História dos Óscares | Talento asiático de Yuh-jung Youn e Miyoshi Umeki
Yuh-jung Youn pode tornar-se apenas a 2ª atriz asiática a arrecadar um Óscar de interpretação. Celebramos o seu talento neste artigo especial.
Yuh-Jung Youn parece ser a atriz mais amada nesta temporada de prémios 2020/2021. Depois de algumas indecisões dos Globos de Ouro, que entregaram o galardão de Melhor Atriz Secundária a Jodie Foster por “O Mauritano” e dos Critics Choice Awards terem escolhido a jovem búlgara Maria Bakalova por “Borat Subsequent Moviefilm”, Yuh-Jung Youn tem vindo a conquistar mais prémios e é agora a favorita para a vitória do Óscar de Melhor Atriz Secundária.
Além disso, com a incerteza gerada para o Óscar de Melhor Atriz os holofotes e discussões cinematográficas virtuais viraram-se em parte para a avozinha doce de “Minari”, obra de Lee Isaac Chung na corrida a 6 Óscares, cujo trailer podes ver abaixo.
A veterana atriz coreana nascida em 1947 fez história nos Screen Actors Guild Awards ao tornar-se a primeira pessoa asiática a arrecadar um prémio SAG individual de interpretação e ofereceu o melhor discurso da noite dos BAFTA, entregues no passado dia 11 de abril, ao vencer o prémio de Melhor Atriz Secundária (ver abaixo).
Caso triunfe nos Óscares, tornar-se-á a primeira atriz coreana a obter tal honra, a terceira atriz mais velha de sempre a vencer na categoria, e apenas a segunda atriz da Ásia Oriental a vencer um Óscar, seguindo-se à japonesa Miyoshi Umeki pela obra “Sayonara” (Joshua Logan, 1957). Achámos razão mais do que suficiente para reavivar a memória dos nossos leitores para essa interpretação e, ao mesmo tempo, antecipar a estreia de “Minari” que chega aos cinemas portugueses a 13 de maio de 2021.
Hoje em dia aparentemente poucos espectadores falam de “Sayonara“. Se não fosse o êxito de “Minari”, a longa-metragem de Joshua Logan estaria esquecida da memória de muitos. A sua importância na história do cinema foi deixando de ser sentida, ao contrário de outros filmes do seu ano de produção.
Por um lado, a indiferença perante esse filme decorre do simples facto de Hollywood não ter conseguido dar continuidade a história do género, sobre os entrelaçamentos entre a cultura americana e asiática oriental. Por outro lado, “Sayonara” conseguiu dar um passo importante em frente, mas alguns passos atrás. Os produtores pensaram primeiro em Audrey Hepburn para interpretar a mulher japonesa par romântico de Marlon Brando, (convite ao qual a atriz recusou). Mesmo assim, no elenco acabamos por ter um ator latino, Ricardo Montalban, num papel de um homem oriental, algo bastante recorrente na indústria e que se revela um dos piores castings para uma trama que pretendia ser progressista.
Para mais, foram poucos os intérpretes orientais que se seguiram a Miyoshi Umeki na corrida à estatueta dourada. Mais nenhuma ator da Ásia Oriental ou de descendência asiática, à excepção de Haing S. Ngor por Terra Sangrenta (1984), levou um Óscar para casa e isso deixa um profundo vazio em termos de representatividade na história dos prémios. De qualquer forma, Miyoshi Umeki trespassa como importante rosto para a mudança.
A sua vida profissional começou ainda no Japão, e depois de aparecer no musical japonês “Seishun Jazu Musume” (Shûe Matsubayashi, 1953) foi para os Estados Unidos da América. Apareceu primeiro na série de TV “Arthur Godfrey and His Friends” (1949 – 1959) e em 1955 foi chamada por um agente de casting da Warner Bros., que lhe propôs um teste para Joshua Logan, o realizador de “Sayonara”. De qualquer maneira, a sua carreira profissional foi curta e apenas limitada a 20 anos. A sua última participação foi na série de televisão “The Courtship of Eddie’s Father” (1969-1972), que lhe valeu uma nomeação ao Globo de Ouro. Até à sua morte sempre se recusou a dar entrevistas e a falar dos projetos em que participou, razão para que o material de arquivo seja bastante escasso.
A vitória de Miyoshi Umeki com o Óscar de Melhor Atriz Secundária aos 28 anos abriu algumas portas, mas não todas. Não queremos ser tão pessimistas, mas haverá que reconhecer uma falha do sistema e da Academia, composta maioritariamente por homens brancos de meia-idade, que não tem beneficiado artistas orientais no mundo do entretenimento hollywoodesco e que os marginalizou muitas vezes sem piedade. Acresce o facto de muitos cinéfilos apenas reconhecerem “Sayonara” pela sua produção técnica ou pela fervorosa interpretação de Marlon Brando, um rebelde militar que contraria as suas convicções, e com isso, contraria as imposições do Estado.
E que história nos conta “Sayonara”? O filme transporta-nos para a rotina de um major da Força Aérea dos EUA (Marlon Brando) que se apaixona por uma linda artista japonesa, embora se oponha ao casamento entre os soldados americanos e as mulheres japonesas. O filme é claramente uma aproximação da cultura norte-americana à cultura asiática, respetivamente à cultura do Japão. É uma autêntica americanização do Japão, país ocupado desde 1945 e 1952. Não deixa de ter um lado emocional, e de ser rodado com enorme maturidade por parte de Joshua Logan, mas parece servir muitas vezes os interesses da indústria de mostrar Marlon Brando no seu papel de galã e símbolo sexual da Era Dourada de Hollywood.
“Sayonara” lida com a questão racial, entre os americanos brancos e os asiáticos orientais, mas assume-se sempre do ponto do vista americano. Adaptação do livro de James A. Michener, “Sayonara” mescla as culturas ocidental e oriental para lidar com preconceitos da primeira face à segunda e inclui mensagens subtis de aceitação, mas outras de racismo. É uma obra com um toque clássico, que parece aproveitar de alguma maneira para sarar as feridas de dois países fragilizados pelos conflitos armados da Segunda Grande Guerra.
Vê o trailer de “Sayonara” a seguir.
“Sayonara” é bastante trabalhado do ponto de vista técnico, mais até do que em questões de argumento. A grandiosidade do Japão, país em fase de boom económico no pós-derrota da Segunda Guerra Mundial, contrasta perfeitamente com uma Hollywood fantasista e fomentadora de épicos cinematográficos memoráveis, de algo que pudesse conectar aqueles dois países outrora rivais. Se o livro é mais realista, o filme tomou algumas liberdades e confere à história o final feliz obrigatório a Mike, personagem de Marlon Brando, que deixa cair por terra as suas convicções em prol do amor por Hana-Ogi (Miiko Taka).
A personagem de Miyoshi Umeki não é par romântico da personagem de Marlon Brando, mas de Red Buttons e os dois provam que não há regras para amar. São um casal humilde, que pretende superar as adversidades sociais e viver em harmonia. A história de Joe Kelly (Red Buttons) e Katsumi (Umeki) é mais interessante que a de Mike, pelo seu relacionamento ser abordado de forma genuína, sem a tendência em racializar. Ora Joe está vestido com um kimono, ora Katsumi quer aprender a falar inglês e os dois explicitam em pequenos gestos quotidianos as dualidades entre culturas distintas, mas próximas em valores. São praticamente os heróis desta trama, e embora crucificados socialmente, assumem-se como representação dos mais de 10 mil militares americanos que violaram as regras e se casaram com japonesas.
Se o mundo já mudou alguma da visão sobre os relacionamentos inter-raciais, que deixaram de ser o único foco das narrativas, ainda há algo de relevante sobre a história de “Sayonara”, que o tornam num filme que vale a pena ser retirado da prateleira. Miyoshi Umeki e Miiko Taka jamais serão esquecidas pelos seus pequenos importantes papéis instigadores da mudança, mesmo que a indústria não tenha sido justa para com elas e lhes tenha dificultado a vida em termos profissionais. Positivamente,”Sayonara” quebrou várias barreiras. Desde logo, foi o primeiro filme de Hollywood com um beijo na boca entre uma estrela branca e uma mulher asiática (Anna Way Wong, a primeira atriz americana-chinesa de Hollywood, sempre esteve proibida de beijar homens nos filmes pelas leis de americanas de miscigenação). Com “Sayonara” somos transportados para um tempo difícil da América, mas de uma forma bastante emotiva e que nos faz ver alguma coisa da identidade oriental.
Sejamos honestos, nos últimos anos a Academia tem feito algum esforço para mudar o paradigma de Hollywood. Reconhecemos que filmes sobre asiáticos e com asiáticos, ou realizados por asiáticos podem receber alguns votos nas nomeações e na entrega de prémios. Basta pensar no caso do taiwanês Ang Lee e nos seus filmes “A Vida de Pi” (2012) ou “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005) pelos quais tornou-se o primeiro asiático a vencer o Óscar de Melhor Realizador. Em termos de atores, vários asiáticos e orientais estiveram na corrida às estatuetas douradas, mas depois de Miyoshi Umeki seria preciso esperar até 2004 para uma atriz asiática voltar a ser nomeada ao Óscar. Falamos da iraniana Shohreh Aghdashloo pelo filme “Uma Casa na Bruma” (Vadim Perelman, 2003) curiosamente ao Óscar de Melhor Atriz Secundária, categoria à qual Yuh-Jung Youn está nomeada e Miyoshi Umeki venceu. Antes de Youn, a última atriz da Ásia Oriental nomeada na categoria foi Rinko Kikuchi por “Babel” (Alejandro G. Iñarritú, 2006), o primeiro desempenho em Língua Gestual Japonesa na corrida aos prémios mais prestigiadas da Academia. Foi mesmo a primeira nomeação para uma mulher numa língua asiática.
Relembremos agora o discurso de vitória nos Óscares 1958 de Miyoshi Umeki no vídeo a seguir.
Em termos de história dos Óscares, “Sayonara” obteve 10 nomeações aos Óscares 1958. Venceu 4: Melhor Ator Secundário (Red Buttons), Melhor Atriz Secundária (Miyoshi Umeki), Melhor Direcção de Arte (Ted Haworth, Robert Priestley), Melhor Gravação de Som (George Groves) e concorria ainda a Melhor Filme, Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado (Paul Osborn), Melhor Fotografia (Ellsworth Fredericks), Melhor Montagem (Arthur P. Schmidt, Philip W. Anderson).
Nesse ano, “A Ponte sobre o Rio Kwai” foi o grande vencedor dos Óscares e um dos seus atores, Sessue Hayakawa, tornou-se ser o primeiro ator asiático na corrida ao Óscar de Melhor Ator Secundário.
“Minari“, por sua vez, é um filme sobre a autenticidade da família, uma história sobre imigração e crucialmente a procura de uma ‘casa’. “Minari” é composto por temas universais, com os quais todos nós nos identificamos. A avó de Yuh-Jung Youn é a representação mais pura das nossas avós, sejam elas asiáticas, europeias, africanas, americanos ou oceânicas. A universalidade da representação de Yuh-Jung Youn faz-nos contemplar a sua interpretação além da sua etnia. “Minari” é um filme sobre a humanidade das relações familiares e das relações humanas.
No filme, Yuh-Jung Youn dá vida a Soon-ja, uma mulher de meia-idade que se muda da Coreia para a fazenda da sua filha em Arkansas, a fim de ajudá-la a lidar com o crescimento dos seus filhos. O seu objetivo é ganhar a confiança e o carinho dos seus netos David (Alan Kim) e Anne (Noel Kate Cho), jovens americanos com um certo receio perante aquela desconhecida vinda de outro continente, cujo caráter é diferente ao costume e que se comporta com é, ou seja, como uma coreana. O próprio David afirma que a avó “cheira como a Coreia”, sendo essa uma atitude infantil e inocente, embora possam ser comparável aos maliciosos comentários de muitos americanos adeptos de políticas de Donald Trump.
Mas Soon-ja não se deixa abater pelos comentários do neto e é uma mulher convincente dos seus valores, alguém que sabe envelhecer, e sabe também enfrentar os medos das crianças como a parte da genuinidade que marca a respetiva geração. Graças ao trabalho de Yuh-Jung Youn “Minari” de Lee Isaac Chung acaba por ser uma experiência humana sobre alguém que se ajusta ao novo ambiente, independentemente da sua idade. Vale a pena ver a entrevista abaixo, para conhecer mais sobre o talento desta coreana, habituada a papéis secundários em “Chansil-ineun bogdo manhji” (Cho-hee Kim, 2019) e “Hanyo” (Sang-soo Im, 2010) e que dá agora o salto para Hollywood.
Os aplausos mundiais para Yuh-Jung Youn confirmam a celebração do talento asiático que já vem do ano passado, depois da vitória do filme “Parasitas” em 4 categorias dos Óscares, incluindo Melhor Filme e Melhor Realizador e até a vitória nos SAG Awards para Melhor Elenco. Aliás, a própria atriz em entrevista recente ao The New York Times reconheceu a importância histórica da obra de Bong Joon Ho e se a sua vitória acontecer é uma bonita continuidade de que as vitórias desse filme sobre a luta das classes sociais no mundo capitalista, não foram isoladas.
Depois de “Parasitas” veio “Minari”, mas outros tantos poderão seguir-se. Na verdade, se olharmos bem para os nomeados deste ano, temos “Nomadland – Sobreviver na América”, realizado por uma mulher chinesa, Chloé Zhao, como o grande favorito ao Óscar de Melhor Filme e Melhor Realizador. Os dados estão do lado dos artistas do maior continente do mundo, onde é também produzido e visto mais cinema.
Yuh-Jung Youn pode também juntar-se a uma pequena elite de atores internacionais celebrados pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas por interpretações em língua não inglesa.
Sophia Loren abriu portas ao mundo de talentos do mundo inteiro, com a sua interpretação em italiano em “Duas Mulheres” (Vittorio De Sica 1961), vencedora do Óscar de Melhor Atriz. Seguiu-se Robert De Niro que venceu o Óscar de Melhor Ator Secundário pelo seu desempenho, também em italiano em “O Padrinho: Parte II” (Francis Ford Coppola, 1974). Ainda na lista da língua italiana, Roberto Benigni foi o único a ganhar o Óscar de Melhor Ator por “A Vida É Bela” (Roberto Benigni, 1998). Seguiu-se Benicio del Toro for “Traffic” (Steven Soderbergh 2000), no qual falava espanhol, depois Marion Cotillard, que em francês deu-nos a sua Edith Piaf de “La Vie en Rose” (2007). Outros atores que poderíamos juntar nessa lista são Penélope Cruz, que interpreta uma mulher à beira de um ataque de nervos em “Vicky Cristina Barcelona” (Woody Allen, 2008) e o sarcástico Christoph Waltz em “Sacanas sem Lei” (Quentin Tarantino, 2009). No entanto, as suas personagens falam maioritariamente em inglês, ao contrário dos nomes citados antes.
Yuh-Jung Youn e Steven Yeun, o protagonista de “Minari” tornaram-se os primeiros atores nomeados por interpretações em língua coreana. Ainda não é certa a vitória de Yuh-Jung Youn, mas temos a certeza que se destaca da concorrência. Na corrida nesta categoria temos ainda Maria Bakalova (“Borat Subsequent Moviefilm”), Glenn Close (“Lamento de uma América em Ruínas”), Olivia Colman (“O Pai”) e Amanda Seyfried (“Mank”). Ficaremos a saber quem vencerá no próximo dia 25 de abril. Qual é a tua favorita nesta categoria? Achas que “Minari” pode surpreender na categoria de Melhor Filme?
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