©The Stone and the Plot

Para Sempre Mulher, em análise

The Stone and the Plot volta a dar destaque a uma obra de Kinuyo Tanaka, desta vez a longa-metragem “Para Sempre Mulher”.

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Trata-se de um nome indissociável da História do Cinema do Japão, um rosto que marca a diferença nos quase trezentos filmes em que participou e onde cedo adquiriu o estatuto de musa. Ficou célebre a sua associação a Kenji Mizoguchi, com quem se dizia existir uma relação muito para além da profissional (relação, aliás, salvo melhor informação, nunca confirmada). Foi seguramente uma actriz versátil, rigorosa, uma estrela do firmamento da arte performativa nipónica.

KINUYO TANAKA, O OLHAR DA MULHER E O ETERNO FEMININO

Para Sempre Mulher
©The Stone and the Plot

Trabalhou, para além do cineasta já referido, com os grandes mestres responsáveis por um bom número de clássicos da sétima arte, concebidos no seio da multifacetada indústria cinematográfica japonesa. Integrou-se ainda adolescente, mais precisamente aos 14 anos, no sistema de estúdios que sustentava uma prolífica e vigorosa produção, orientada sobretudo para o mercado interno, a mesma que a partir de meados do Século XX intensificou, multiplicou e alargou a sua influência com a exposição e exportação das suas inegáveis qualidades junto dos circuitos internacionais do Ocidente, nomeadamente através da inclusão de muitas das suas melhores obras nos festivais e retrospectivas que passaram a contar com a sistemática descoberta do cinema japonês ou, em alguns poucos casos, a redescoberta de uma cinematografia que hoje se perfila como uma das mais importantes do mundo, fonte de prazer e usufruto cinéfilo para muitas e sucessivas gerações. Falamos da actriz Kinuyo Tanaka, que a produtora e distribuidora THE STONE AND THE PLOT, em boa hora, decidiu dar a conhecer na sua actividade de realizadora, programando e promovendo a estreia das suas seis longas-metragens.

INTEGRAL KINUYO TANAKA (Primeira Parte)

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1955: CHIBUSA YO EIEN NARE (PARA SEMPRE MULHER)

Para Sempre Mulher
©The Stone and the Plot

Terceira longa-metragem assinada pela actriz enquanto realizadora. No argumento encontramos Sumie Tanaka, que com ela partilhava o desafio e o desejo de produzir filmes com um inequívoco olhar feminino a partir da experiência pessoal de multifacetadas relações materiais e espirituais. Filmes apoiados em argumentos estruturados com base na observação das situações quotidianas ou do passado histórico do seu país. Filmes para mulheres feitos por mulheres, onde as circunvoluções existenciais que definem a sensibilidade própria da condição feminina encontrasse a melhor razão de ser. Deste modo, PARA SEMPRE MULHER, de entre o primeiro lote de filmes que podemos ver em sala, será talvez o mais próximo da personalidade da realizadora. Inspira-se na vida assombrada de uma mulher que realmente existiu, a poetisa Fumiko Nakajo (1922-1954), que ficou famosa pela sua mestria na escrita da poesia Tanka, poemas curtos que se enquadram num estilo muito apreciado e venerado da poesia clássica japonesa. No filme, o papel desta personagem, igualmente chamada Fumiko, foi entregue a Yumeji Tsukioka que, dirigida por uma actriz com larga experiência, parece irradiar uma energia vital de cada vez que surge isolada num plano, numa sequência, onde a sua prestação se conjuga na perfeição com os restantes intérpretes, mesmo quando as adversidades da sua vida aqui ficcionada parecem querer derrotar a sua força de vontade, o seu ímpeto de comunicar com os outros, os que ama e os de quem espera ser amada. Seja como for, parece evidente que uma actriz, com um projecto artístico e um pensamento programático preciso, quando dirige outra actriz pode seguramente adicionar um significado particular a momentos de uma singular eficácia, nomeadamente quando alguns desses momentos adquirem uma dimensão subliminar que amplifica um radioso e subtil erotismo, como podemos ver na sequência do banho de Fumiko em casa de uma amiga, não por acaso, imersa na mesma banheira onde já víramos anteriormente o seu secreto e sempre discreto amante, Taku Hori, nem mais nem menos o marido da anfitriã.

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Para Sempre Mulher
©The Stone and the Plot

Desde o início da narrativa proposta pela realizadora e pela argumentista que não podemos deixar de ficar do lado de Fumiko, sobretudo a partir do momento em que ela descobre que o marido está envolvido com outra mulher. Divorciada desta figura antipática, perde a guarda dos seus dois filhos. Entretanto, descobrimos que a sua paixão pela cultura literária e em particular pela arte poética leva Fumiko a frequentar um círculo de intelectuais onde conhecera o já citado Taku Hori (interpretado com imensa segurança por Masayuki Mori). Estamos no Norte do Japão, na região do Hokkaido, num espaço circundado por uma Natureza de grande beleza mas onde as relações humanas se estabelecem com parcimónia. Os dias correm longos e sem grandes sobressaltos, quer para o bem quer para o mal. Um mundo muito diferente daquele que se vive nas atmosferas mais ou menos frenéticas da grande cidade. Kinuyo Tanaka sabe bem como filmar estas superfícies banhadas por uma luz fria, paisagens que moldam o espírito e a sensibilidade de quem nelas circula, acabando por consolidar e acrescentar um certo sabor de amargura e cor cinzenta a uma série de rotinas do dia-a-dia, que se repetem quase de forma automática. Para Fumiko a grande cidade está longe, mas ela, a cidade, pode fazer a viagem ao contrário e enviar para junto da mulher e artista um jornalista com o propósito calculado de saber mais sobre aquela poetisa que alguns preferiam ignorar. Na verdade, os seus poemas cada vez mais realistas e contundentes incomodam algumas mentalidades conservadoras, mas ao invés parecem despertar o interesse por outras maneiras de ver, mais arejadas e modernas, pelo menos na aparência. Ryoji Hayama interpreta o jornalista por quem Fumiko irá nutrir uma derradeira e mais uma vez secreta paixão antes de sucumbir ao cancro que a vitima. Neste filme fica patente de forma exemplar a dialéctica que a realização pretende e consegue estabelecer entre os momentos de felicidade e os momentos de dor, assombrados pelo espectro da morte, que pairam sobre a consciência daquela que sofre as consequências directas da doença e daqueles que com ela partilham a sua energia, mesmo quando a chama se vai apagando, como a luz da vela antes de se extinguir no pavio que a mantinha acesa. Trata-se de um filme construído nos limites da vida e nas margens da morte, onde a ascensão, a fama e o proveito, os afloramentos de felicidade presentes na carreira de uma autora, contrastam com as suas angústias e a certa altura com o seu grito velado, quase surdo, onde no entanto podemos ouvir com nitidez a límpida vocalização do desejo de ser apenas e para sempre MULHER. E quem for ver este filme numa sala perto de si não pode deixar de ficar rendido ao conjunto de planos que compõem uma das mais duras e belas sequências do cinema de qualquer país ou época. Perto do fim, o seu e o do filme, Fumiko pede que lhe lavem os cabelos. Kinuyo Tanaka filma-a como se ela fosse uma deusa num ritual, antes de ser sacrificada num lugar de expiação, no altar que encerra o princípio e o fim. E nós assistimos ao derradeiro acto vital que lhe devolve o prazer das coisas iminentemente simples e sumamente frágeis que, não obstante, nos devolvem a força e energia capazes de dominar e confrontar o prenúncio do destino. Magnífico.




Para Sempre Mulher, em análise
Kinuyo Tanaka

Movie title: Chibusa yo eien nare

Movie description: Hokkaido, norte do Japão. Fumiko vive um casamento infeliz. O seu único consolo são os seus dois filhos e um clube de poesia que revela ser a sua principal escapatória, permitindo visitas à cidade. Aí encontra Taku Hori, o marido da sua amiga Kinuko que, como ela, escreve poemas. Ela sente-se cada vez mais atraída por ele, porém Fumiko é diagnosticada com cancro da mama. Enquanto os seus poemas são publicados, ela sujeita-se a passar por uma mastectomia. A jovem mulher descobre, então, a paixão por um jornalista que vem visitá-la ao hospital.

Date published: 6 de April de 2023

Director(s): Kinuyo Tanaka

Actor(s): Yumeji Tsukioka, Ryôji Hayama, Junkichi Orimoto, Hiroko Kawasaki, Shirô Ôsaka

Genre: Drama, 1955, 109min

  • João Garção Borges - 90
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