E se os Óscares não distinguissem entre atores e atrizes?
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Em buca de maior igualdade de género no mundo do cinema, já houve quem propusesse que os Óscares deviam parar de separar os seus prémios de atuação entre homens e mulheres. Será que isso seria uma boa ideia?
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Quando, em maio, Emma Watson venceu um prémio pela sua performance em A Bela e o Monstro na cerimónia dos MTV Movie Awards, o seu discurso ainda deu muito que falar. É que o prémio dado a Watson não foi um mero troféu de Melhor Atriz, mas sim um galardão feito intencionalmente para não oferecer distinções de género, um prémio para a suposta melhor performance do ano, independentemente da identidade do intérprete.
No seu discurso, a atriz erroneamente falou do seu prémio de atuação como o primeiro na História a não separar os nomeados com base no seu sexo (algumas associações de críticos e festivais de cinema, por exemplo, fazem isto há décadas). Ignorando tal afirmação sem fundamento, é admirável o desejo de que o prémio simbolize o modo como atuar, não sendo algo diferente entre homens e mulheres, é simplesmente a arte de se colocar no lugar de outra pessoa.
Depressa muitas publicações, incluindo o prestigiado New York Times, desenvolveram a ideia em artigos que exigiam que tais iniciativas fossem tomadas por mais instituições de Hollywood, nomeadamente a mais respeitada delas todas, os Óscares. É fácil perceber a popularidade dessa ideia, mesmo não contando com questões de representação ou o modo como tais categorizações podem ser discriminatórias para pessoas com identidades que saiam do espectro binário de homem ou mulher. Afinal, há quem discorde da justiça latente às palavras da atriz que apresentou o prémio a Watson, Asia Kate Dillon, quando disse que a única distinção que se devia fazer é entre a qualidade das maravilhosas performances em si?
Tudo isto é fantástico no vácuo ideológico de uma utopia, mas o que é que aconteceria se os Óscares tivessem decidido, há anos, acabar com distinções entre homens e mulheres no que diz respeito a prémios de atuação? A triste verdade é que, muito provavelmente, quase nenhuma mulher venceria ou teria sequer a oportunidade de ser nomeada. Nada disso seria uma justa consequência de algum tipo de diferença qualitativa, mas sim mais uma mostra do sexismo institucional que permeia Hollywood, a indústria cinematográfica em geral, e a sociedade global em que vivemos – afinal, a inexistência universal de igualdade salarial entre géneros é, no fim, a recusa de reconhecer que homens e mulheres deviam receber a mesma recompensação pelo mesmo trabalho.
Veja-se, por exemplo, o que acontece em categorias onde a distinção de géneros não existe. Até agora, com quase 90 anos de existência dos prémios, apenas 4 mulheres foram nomeadas para o Óscar de Melhor Realização e somente Kathryn Bigelow venceu por Estado de Guerra. É óbvio que é mais difícil para uma realizadora conseguir fazer um filme e distribui-lo do que é para uma atriz conseguir um papel, mas não é qualquer papel que garante um Óscar ou uma nomeação.
A Academia sempre demonstrou uma preferência por obras anglófonas envolvidas numa pátina de prestígio e autoimportância, filmes históricos e dramas sérios sem frivolidades vistosas. Infelizmente essas ideias normalmente são vistas como antitéticas de feminilidade, por muito repulsiva que tal realidade possa parecer. A mania, que transcende a Academia, por celebrar prestações ditas de “Método” é um reflexo disso mesmo, uma celebração de esforço sério, visível e intrinsecamente masculino. Normalmente quando uma atriz faz o mesmo tipo de loucuras de Leonardo DiCaprio e Jared Leto em nome de um papel, não recebe Óscares ou admiração, mas sim Razzies e a reputação de ser “difícil”. Não acreditam? Vejam o exemplo de Faye Dunaway nos anos 80.
Focando-nos somente nesta década, nos filmes de 2010 a 2016 que foram premiados e nomeados pela Academia de Hollywood, repare-se na ínfima quantidade de histórias com protagonistas femininas entre os supostos Melhores Filmes do ano. Em 62 nomeados ao galardão de Melhor Filme desde 2010, só 18 títulos (descontando Indomável, pois a Academia categorizou Hailee Steinfeld como uma presença secundária) é que apresentaram personagens femininas em papéis principais. 8 desses 18, incluem ainda um coprotagonista masculino, como é o caso de La La Land e Mad Max: Estrada da Fúria.
Para além do mais, os filmes nomeados a Melhor Ator têm estatisticamente maior probabilidade de serem apreciados noutras categorias que os de Melhor Atriz. Neste mesmo período, tivemos 35 filmes nomeados para Melhor Atriz e 35 para Melhor Ator (La La Land, A Teoria de Tudo, Golpada Americana e Guia Para um Final Feliz são comuns às duas categorias) e, enquanto apenas três filmes com protagonistas masculinos se tiveram de contentar com uma só nomeação, houve 10 filmes nomeados a Melhor Atriz que não foram reconhecidos em mais categoria alguma.
25 dos filmes nomeados para Melhor Ator foram também nomeados para Melhor Filme, contra 14 dos nomeados para melhor Atriz. A Academia é muito mais predisposta a recompensar histórias sobre homens do que sobre mulheres, o que não surpreenderá ninguém quando vemos o modo como os grandes estúdios de Hollywood continuam a produzir uma oferta proporcionalmente minúscula de filmes com personagens femininas de relevo.
Com tudo isto dito, ainda nem mencionámos as diferenças usuais entre os atores e atrizes nomeados para estes prémios. Enquanto a idade média dos cinco nomeados para Melhor Ator ronda sempre a casa dos 40, a de Melhor Atriz varia de ano para ano dependendo da presença de Meryl Streep ou Judi Dench para inflacionar o número. É muito mais comum ver mulheres com menos de 30 anos serem nomeadas do que mulheres com mais de 40 – exatamente o oposto dos homens, onde idade significa mais probabilidade de ser nomeado e vencer.
Acima de tudo, é fácil ver como a Academia e a população em geral, estariam sempre mais dispostas a dar o prémio a um veterano da indústria com uma filmografia rica e o apoio dos estúdios do que a uma estrela do momento que está ainda a começar. No final, o resultado é sempre o mesmo. Um prémio de atuação sem diferenciação de géneros é uma ideia magnífica, mas, tendo em conta as injustiças de oportunidade e representação prevalentes na indústria cinematográfica, isto acabaria por roubar ainda mais oportunidades a atrizes e dificultar ainda mais a chegada de títulos de prestigio com personagens femininas aos cinemas.
Este artigo é só a primeira parte de uma série em que iremos examinar esse hipotético prémio unissexo de atuação ao longo das várias décadas dos Óscares. Vamos apenas considerar os nomeados e vencedores dos galardões para prestações principais, para tornar a decisão mais clara e evitar discussão de fraudes de categorização, e, para além disso, destacaremos também a prestação que, na nossa opinião, deveria justamente ter sido recompensada de entre os nomeados. Explora a galeria que podes abrir com o link abaixo para veres os casos dos últimos sete anos.
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2016/2017
Os vencedores: Emma Stone por La La Land – Melodia do Amor e Casey Affleck por Manchester by the Sea
Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Casey Affleck
É verdade que La La Land é um dos quatro filmes mais nomeados na história dos Óscares com umas estonteantes 14 nomeações. Com isso dito, o filme é um romance e, para além do mais, um musical romântico com um estilo vistoso que o torna apelativo em categorias mais técnicas, mas faz dele algo difícil de engolir para a Academia nas categorias de atuação e argumento. Não é por acaso, afinal, que ninguém realmente pensou que Ryan Gosling poderia vir a ganhar o Óscar. O seu trabalho, por muito exímio que seja, era demasiado leve em comparação com os epítetos sôfregos de Casey Affleck ou Denzel Washington.
Portanto, comparando uma prestação masculina, incrivelmente séria, trágica, que tinha sido apoiada por praticamente todas as associações de críticos do mundo com o trabalho de uma charmosa estrela de um musical, é fácil supor que Affleck sairia vencedor. Para além do mais, haveria sempre a justificação de que, Affleck está no pico da sua carreira, enquanto Stone está apenas a começar.
Certamente tal decisão seria polémica, tal como a vitória de Affleck foi na vida real. A recompensação de alguém com um historial de alegados assédios sexuais nunca é algo pouco controverso, mas, como as eleições presidenciais dos EUA nos mostraram, quando o indivíduo em questão é um homem branco a competir com uma mulher, não há passados duvidosos ou podridão moral suficientes para invalidar a sua celebração pública.
Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Isabelle Huppert por Elle ou Natalie Portman por Jackie
Dos dois efetivos vencedores dos Óscares, o trabalho taciturno de Affleck provavelmente receberia o nosso voto pela sua exímia representação dos efeitos paralisantes de culpa e perda numa pessoa. Stone é fantástica também, modulando uma personagem subdesenvolvida através de registos ora clássicos na sua espetacularidade romântica ora surpreendentemente subtis como o seu ultimo olhar trocado com Ryan Gosling no final da obra.
Escolher entre os dois seria uma prova muito difícil para o corpo votante da Academia. É claro que, entre os nomeados restantes, podemos encontrar outros trabalhos merecedores da estatueta doirada. Nomeadamente Natalie Portman e Isabelle Huppert em Jackie e Elle.
O tema chocante de Elle e o facto de o filme ser falado em francês diminuiu muito as hipóteses de uma vitória para Huppert, mas há que considerar como ela seria uma fantástica vencedora. Nesta obra, ela prova mais uma vez que é uma das melhores atrizes de cinema de sempre e, através de minuciosas escolhas de cadência e olhar, esta deusa gálica consegue até reforçar o lado humorístico desta narrativa sobre uma mulher a viver o rescaldo de uma brutal violação. Sem ela, o filme não funcionaria isso é certo, tal como Jackie cairia por terra sem a explosão de mimese cubista de Portman no papel principal. Mesmo a um nível puramente técnico de gestualidade e sotaque, é impossível imaginar alguém a superar Portman no papel da mulher de John F. Kennedy nos dias que se seguiram ao seu assassinato.
2015/2016
Os vencedores: Brie Larson em O Quarto de Jack e Leonardo DiCaprio em The Revenant: O Renascido
Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Leonardo DiCaprio
De todas as escolhas desta década, esta é a mais óbvia de todas. Depois de décadas a ser considerado como um dos melhores da sua geração, tanto pela crítica como pelo público, depois de uma quantidade grotesca de sucessos de bilheteira mundiais, depois de se ter tornado no mártir dos atores esquecidos pelos Óscares pelas comunidades cinéfilas online, depois de uma campanha incansável em que o ator fez tudo para relembrar as pessoas do seu esforço herculano e seus métodos extremistas na procura de naturalismo, seria preciso um milagre divino para que Leonardo DiCaprio não tivesse ganho o Óscar.
Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Cate Blanchett por Carol
Entre Larson e Dicaprio, não há dúvida que o trabalho de Larson é superior ao do seu colega Oscarizado. Por muito visceral que seja o esforço da estrela de The Revenant, existe uma unidimensionalidade imensa ao que o texto pede dele e, não obstante um magnífico trabalho físico, o ator nunca consegue construir uma âncora humana para os devaneios estilísticos do seu realizador. Mesmo o famoso olhar para a câmara que encerra o filme, parece pouco mais que um mecanismo afetado.
Larson, pelo contrário, cria um retrato extraordinário de uma mulher a quem foram roubados anos de vida, alguém que sofreu o inimaginável e que não encontra lugar no mundo a que sempre desejou voltar. Não queremos revelar demasiados spoilers sobre O Quarto de Jack, mas há que dizer como, na segunda metade do filme, Larson é particularmente louvável no modo como não idealiza a sua personagem. Nas mãos da atriz, esta jovem não é uma santa ou uma mera vítima, mas sim um ser humano complicado, com as suas peculiaridades egoístas, seus rancores feios e incapacidade de aceitar a realidade do seu próprio sofrimento. Para além do mais, a sua química com o jovem Jacob Tremblay é algo do outro mundo.
De entre todos os nomeados, no entanto, o Óscar deveria certamente ter caído nas mãos de Cate Blanchett pelo seu retrato da personagem titular de Carol de Todd Haynes. Durante toda a sua carreira, a atriz australiana demonstrou inegáveis habilidades dramáticas, mas há sempre uma dimensão levemente teatral prevalente a todo o seu trabalho. Por vezes, essa dimensão é aplicada de modo orgânico á caracterização que o filme exige dela, como é o caso de Carol. Exacerbando a afetação manienta de uma mulher da alta sociedade na América do pós-guerra, Blanchett parece conjurar um ser humano extremamente específico no seu posicionamento social e histórico, ao mesmo tempo que nos oferece a sugestão de uma multidimensionalidade emocional por detrás da sua fachada perfeita. O momento singular em que Carol confessa o seu amor à personagem de Rooney Mara é o maior feito cinematográfico na carreira de Cate Blanchett até agora.
2014/2015
Os vencedores: Julianne Moore em O Meu Nome é Alice e Eddie Redmayne em A Teoria de Tudo
Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Eddie Redmayne
Aqui, tal como acontece com 2013, temos uma previsão mais ou menos incerta. Por um lado, Julianne Moore teve uma esplêndida campanha que resultou não só na sua nomeação como na sua vitória. Aliás, esta foi uma das vitórias mais óbvias da noite, representando um reconhecimento da Academia a uma atriz com uma carreira longa, múltiplas nomeações anteriores e detentora de grande respeito pela parte da crítica internacional.
Com isso dito, Eddie Redmayne fez também uma campanha promocional de mestre, arrancando o Óscar das mãos de Michael Keaton, que mesmo estando no filme que ganhou o prémio principal da cerimónia (Birdman), não conseguiu bater o jovem ator inglês como Stephen Hawking. Olhando para trás, é óbvio ver como a vitória de Redmayne era praticamente assegurada.
Um filme biográfico de prestígio com sotaques ingleses a lhe darem um certo charme europeu para o público americano combinado com um papel inspirado numa figura real e famosa, que exige ao ator uma vistosa transformação física é o tipo de combinação que a Academia raramente consegue ignorar. Por isso mesmo, prevemos que, não obstante a maravilha que é o trabalho de Julianne Moore em O Meu Nome é Alice, Redmayne sairia vitorioso desta competição.
Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Marion Cotillard em Dois Dias, Uma Noite
A nomeação de Marion Cotillard para o Óscar por um drama belga de realismo social assinado pelos irmãos Dardenne foi algo surpreendente e quase miraculoso. Aqui temos o tipo de naturalismo interpretativo típico de certos tipos de cinema europeu que quase nunca é reconhecido pelos Óscares mas que, se tivesse ganho, seria certamente uma das melhores prestações a receber tal honra neste século XXI. Para além do mais, depois de ver tantos atores interpretarem versões açucaradas de depressão em filmes de Hollywood, a autenticidade de Cotillard neste filme é algo quase chocante, no bom sentido da expressão.
Entre os dois vencedores, o nosso voto recairia sobre Julianne Moore, tanto pela sua carreira notável, como pela qualidade do seu trabalho em O Meu Nome é Alice. Observar a atriz e a sua personagem lentamente a desmoronarem-se diante dos nossos olhos é uma experiência angustiante para qualquer pessoa que já tenha assistido a um semelhante definhar mental num ente querido. Para além do mais, a simples cena em que Alice faz um discurso público com a ajuda de um marcador é justificação suficiente para dar o prémio a Moore acima de Redmayne.
2013/2014
Os vencedores: Cate Blanchett em Blue Jasmine e Matthew McConaughey em O Clube de Dallas
Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Matthew McConaughey
Tal como em 2014, temos aqui uma atriz respeitada com uma prestação titânica que apaixonou crítica e audiências. O tipo de trabalho que parece garantir um Óscar. Só que, para Blanchett em 2013, haveria um problema. Ela já tinha um Óscar ganho pelo seu trabalho em O Aviador.
Essa prévia vitória, conjugada com a McConaissance teria quase de certeza resultado na sua perda do Óscar para Matthew McConaughey que, verdade seja dita, estava imparável em 2013 e 2014. Sucessos críticos, de bilheteiras e um smash hit televisivo como True Detective acompanhados de uma boa história de redenção e crescimento pessoal e artístico são ótimas maneiras de ganhar um prémio destes.
Para além do mais, o papel de McConaughey requereu que ele perdesse imenso peso e essa transformação física foi referenciada ad nauseum durante a sua campanha para o Óscar, mais uma vez apelando ao amor generalizado por atores capazes de levarem os seus corpos ao extremo em nome de encontrarem algum tipo de “verdade” em frente à câmara. O facto de o filme do ator texano ser baseado em factos reais também ajuda.
Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Amy Adams em Golpada Americana
O trabalho de Blanchett é impressionante sem dúvida, mas as escolhas da atriz são bastante óbvias e o filme é-lhe entregue de bandeja por Woody Allen. A sua tendência por sugar o oxigénio dos décors com pequenas explosões de afetação teatral é ocasionalmente algo bom para o filme e sua caracterização. Noutras cenas como um monólogo sobre gorjetas feito aos sobrinhos de Jasmine, essas afetações da atriz tornam o seu trabalho em algo que, apesar de impressionante, parece existir não como parte do filme em que se insere, mas como um espetáculo descontextualizado perdido no éter.
Os melhores momentos de McConaughey nunca são tão espetaculares como os de Blanchett, mas, como parte de um edifício fílmico coerente, o seu desempenho é mais louvável que o da atriz australiana.
O nosso voto, no entanto, seria dado a Amy Adams que consegue, quase que por magia, encontrar o registo perfeito para a estrambólica desventura dos anos 70 que saiu de mãos a abanar dos Óscares, apesar de 10 nomeações. Enquanto Jennifer Lawrence no mesmo filme caiu no lado da caricatura e Christian Bale tende a ser demasiado reativo na sua abordagem, Adams é uma perfeita mistura de tonalidades contrastantes, de absurdo hilariante, sensualidade performativa e traços de lacerante desespero prontos a quebrar a fachada de confiança que a sua personagem tão orgulhosamente exibe. O seu sotaque inglês intencionalmente mau é a cereja no topo do bolo. Além disso, mais vale alguém votar em Amy Adams, visto que a Academia parece nunca o ir fazer. Depois de cinco nomeações, a atriz continua sem o galardão mais cobiçado de Hollywood.
2012/2013
Os vencedores: Jennifer Lawrence em Guia Para Um Final Feliz e Daniel Day-Lewis em Lincoln
Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Daniel Day-Lewis
Daniel Day-Lewis é um dos atores mais respeitados do cinema atual, havendo mesmo quem o considere o melhor ator vivo ou o melhor ator de sempre. Aqui, ele estava a interpretar um dos maiores ícones da história americana num filme assinado por um dos realizadores mais respeitados de Hollywood. Ele já tinha ganho praticamente todos os prémios que podia ter ganho à face da terra por este desempenho quando conquistou o seu terceiro Óscar. Em suma, não obstante a popularidade esmagadora de Jennifer Lawrence, a estrela de Os Jogos da Fome nunca conseguiria ter batido o ator irlandês na corrida ao Óscar.
Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Daniel Day-Lewis
Certamente o tipo de filme, papel e realizador em questão, ajudaram Day-Lewsia a ganhar o Óscar pelo seu desempenho em Lincoln de Steven Spielberg. No entanto, nada disso invalida que esta seja uma das grandes prestações da década, um trabalho exímio de caracterização humanista com inteligentes subtilezas e variações dramáticas.
Haverá quem fosse votar muito justificadamente em Emmanuelle Riva pelo seu arrebatador trabalho em Amour ou em Joaquin Phoenix pela sua transformação em O Mentor, mas há algo em Day-Lewis como Abraham Lincoln que é irresistível. Talvez o melhor de tudo seja mesmo quão fácil o desempenho parece ser, não exibindo os usuais sinais de esforço e pose calculada que tantas vezes se manifesta em algumas das outras prestações mais aclamadas deste ator.
No que diz respeito a Lawrence, o seu trabalho em Guia Para Um Final Feliz é charmoso e uma boa montra para o carisma inato da atriz, mas é também incrivelmente superficial e uma caricatura estúpida do que Hollywood parece imaginar que depressão é. No mesmo ano Lawrence teve um desempenho muito mais merecedor de celebração em Os Jogos da Fome, mas a Academia nunca ousaria nomear um bom filme de ação e fantasia, quando pode dá-las a uma comédia dramática medíocre, vápida e simplista que, apesar de tudo, teve a benesse de ser distribuída e promovida como um “filme de prestígio”.
2011/2012
Os vencedores: Meryl Streep em A Dama de Ferro e Jean Dujardin em O Artista
Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Meryl Streep
O Artista ganhou o Óscar de Melhor Filme e foi certamente a obra favorita da Academia de entre todos os filmes de 2010. No entanto, Dujardin continua a ser até hoje um dos vencedores mais anómalos desta categoria e, em competição direta com a espetacularidade mimética de Meryl Streep como Margaret Thatcher, seria difícil imaginar alguém a votar no ator francês.
Depois da delícia que foi o comovente discurso de aceitação do prémio pela parte de Meryl Streep, até os mias ferozes críticos da atriz favorita da Academia teriam dificuldade em lhe negar esta terceira estatueta, ganha quase 30 anos após a sua vitória por A Escolha de Sofia.
Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Jean Dujardin
Meryl Streep é a eterna favorita da Academia, mas isso não significa que o mesmo tenha de ser verdade para todos os outros cinéfilos do mundo. Na verdade, de entre as atrizes nomeadas, o nosso voto provavelmente recairia sobre Viola Davis, que torna no coração pulsante do filme a sua personagem, que foi relegada a uma posição quase secundária pelo racismo estrutural de As Serviçais. Só o seu último confronto com Bryce Dallas Howard é melhor que a impressionante, mas não muito multidimensional, fotocópia comportamental que Meryl Streep fez da líder conservadora inglesa.
Com isso dito, sem distinções de género, a nossa escolha acabaria por ser a mesma que os Óscares fizeram na categoria de Melhor Ator e entregaríamos o troféu a Jean Dujardin. Afinal, que outro ator nos últimos tempos conseguiu de modo tão hábil evocar um estilo interpretativo de outros tempos, sem revelar afetações contemporâneas ou cair na paródia jocosa ou no mero pastiche?
O Artista tem os seus detratores, mas não deixa por isso de ser um milagre de execução técnica na sua reprodução dos estilos do cinema mudo americano dos anos 20. No entanto, sem o trabalho dos seus atores, nomeadamente do seu protagonista, não haveria precisão composicional ou classicismos rítmicos capazes de salvar a obra da condição de cópia vácua e incompleta. No final, é fácil imaginar O Artista a ganhar o Óscar de Melhor Filme sem a vitória de Dujardin, mas é impossível imaginar o filme sem a sua contribuição vital ao seu sucesso.
2010/2011
Os vencedores: Natalie Portman em Cisne Negro e Colin Firth em O Discurso do Rei
Quem ganharia se não houvesse distinção de género: Colin Firth
Colin Firth já era um respeitado e popular ator britânico quando, em 2009, entrou em Um Homem Singular de Tom Ford. No entanto, foi a sua prestação nesse filme que de repente o colocou nas bocas do mundo e o tornou parte do cânone popular dos melhores atores da atualidade. Esse filme, mesmo assim, não lhe valeu o Óscar, tendo ele perdido contra Jeff Bridges em Crazy Heart.
Isso até foi um golpe de sorte pois, no ano seguinte, a Academia teve a oportunidade de retificar o seu “erro” dando-lhe o galardão por O Discurso do Rei, um filme tão irresistível na sua convencionalidade respeitável ao gosto da Academia, que conseguiu bater aquele que até hoje é um dos filmes mais criticamente aclamados do século XXI, A Rede Social de David Fincher. 2ª Guerra Mundial, personagens verídicas famosas, uma história inspiradora em volta de homens, pomposidade típica do cinema britânico de época e um elenco recheado com alguns dos atores repetidamente nomeados a Óscares noutros anos, fizeram do filme e de Firth óbvios favoritos para a Academia na sua Awards Season.
Natalie Portman e a sua insana prestação em Cisne Negro também foram claros favoritos durante toda a Awards Season mas, contra um filme histórico, a Academia nunca escolheria recompensar um filme de terror psicológico. Aliás, isso viu-se bem quando, depois de ter dominado as categorias técnicas em quase todas as associações de críticos, o filme de Darren Aronofsky recebeu umas míseras cinco indicações para os Óscares.
Quem merecia ganhar se não houvesse distinção de género: Nicole Kidman em O Outro Lado do Coração
Nenhum dos dois vencedores dos Óscares para intérpretes em papéis principais de 2010 foi mau ou mesmo medíocre. Diríamos mesmo que Firth e Portman contribuíram duas notáveis prestações para uma lista de desempenhos que nem sempre prima pela coerência qualitativa ao longo da sua história de quase 90 anos.
Sendo isso verdade, não deixa também de ser certo que poucas prestações nos últimos anos demonstraram o tipo de violência emocional que Nicole Kidman consegue produzir com um mero olhar em O Outro Lado do Coração. Adaptado de uma peça vencedora do Pulitzer, este filme de John Cameron Mitchell deu uma oportunidade sem igual à atriz australiana para mostrar que, mesmo depois de uns quantos anos a ser progressivamente rejeitada por críticos e fãs, ela ainda era uma das melhores do mundo na sua área.
Este estudo da perda de um casal cujo filho foi atropelado mortalmente não é uma obra muito conhecida nem um filme particularmente agradável de se experienciar, mas, para fãs de grande atuação, é visionamento obrigatório, nem que seja somente pelas cenas que Nicole Kidman partilha com Miles Teller.
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Em artigos futuros vamos explorar o que aconteceria se este hipotético prémio sem distinções de género para atores tivesse sido implementado antes na História da Academia de Hollywood. A uma primeira análise pode-se julgar que, quanto mais nos distanciamos do presente, menor seria a oportunidade para mulheres, mas as nossas conclusões nem sempre indicam isso. Não percas!
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