, se embandeirar em arco, com uma notícia publicada há dias através da Lusa, com vários media a reproduzi-la: dava quase como certo ‘Vitalina Varela’, perto de uma nomeação aos Óscares de Melhor Filme Internacional. Afinal o filme de Pedro Costa nem chegou à chamada short list e ficou de fora mesmo dos 15 finalistas. Não há mal nenhum em puxarmos pelos nossos compatriotas, pelos nossos cineastas, pelos nossos artistas, como o jovem bailarino de Leiria que venceu Prix de Lausanne de Bailado; e pelas insistentes notícias das exibições dos jogadores e treinadores nas melhores ligas de futebol do mundo. Mas não exageremos!

Vitalina Varela

‘Afinal o filme de Pedro Costa nem chegou à chamada short list e ficou de fora mesmo dos 15 finalistas’.

É a segunda desilusão seguida em pouco tempo, para o ‘cinema português’, depois da rejeição de ‘Listen’, por não cumprir as regras de elegibilidade. Isto para os filmes portugueses é péssimo e isso quer queiram quer não, tem um impacto significativo no grande público, que por natureza, tem muitos ‘pré-conceitos’, em relação ao cinema português. E vai dizer mais uma vez: Que treta! Isto para não falar da crítica internacional, da velha guarda, pelo menos a que conheço bem, que é geralmente muito generosa com os filmes portugueses. Com isto, complementando a reflexão que levantei a propósito de ‘Listen’, creio que já é altura de aprendermos alguma coisa e colocarmos os pés no chão e não em bicos. Na verdade, o cinema é uma linguagem universal, mas quando se fala dos Óscares não estamos a falar de linguagens, identidades, ou de elogios e nacionalismos bacocos. Mas de condições de elegibilidade, de regras, e sobretudo de estratégias comerciais (ou de marketing se quiserem!) de uma grande indústria global, que se combina com a Arte (e por isso é legítimo continuar a chamar-lhe a 7ª Arte) que é o Cinema. Mesmo que estejamos a falar de filmes produzidos em outros países e fora do circuito hollywoodiano. As emoções têm de ficar de fora, independentemente da indiscutível qualidade do ‘Listen’, da Ana Rocha de Sousa ou da obra de arte que é o ‘Vitalina Varela’, de Pedro Costa. E todos teremos de fazer mais alguma coisa pelos filmes portugueses, incluíndo os espectadores que deveriam vê-los mais e sem complexos ou preconceitos. Por exemplo, agora no confinamento, pergunto quantos filmes portugueses é possível ver nas grandes plataformas de streaming ou mesmo na programação da TVCine? Não são efectivamente muitos, embora na HBO, por exemplo já se sinta esta presença, com 30 títulos portugueses (ver Sábado, 21/01/2021). Creio que também não é a Academia de Hollywood que está desajustada aos novos tempos da produção global de cinema. Desajustados talvez estejamos nós todos (críticos, cineastas, produtores, políticos, distribuidores, exibidores, etc.) os players do cinema português em geral, pois há 36 anos que existe esta categoria — para filmes fora do âmbito da indústria de Hollywood e não falados (50%) em inglês — e nunca conseguimos que um filme nosso (ou maioritariamente de produção nacional), integre a lista de nomeados; ou mesmo a tal short-list de 15 filmes, que dá acesso a esta categoria.

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Vitalina Varela

‘Desajustados talvez estejamos nós todos (críticos, cineastas, produtores, políticos, distribuidores, exibidores, etc.) os players do cinema português em geral’.

E isso é bom motivo para reflectirmos e pensarmos, o que podemos fazer para alterar esta situação. Incluindo mesmo aqueles que desvalorizam os Óscares da Academia de Hollywood, — sendo aliás membros como é o caso do Pedro Costa — e que preferem uma estratégia de presença e de prémios nos festivais internacionais de cinema, onde não nos temos, diga-se, dado nada mal. A nossa única presença significativa nos Óscares da Academia de Hollywood — excepção creio para dois Óscares técnicos de ilustres imigrantes portugueses na indústria — foi com ‘Belle Epoque’, do realizador espanhol Fernando Trueba, com a então jovem Penélope Cruz, que ganhou Melhor Filme Estrangeiro em 1993. Rodado quase integralmente em Portugal no verão de 1992, com técnicos portugueses e pela mão do produtor António da Cunha Telles. Algo que aliás os produtores e o realizador espanhóis fizeram questão de realçar então, na entrega do prémio, da grande qualidade e empenho dos portugueses, algo que tem sido extensível a muitas produções por cá filmadas entretanto e desde essa altura. Isto para não falar das nossas condições climatéricas e geográficas, de termos sol todo o ano e o mundo todo num pequeno rectângulo, acessível em poucas horas, boas comunicações e estarmos perto de tudo. Quem o diz é a rapaziada da Web Summit, por exemplo. Se temos, realmente o melhor para fazer o cinema (e os eventos) dos outros, porque raio não temos condições, para fazer bons filmes portugueses, que agradem aos espectadores nacionais e internacionais e fazer com que estas obras, tenham uma merecida expressão internacional, inclusive em mercados tão grandes como os EUA, Europa ou Brasil? ‘Listen’ era um filme dirigido por uma realizadora portuguesa, com (alguns) actores e técnicos portugueses, mas sobre uma realidade britânica, apesar de ser uma história universal. Uma das razões de talvez nunca sermos nomeados para os Óscares, talvez seja porque os filmes portugueses, são demasiado poéticos, literários, fechados como o nosso temperamento — somos sobretudo um País de poetas, apesar de um Nobel e temos dificuldade em contar histórias — sobretudo ao nível das longas-metragens.

Vitalina Varela

‘…Os filmes portugueses, reflectem muito pouco a realidade portuguesa: os nossos estigmas, contradições, casos, histórias, enfim um manancial de cultura onde se inclui também o nosso humor…’

Estas reflectem muito pouco a realidade portuguesa: os nossos estigmas, contradições, casos, histórias, enfim um manancial de cultura onde se inclui também o nosso humor, muito particular — já é longínqua a velha tradição das comédias portuguesas, que temos muito pouca no cinema português contemporâneo, apesar da tradição de escárnio e mal-dizer — que é nosso e que merece ser revelado; e não apenas através dos números da pandemia ou dos excelentes filmes do Turismo de Portugal, que mostram a nossa paisagem e praias e chamaram muitos visitantes. O mesmo não se pode dizer dos filmes de curta-metragem e documentários, que me parece espelham bastante mais a nossa realidade portuguesa e talvez por isso têm sido mais reconhecidos, e premiados nos festivais internacionais. Mesmo os brasileiros, que falam a nossa língua, sabem muito pouco de nós! Na verdade, esta tese não corresponde de todo à extraordinária história e drama de ‘Vitalina Varela’, que reflecte muito bem, embora de uma forma muito particular ‘à Pedro Costa’, um microcosmos da imigração africana, desde há décadas na sociedade portuguesa. Talvez  por isso para muitos como eu, seja maior a desilusão e mais uma oportunidade perdida. Pedro Costa está evidentemente em outro ‘campeonato’ do cinema português — os filmes dele são obras conceptuais, que tanto podem estar numa sala de cinema, como numa galeria de arte contemporânea — e o facto de não estar nos Óscares provavelmente, para ele, é completamente indiferente.  Além de certamente ‘Vitalina Varela’, ser certamente muito melhor do que muitos dos filmes selecionados! Contudo, fica mais uma mossa no cinema português: não bastou a ‘Vitalina Varela’, ser apadrinhado pelo Spike Lee e William Dafoe, o prestigio internacional de Pedro Costa, o seu percurso nos grandes festivais (os dois prémios em Locarno: Melhor Filme e Melhor Atriz e uma presença no Festival Sundance), ter sido distribuído — diga-se num circuito relativamente reduzido e com legendas de um filme em ‘crioulo português’ — pela Grasshopper Film, apesar de tudo uma referência de qualidade na distribuição de filmes internacionais nos EUA.

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Vitalina Varela

‘Chega da velha discussão entre ‘cinema comercial’ e cinema de autor. Basta olhar para os catálogos das plataformas de streaming para perceber que estas designações (para os espectadores também), não fazem o mínimo sentido…’

Chega da velha discussão entre ‘cinema comercial’ — não faço a mínima ideia do que isso seja — e cinema de autor. Basta olhar para os catálogos das plataformas de streaming para perceber que estas designações não fazem o mínimo sentido, nem para os espectadores e provavelmente também para a maioria dos Academistas de Hollywood. Passa sim por uma estratégia de promoção internacional dos filmes portugueses como foi feita para as localizações, através do Pic Portugal; e fazer cada vez mais filmes e séries televisivas, investir cada vez mais na produção nacional, nas co-produções internacionais e sobretudo nas novas gerações de artistas: argumentistas — estes que escrevem os filmes, talvez sejam dos que mais precisamos! — , cineastas, produtores e todo o corpo técnico e industrial, que em Portugal não passa de uma pequena actividade artística acessível só a alguns. Não sei ate que ponto as recentes discussões à volta da Directiva Europeia para o cinema e o investimento obrigatória das plataformas de streaming, venha alterar muita coisa. Enquanto não houver filmes portugueses e sobretudo boas histórias para contar,  apetecíveis a um grande ‘mercado’ e não apenas aos programadores ou ‘mediadores’, nunca chegaremos aos Óscares. Quanto aos prémios, se não houvessem os Prémios Sophia ou os Óscares, e tivesse que encontrar outro nome, seria certamente: Vitalina Varela!

José Vieira Mendes  

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