Óscares 2022 | Representação latina entre os nomeados
Entre as várias etnicidades que compõem o caldeirão cultural que se diz serem os Estados Unidos da América, os chamados latino-americanos, ou simplesmente “latinos”, cidadãos oriundos ou descendentes dos povos da América Central e do Sul, tendem a não ser bem representados em termos culturais, apesar de representarem quase 20% da população dos EUA. Será que a representação latina está assegurada entre os nomeados aos Óscares em 2022?
A 94ª cerimónia dos Óscares acontece na madrugada de dia 27 para 28 de março e, depois de muita necessária auto-correção, parece-nos que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood caminha, lentamente, para uma representatividade mais digna e que respeite o multiculturalismo existente nos EUA. Se para tal foi necessário um abanão e até a criação de quotas e regras específicas de inclusão, que assim o seja. Entretanto, para tirar a prova dos nove, procuramos a representação latina entre a lista de nomeados.
O talento Latinx, um termo agora popular para designar pessoas dos EUA que têm afinidade cultural ou étnica ligada a países da América Latina, não surge apenas frente à câmara, onde é mais notório, mas multiplica-se por várias das ditas categorias técnicas e recuperamos, de forma breve, todos aqueles que carregam em si a tradição de outras culturas e que podem agora, neste mundo com mais abertura, contar as suas histórias.
De acordo com o relatório da empresa de estudos de mercado Nielsen, a representação latina só corresponde a 10% das personagens na televisão norte-americana, apesar deste segmento populacional dizer respeito a aproximadamente 19% da população dos EUA. Por isso, é extremamente importante reduzir esta dissonância e reconhecer a excelência destes artistas.
West Side Story ,nomeado a 7 Óscares, corrige alguns erros do passado
A nova versão de “West Side Story” pode não alterar suficientemente a narrativa do filme de 1961 para justificar a sua existência, mas há algo muito importante a dizer sobre a sua presença entre os nomeados aos Óscares em 2022 e há algo ainda mais relevante a dizer no que a representação latina diz respeito. Se em tempos o “West Side Story” foi, convenhamos, uma história criada por população não-latina, maioritariamente para público não latino e onde os próprios latinos não tiveram lugar nem representação, os tempos mudaram e também as vontades.
Na primeira adaptação ao cinema deste musical de sucesso, a prática de pintar rostos para corresponder a uma certa ideia daquilo que é um “latino” foi aplicada, com atores de ascendência branca a interpretar personagens latinas, supostamente mais escuras, e daí a infame tinta. Inclusive, Rita Moreno, atriz que ficou conhecida pela sua interpretação como Anita na obra de 61, pela qual inclusive venceu o Óscar de Melhor Atriz Secundária, era a única verdadeira latina entre o elenco, tendo nascido em Porto Rico, um território incorporado dos EUA. Todavia, Rita revelou-se “demasiado branca” para os criadores da obra e foi artificialmente escurecida pelo departamento de maquilhagem, algo que revoltou bastante a atriz.
Agora, aos 90 anos de idade, Rita Moreno – a lenda viva com um rato EGOT – vitória de Emmy, Grammy, Óscar e Tony – volta a participar no filme, com uma nova personagem, secundária mas importante como apoio emocional e dona do palco de parte da ação mais relevante da obra. Desta vez, com orgulho, já não usa a maquilhagem castanha escura. Quanto à nota Anita, ela é Ariana DeBose, uma atriz afro-latina, descendente de família de Porto Rico, pertencente portanto a um grupo étnico tão ignorado que se torna praticamente invisível nos media norte-americanos.
DeBose, que veio da Broadway, encantou meio mundo com a sua nova versão de Anita, uma das personagens mais interessantes de “West Side Story” e é certo dizer que é uma das favoritas à estatueta dourada, podendo assim herdar o legado de Rita Moreno. De resto, este drama sobre as tensões raciais resultantes da falta de oportunidades num bairro esquecido de Nova Iorque também faz outra coisa bem, tem Rachel Zegler, uma atriz com influência colombiana e polaca, como a sua Maria. Em 1961, o papel de Maria foi criminalmente entregue a Natalie Wood, atriz branca, de origem russa, sem qualquer ascendência de sangue indígena da América Latina.
Um passo em frente na representação latina, Encanto retrata a latinidade em todos os seus tons
“Encanto” segue com nomeações a Melhor Filme de Animação, Melhor Banda-Sonora e Melhor Canção Original. A nova animação do momento foi escrita e realizada por Jared Bush, Byron Howard e Charise Castro Smith, tendo apenas a última sido educada no seio de uma família cubana. Mas não é por isso que “Encanto” não colocou uma ênfase considerável na autenticidade da representação latina e na transmissão de uma imagem credível da cultura colombiana representada. A equipa de desenvolvimento do filme foi à Colômbia, juntamente com o compositor das canções originais e co-criador da história, Lin-Manuel Miranda, para fazer reconhecimento de locais e entrar em contacto com os locais e com a sua cultura.
Esta visita foi muito importante para definir o tom, a imagética e as influências que iriam determinar a obra final. Para Lin-Manuel Miranda, compositor e ator de origem porto-riquenha nomeado ao Óscar pela sua música “Dos Oroguitas”, a primeira música que escreveu inteiramente em espanhol, a visita à Colômbia serviu para descobrir o som indicado para a banda-sonora, que viria a ser completada pela música de Germaine Franco, compositora de origem mexicana nomeada pelo seu trabalho de banda-sonora.
A sua função foi pegar nas músicas já compostas e criar uma sonoridade coesa, capaz de ligar as transições entre as canções e os diálogos, sempre de forma dinâmica. Aqui, Germaine faz história com a sua belíssima OST, pois ela é apenas a sexta mulher a ser nomeada pela sua banda-sonora e, mais importante, a primeira latina a figurar nesta categoria. Aliás, pode parecer chocante, mas “Encanto” faz história aqui, como o primeiro filme da Disney com uma mulher compositora – de sempre.
De resto, o elenco de vozes é composto por atores de origem latina, como Stephanie Beatriz ou John Leguizamo e a família Madrigal, protagonista da história, tem membros de todas as cores – personagens morenas, loiras, brancas, negras, que exibem, de forma inequívoca, o que muitos americanos parecem esquecer: os latinos (na acepção de latino-americanos) não se parecem de uma forma ou de outra, são influenciados, do ponto de vista cultural e identitário, por uma quantidade vasta de povos e origens.
Outros(as) importantes latinos e latinos que figuram nas nomeações aos Óscares
Como “Encanto” e “West Side Story” como as duas grandes histórias “latinas” desta edição dos Óscares, não podemos esquecer todos os outros nomeados em frente e atrás da câmara. Como por exemplo, o mexicano Guillermo del Toro, um dos realizadores mais importantes de Hollywood, volta em força à cerimónia com quatro nomeações, com um filme (“Nightmare Alley”) que em nada diz respeito à cultura latina, mas que ainda assim não pode deixar de ser mencionado.
Importante também é mencionar o filme “Bestia”, curta metragem chilena de stop-motion, nomeada na categoria de curta de animação. Esta obra do realizador Hugo Covarrubias, produzida e co-escrita por autores chilenos é uma história que tem vindo a conquistar o mundo. Uma curta de cariz histórico, que acompanha a polícia secreta do regime de ditadura militar do Chile. Em rotoscópio, o autor recupera a vida real de um agente de tortura e pinta um retrato de um regime totalitário, capaz de corromper até os seus próprios oficiais. Este drama psicológico de terror pode ter apenas 15 minutos de duração, mas é um dos filmes mais impactantes desta temporada e, simultaneamente, uma lição de história.
Das atrocidades contra a Humanidade para a falência do sistema governamental e de punição, “Please Hold” é uma curta norte-americana, nomeada na categoria de Melhor Curta de Imagem Real, realizada por K.D. Dávila, uma realizadora mexicano-americano que, através de um retrato algo cómico e com ficção científica à mistura, nos mostra, metaforicamente, o quão corrompido se encontra o sistema de justiça. No filme participam ainda os intérpretes latinos Erick Lopez, Doreen Calderon e Daniel Edward Mora.
Nota ainda para as nomeações de “King Richard”, num total de seis indicações, nomeadamente para Melhor Filme. A obra foi realizada por Marcus Reinaldo Green, um realizador de origem porto- riquenha. Ainda falando de algum talento latino presente nas nomeações, o filme “CODA”, nomeado a múltiplas categorias, conta com o bem-amado ator mexicano Eugenio Derbez no papel do mentor da personagem principal.
Os realizadores de origem latina nomeados não terminam por aí, com Carlos López Estrada, mexicano-americano, a ver o seu “Raya e o Último Dragão” nomeado na categoria de Animação. E não é que a categoria central de Animação está inundada por talento latinx? “Os Mitchell Contra as Máquinas”, da Netflix, é um dos favoritos nesta categoria e conta com um latino, de origem cubana, Phil Lord, como produtor à beira do Óscar.
Com vários realizadores, produtores, compositores e intérpretes de origem latina a figurar entre os nomeados aos Óscares em 2022, será que a introdução de novas regras e os escândalos do passado permitiram pintar uma nova e mais diversificada existência da cerimónia? Algo para manter no futuro e não apenas no curto futuro próximo. Esperemos que sim!
Consideram que a diversificação dos nomeados aos Óscares veio para ficar? O que pensam dos indicados em 2022?