"Retrato da Rapariga em Chamas"/"Tenet"/"O Ninho" | © Midas Filmes/© NOS Audiovisuais

TOP MHD | Os melhores filmes de 2020

2020 foi um annus horribilis sem precedentes, mas o cinema foi uma das poucas fontes de alívio durante esses malditos meses. Chegado o fim, a MHD, decide constatar quais foram os melhores filmes do ano que passou, desde intrigas da Velha Hollywood até romances setecentistas.

Este ano que passou foi um ano para esquecer. Tanto horror aconteceu, desde a pandemia a violência racista, que não censuraríamos ninguém que quisesse apagar 2020 dos livros de História na sua mente. Apesar disso, nem tudo foi mau. O cinema, por exemplo, foi bastante bom e trouxe-nos várias maravilhas que ajudaram a tornar o confinamento um pouco mais tolerável. Ao contrário do que muitos dizem, em 2020, o cinema manteve os seus níveis de excelência e, em alguns casos, até rebentou com a escala.

A maior mudança paradigmática do ano foi certamente a razia de megaproduções dos grandes estúdios, blockbusters cheios de efeitos especiais, gigantescos orçamentos e receitas de bilheteira a condizer. “Os Novos Mutantes”, “Tenet” a “Mulher-Maravilha 1984” lá tentaram, mas os lucros das salas têm estado em baixo. Esperamos que isso não signifique o fim da sala de cinema como a conhecemos, é claro. Por muito que gostemos dos streamers, nada substitui o êxtase de ver um filme no grande ecrã, qual janela para outro mundo que se abre na escuridão.

Esperemos que, com o advento de vacina, possamos todos voltar em segurança às salas de cinema. Até lá, continuamos a celebrar o cinema dentro e fora de casa, com máscara ou no televisor. Mesmo reduzido ao monitor de um portátil, o cinema vai sobreviver. Já sobreviveu ao advento da longa, do som, da cor, da televisão, do 3D e tanto mais, que não vai ser o COVID-19 a deitar abaixo a sétima arte. O cinema mantém-se forte e nós cá estamos para o celebrar.

Foi num processo com duas rondas de votos que apurámos o nosso top 10 MHD do ano que passou. Em termos de critérios de elegibilidade decidimos contar com todo o filme, longa-metragem ou curta, que tenha sido distribuída em Portugal, quer seja em sala, num serviço de streaming ou Video on Demand. Para começar, vamos ter menções honrosas e depois é fazer contagem decrescente até chegarmos àquele que a redação do site julgou o melhor filme de 2020.

Sem mais demoras, aqui fica o nosso Top MHD oficial. Usa as setas para navegares o artigo e não te esqueças de deixar comentário caso tenhas algo a acrescentar.




MENÇÕES HONROSAS

soul critica disney+
© Disney

Primeiro, antes de nos aventurarmos pelo top 10, ficam aqui umas menções honrosas. Nenhum destes filmes teve pontuação suficiente para chegar ao topo nas nossas duas rondas de votos, mas tiveram seus fãs ferrenhos. Talvez até encontres os teus favoritos aqui. Eles são:

TUDO ACABA AGORA de Charlie Kaufman – Desde o tempo em que escrevia os filmes de Spike Jonze que Charlie Kaufman se tem vindo a afirmar como uma das mentes mais endiabradamente criativas do cinema moderno. Em “Tudo Acaba Agora” ele enredou e realizou um filme que olha para dentro da mente do artista, para as suas inspirações e frustrações. Trata-se de uma obra introspetiva, quase opressiva, que sustenta seu jogo graças às performances brilhantes de Jessie Buckley e Jesse Plemons.

UM AMIGO EXTRAORDINÁRIO de Marielle Heller – Quando primeiro se falou num drama biográfico sobre Fred Rogers, houve quem se amedrontasse com conjeturas de um meloso exercício em nostalgia babada. A fita de Marielle Heller foge a tais fados graças a uma sagaz reconfiguração temática. Longe de ser um filme sobre ídolos da televisão infantil, esta é uma autópsia de masculinidade tóxica com uma prestação formidável de Tom Hanks no seu centro.

AMERICAN UTOPIA de Spike Lee – Em tempos de muito tormento e desespero sem fim, é difícil esquecer as mágoas do mundo e acreditar que há esperança para o futuro. Sem negar a miséria presente ou o sofrimento histórico, David Byrne conjurou esse inefável raio de esperança nos palcos da Broadway. Spike Lee apontou-lhe as câmaras e o resto é história e um dos melhores filmes-concerto das últimas décadas.

O HOMEM INVÍSIVEL de Leigh Whannell – Nesta época de constantes remakes e reboots, “O Homem Invisível” representa um ideal platónico. Ao invés de repetir a mesma charada que já foi contada mil vezes, Leigh Whannell redefine a figura titular como um namorado abusivo e faz da sua vítima a protagonista da história. No final, dessa alquimia saiu uma criação aterrorizante, tão psicologicamente acutilante quanto rica em visões de violência cinematográfica. Elisabeth Moss é simplesmente sublime no papel principal.

SOUL – UMA AVENTURA COM ALMA de Pete Docter e Kemp Powers – A Pixar continua a sua tradição de entreter miúdos e fazer graúdos pensar sobre as grandes questões da nossa existência. Qual é o sentido da vida? O que é identidade? Viver sem propósito vale a pena? Estas são algumas das questões propostas por esta mirabolante história que se desenrola entre planos metafísicos ao som de jazz contemporâneo.




10. MANK de David Fincher

mank-critica
© Netflix

Para vermos o futuro, há que olhar para trás. Na missão de averiguar o que virá para a sétima arte, temos de mirar o seu passado, perscrutar as suas idiossincrasias e desvendar os seus mais secretos mistérios. Em certa medida, essa foi a filosofia que David Fincher trouxe ao seu mais recente filme. “Mank”, produzido e distribuído pela Netflix, regressa à Era Doirada de Hollywood, quando os estúdios eram como impérios e seus donos eram reis a mando de imperadores milionários.

Baseando-se num argumento escrito pelo seu pai nos anos 90, Fincher conta uma das histórias mais lendárias e mal contadas da Hollywood antes da Segunda Guerra Mundial. Trata-se da desventura de Herman Mankiewicz pela alta sociedade californiana e sua observação do degredo moral envolto na eleição governatória de 1934. Segundo “Mank”, essas experiências vieram a metastizar na mente do argumentista que assim escreveu o grandioso “Mundo A Seus Pés” com base nas manipulações políticas de William Randolph Hearst.

Para quem presuma que este é um retrato das filmagens da primeira longa-metragem de Orson Welles, desenganem-se. Os dois Finchers estão mais interessados em dilemas morais e num jogo contínuo entre a realidade e a fantasia do grande ecrã. Todos os aspetos de “Mank” evidenciam essa mesma dinâmica, quer seja o argumento perdido entre facto e ficção ou a fotografia que mescla o classicismo do preto-e-branco com composições de Cinemascope, polidez digital e outros tantos anacronismos visuais. É uma obra de contrastes e contradições, um caminho de inovação pavimentado com celuloide ancestral.

Cláudio Alves

Lê também a nossa crítica publicada aquando da estreia do filme na Netflix.




09. LOVERS ROCK de Steve McQueen

Steve McQueen
© HBO Portugal

Muito se tem falado sobre o que é televisão e o que é cinema num ano em que a maior parte dos filmes foram vistos em casa devido à pandemia. Aqui pela MHD, admitimos que a barreira que separa as duas artes é cada vez mais porosa e imaterial, pelo que decidimos aceitar neste top qualquer fita individual, mesmo que tenha sido produzida e passada na TV. Afinal, como podemos em boa medida dizer que os cinco filmes da coleção “Small Axe” são cinema e depois argumentar que “Soul” é um filme? No fim, estrearam os dois em plataformas de streaming.

Contudo, mantemos um critério constante e decidimos não aceitar a presença de “Small Axe” enquanto um épico em cinco partes. Cada “episódio” foi assim considerado um filme e “Lovers Rock” foi aquele que saiu vitorioso. Não podia ser de outra forma visto que este filme de pouco mais de uma hora é quiçá a suprema obra-prima de Steve McQueen. Depois de tantos filmes dedicados à dramatização do sofrimento como “Vergonha” e “12 Anos Escravo”, o cineasta britânico mostra aqui a sua versatilidade, cristalizando o júbilo e a sensualidade de uma festa noturna.

Entre batidas energéticas e danças febris, McQueen mostra-nos um instante na vida da comunidade caribe londrina nos anos 80. Ele foca-se em particular nas experiências de uma jovem que assim vive toda uma tempestade de desejo e felicidade numa só noite. Nas horas que separam o crepúsculo e a manhã, ela e a câmara perdem-se no êxtase de corpos em comunhão, no erotismo de tecido brilhante a deslizar sobre pele suada, no ritmo do engate, no paraíso que é a diversão partilhada. Num ano em que festas como aquela vista em “Lovers Rock” foram uma impossibilidade, a sua visão de proximidade humana ganhou ainda mais poder. É cinema sensual do mais alto gabarito, uma assombração, um orgasmo, um grito de amor!

Cláudio Alves

A totalidade da coleção “Small Axe” também é honrada no nosso top 10 da melhor televisão de Magazine HD.




08. TENET de Christopher Nolan

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© NOS Audiovisuais

Num ano atípico para o cinema, “Tenet” foi aquele filme de que todos falaram, todos opinaram e no final nem todos o viram. Uma longa-metragem de Christopher Nolan, o mesmo cineasta que já nos deu pérolas como “Memento” ou “Inception”, “Tenet” prometia ser o filme do ano de 2020, com ou sem Covid-19. Na opinião da nossa equipa da MHD, não foi O filme, porque apareceu num ano recheado de grandes filmes de outros circuitos, mas foi sem dúvida um projecto merecedor de reconhecimento.

Apresentando-se como um thriller, extraordinário diga-se, “Tenet” leva-nos a um mundo de espionagem onde a ficção científica é parte integrante da história, a desconfiança alta, e a inteligência do argumento algo exímia e tão característica de Nolan. Tendo por premissa uma iminente III Guerra Mundial, a história leva-nos para uma reflexão sobre o tempo, como é que a linha temporal se move, e quais as verdadeiras repercussões num presente, futuro e principalmente no passado. Com um protagonista que se equipara a um espectador que procura acompanhar as explicações, John David Washington é uma escolha acertada para liderar uma das ideias mais fascinantes de Nolan. Do elenco destaca-se claro a humanidade de Elizabeth Debicki, assim como uma certa vulnerabilidade, mas também a mestria de malvadeza que Kenneth Branagh entrega ao papel de antagonista; e não queremos com isto dizer que Robert Pattinson foi incapaz de deixar a sua marca, como um espião que claramente era uma peça fulcral para toda a ação, ou que não reparámos na pequena aparição de Michael Caine.

Brilhantemente idealizado, o filme transporta-nos para uma experiência digna de grandes ecrãs, com grandes cenas de ação aliadas a uma história que se camufla como um thriller, quando na verdade é quase um ensaio sobre a vida, a física e as possibilidades imensas de um universo que pode não ser tão linear como conhecemos hoje. Peca pela sua durabilidade, e por algumas extensas cenas de ação, mas deixa-nos completamente maravilhados pelas extraordinárias coreografias, simetrias dos fluxos temporais, e por ser um magnífico quebra-cabeças como há algum tempo não víamos nos cinemas. E porque é que se torna um dos filmes de 2020? Porque nos volta a trazer mistério na dose certa e nos transporta para as mirabolantes linhas de pensamento de Nolan.

Marta Kong Nunes

Lê também a nossa crítica publicada aquando da estreia do filme em sala.




07. MULHERZINHAS de Greta Gerwig

Mulherzinhas
© Big Picture Films

Mulherzinhas“, de Greta Gerwig, não podia deixar de figurar nesta lista de grandes produções cinematográficas estreadas em Portugal durante o ano de 2020. Não obstante o facto de esta ser apenas a sua segunda longa-metragem na cadeira da realização, Gerwig é sublime na inversão dos paradigmas do filme de época. Aqui, cria uma obra que respira vitalidade, calor, familiaridade e universalidade.

“Little Women” propõe um esforço notável e consegue cumprir o que promete: respeita a fonte literária, a obra semiautobiográfica lançada por Louisa May Alcott em 1868, mas cria uma narrativa independente e capaz de elevar o material original. Não recorrendo nunca a anacronismos exagerados, a criadora desta nova versão coloca a tónica na modernidade e na interpretação contemporânea do texto. As palavras de Louisa – essas torna-as suas – com a ajuda de um elenco repleto de estrelas brilhantes que se entregam de alma e coração às suas personagens.

Saoirse Ronan afirma-se uma vez mais como a grande estrela da sua geração como uma Jo destemida e multifacetada. Ao seu lado temos uma Amy redimida pela estupenda Florence Pugh e ainda diversos papéis de suporte notáveis como as restantes irmãs, Meryl Streep como a excêntrica tia ou a mítica Laura Lern como Marmee – aqui num papel mais sereno que as habituais forças da natureza que representa.

Esta narrativa sobre crescimento e fim da infância concilia na perfeição a jovial alegria das quatro irmãs – representada pelos tons quentes – com um presente mais adulto e menos encantado – ilustrado por uma palete de cores mais neutra – mas ainda assim repleto de um charme e harmonia inabaláveis e que, aliás, tínhamos já encontrado em “Lady Bird”.

Maggie Silva

Lê também a nossa crítica publicada aquando da estreia do filme em sala.




06. DIAMANTE BRUTO de Benny Safdie e Josh Safdie

diamante bruto critica
© Netflix

Na última década, os irmãos Safdie têm vindo a afirmar-se como um dos mais interessantes realizadores da atual conjetura do cinema americano. Seus filmes seguem a mesma linha estética de muitas produções independentes do passado, nomeadamente o naturalismo claustrofóbico de Cassavetes, mas os Safdie levam o registo até aos extremos. Tal experimentação resulta num cinema de ansiedade constante, um pesadelo em lúrida cor e rasgos de néon que põe os nervos em franja e o coração aos saltos.

Diamante Bruto” é a mais recente apoteose de tal abordagem, superando até o frenesim nervoso de “Good Time”. Parte da evolução tonal depende do argumento, um estudo de personagem orientado por um contrarrelógio de embustes e apostas malfeitas. No entanto, dar todo o mérito ao guião parece-nos erróneo e limitado. Afinal, se algum dos filmes desta parelha se constrói sobre o trabalho de ator é este veículo de estrela caída para Adam Sandler.

O comediante não renega sua persona habitual, mas transfigura-a em algo novo e hediondo, aguçando suas arestas vivas, pondo a descoberto o lado grotesco da figura. “Diamante Bruto” segue o compasso estabelecido por Sandler, perdendo-se em espirais de desespero e um ritmo agonizante. A montagem muito ajuda, a fotografia granulosa ainda mais, dando a impressão que o filme está a dois passos de se desfragmentar a qualquer momento. Tememos que a imagem expluda tal é a sua crónica instabilidade, tememos que a histeria do ecrã passe para a realidade. Se há algum filme capaz de dar um ataque de pânico ao espetador, é este “Diamante Bruto”.

Cláudio Alves

Lê também a nossa crítica publicada aquando da estreia do filme na Netflix.




05. 1917 de Sam Mendes

1917 critica
© NOS Audiovisuais

Chegada a noite dos Óscares, já muitos declaravam a vitória de “1917” o épico da Primeira Guerra Mundial que Sam Mendes havia realizado através do mecanismo ilusório de um só take. Lá a noite se desdobrava e o épico foi ganhando os troféus previstos, ceifando prémios pelo seu som, efeitos visuais e fotografia. Contudo, o comboio direto à vitória descarrilou quando Bong Joon-ho se consagrou campeão na categoria para Melhor Realizador pelos seus magistrais “Parasitas”. O mesmo cenário repetiu-se na categoria principal e “1917” acabou a noite atrás do fenómeno coreano.

Resultados de prémios pouco interessam no que se refere a paixões cinéfilas. Aqui pela MHD, elegemos “Parasitas” como o melhor filme de 2019 e foi também esse o filme em que votaríamos para os Óscares. Nada disso significa, contudo, que “1917” seja um mau filme digno de desprezo. Muito pelo contrário, trata-se de um trabalho estilisticamente ousado, um sonho imersivo sobre temas belicosos, um terror que atormenta com seu esplendor.

Desde o trabalho de câmara de Roger Deakins até às melodias elegíacas de Thomas Newman, “1917” está repleto de feitos técnicos merecedores de aplausos. Há até uma certa qualidade de videojogo à estratégia visual, uma imersão sensorial que exige a rendição do espetador à emoção do combate, da fuga, da luta pela sobrevivência e pela salvação dos irmãos de armas. Um corte na mesa de montagem é um suspiro do espetador, uma respiração. Sem cortes, ficamos numa asfixia de tensão, uma corda que vai retorcendo até que rebenta no clímax explosivo da história.

Cláudio Alves

Lê também a nossa crítica publicada aquando da estreia do filme em sala.




04. O FAROL de Robert Eggers

o farol critica leffest
© LEFFEST

Desde o primeiro plano deste filme, até ao infame último, não há uma imagem que que se possa afirmar ser má. Robert Eggers demonstra, mais uma vez, ser um mestre na criação de tom e ambiente, com uma atenção ao detalhe exemplar, que se reflete não só nas roupas, nos cenários, caracterização ou no próprio diálogo, como também na consistência, presente ao longo do filme. Quando do negro, entramos no universo fílmico, somos de imediato bombardeados com a incolumidade da fotografia, marcada por um preto e branco perfeitamente contrastado e por um grão sempre presente, que dá à imagem uma textura quase palpável, que nos remete para os ambientes assombrosos dos filmes de terror mais antigos.

Os céus e mares tempestuosos do espaço fílmico, em conjunto com o nevoeiro sempre presente, transportam-nos para um lugar onírico, como se o ecrã, se tratasse de uma janela para uma espécie de purgatório entre a realidade e a loucura dos personagens. Ao longo do filme nunca abandonamos a ilha, estamos lá com os personagens, obrigados a assumir uma posição voyeurista, que nos dá acesso aos momentos de loucura tortuosa dos personagens e aos seus mais pequenos tiques e feitios.

Eggers faz valer as suas referências, seja na temática e míticas Lovecraftianas, ou na fotografia em si, esta protagonizada por luzes e sombras que nos chegam do expressionismo alemão, para aqui acentuarem o terror e dramatismo vigentes nos dois personagens. Dafoe e Pattinson, levam o filme a bom porto com duas interpretações abismais, sendo eles os únicos personagens no filme, haveria sempre o risco de algumas cenas mortas, mas felizmente, não é o caso, pois até as mais banais cenas, nas quais os dois atores desempenham apenas tarefas do dia a dia se tornam fascinantes devido às suas excelentes prestações, ao cenário que os rodeia e às interações dos mesmos com esse cenário. Aqui, culpe-se também Eggers, cuja direção de atores e realização dão, à grande maioria das cenas, uma progressão intensa das emoções, não só sentidas pelos dois personagens, mas também por nós espetadores.

Há infindáveis conversas entre Dafoe e Pattinson à mesa onde o diálogo é atirado de um para o outro, como se de um jogo se tratasse, há sombras projetadas nas paredes que conferem a cada personagem uma dominância alternada em prol da progressão da cena. O Farol em si, merece também um lugar de destaque, não fosse este o motif principal do filme, a sua presença faz-se notar ao longo de toda a obra, filmado sempre de ângulos que lhe conferem um ar quase ameaçador, conferindo-lhe até certo ponto, um estatuto que o transforma numa terceira personagem, que não interage diretamente na história, mas que está constantemente presente, erguendo-se alto acima dos personagens, e controlando-os como um marionetista controla as suas marionetas.

É também de louvar a quantidade de temáticas que Eggers conseguiu explorar neste filme sem que o mesmo pareça convoluto. Aqui, exploram-se os mitos do mar e o caminho tortuoso da sanidade à loucura, mas exploram-se também temáticas relativas à sexualidade, à masculinidade tóxica e à condição humana. Eggers apresenta-nos estes temas, inesperadamente, com algum humor, que, contrastando com o drama e terror sempre presentes, nos levam a uma experiência surrealista, por vezes um tanto abstrata, mas nunca inconsistente. Note-se o constante conflito entre os dois homens, sobre quem controla a luz do Farol, que obtém aqui um estatuto mítico e desejável, representando o poder e o controlo sobre o mesmo.

Com uma fotografia brilhante, interpretações dignas dos mais prestigiados prémios, uma incólume atenção ao detalhe e uma originalidade fascinante na exploração de temáticas que nunca foram tão atuais, “O Farol”, é sem dúvida um dos filmes do ano que demonstra uma tremenda mestria na sétima arte e que nos deixa a salivar pelo eventual próximo projeto de Robert Eggers.

Duarte Gameiro

Lê também a nossa crítica publicada aquando da antestreia do filme no LEFFEST.




03. A DESPEDIDA de Lulu Wang

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© NOS Audiovisuais

Desenhado algures entre a linha que separa a pertença da alienação, “A Despedida” é um filme belíssimo de Lulu Wag que colocou em evidência uma Awkwafina com quem ainda não haviamos contactado – uma força capaz de dar tanto ênfase às especificidades dramáticas de um papel como às cómicas.

Nesta longa-metragem Wang coloca-nos imersos naquela que é a realidade de muitos imigrantes que se mudaram do Oriente para Ocidente. O choque de culturas é evidente, voltar a casa torna-o gritante e o conflito surge como quase inevitável. A realizadora usa como âncora para a sua narrativa uma pequena particularidade da cultura chinesa capaz de colidir fortemente com a forma ocidental de ver o mundo – como encaramos a morte e também, de certa forma, a própria individualidade vs coletivo.

Quando uma matriarca chinesa recebe o diagnóstico de cancro terminal, os membros da sua família decidem que a melhor forma de dizer adeus é simular um falso casamento na China, permitindo que os familiares emigrados regressem a casa para a despedida. Contudo, a doente não é informada da sua condição e apenas a sua neta Billi, criada nos Estados Unidos da América, parece achar cruel não dizer à sua Nai Nai que está a morrer.

O que se segue são múltiplas peripécias deliciosas e um notável equilíbrio agridoce, capaz de proporcionar uma narrativa sentida onde a tragédia e a comédia andam sempre de mãos dadas. Entre as circunstâncias do falso casamento, as incapacidades de comunicação entre os membros mais jovens e mais velhos da família, bem como entre os que ficaram e os que partiram, aliados à dor de dizer adeus, afirma-se a complexidade desta comédia dramática familiar – como um pedaço do coração da sua realizadora imortalizado no cinema.

Maggie Silva

Lê também a nossa crítica publicada aquando da estreia do filme em sala.




02. O NINHO de Sean Durkin

O Ninho
© NOS Audiovisuais

O segundo lugar da nossa lista de melhores filmes de 2020 cabe a “O Ninho”, de Sean Durkin. O filme produzido pela IFC Films e com distribuição nacional da NOS Audiovisuais, passou praticamente despercebido nas nossas salas de cinema, não só pela situação pandémica, mas talvez pelo seu título fazermos lembrar em demasia o local onde passámos mais tempo no ano passado. Ninguém quer ver um filme sobre um casal em mudança, mudança essa que implica rutura. Mas a Magazine.HD viu e a resposta foi esta.

O filme é um estudo minucioso sobre uma família, e sobre o seu patriarca e a sua matriarca, ele britânico e ela norte-americana. Para além de divididos em termos de nacionalidade (a América do sonho americano que já não funciona, o Reino Unido antiquado e de falsos finais felizes), este homem e esta mulher são diferentes nas suas ambições e na forma como lidam com a educação dos seus filhos. Quando Rory, um ganancioso financeiro e ex-empresário convence a esposa Allison, a mudar-se para a Inglaterra com os filhos o mundo idílico familiar começa a desabar. A família deixa uma vulgar casa nos Estados Unidos e passa a viver numa aristocrática mansão do século XVII nos arredores de Surrey. O espaço certamente causaria inveja aos diretores artísticos dos filmes de Vincente Minnelli ou Douglas Sirk e é fácil entender onde Sean Durkin foi buscar inspiração.

Mas ao contrário dos melodramas de gritos e exaltações, “O Ninho” não tem excessos ou sequer choros compulsivos – pelo menos da parte de Allison que sabe lidar com cada devaneio do marido com as frieza e frontalidade necessárias. Esta é uma obra refinada que privilegia apenas a tensão psicológica e que aos poucos vai obrigando o espectador a ter uma atenção redobrada sobre a mise-en-scène. Os detalhes estão presentes no declamar de cada palavra do argumento, e nos amplos espaços onde as personagens se encontram. Rodada numa película de 35 mm, com aspect ratio de 1.85:1, a câmara do diretor de fotografia Mátyás Erdély aposta em tons escuros para filmar os confrontos do casal, embora sem quaisquer artificialismos. Na realidade, o filme vai-nos dando o tempo necessário para nos sentirmos mais revoltados com a figura presunçosa de Rory (que nos faz lembrar Chris Wilton de “Match Point”), enquanto nos sentimos mais próximos de Allison, uma mulher inteligente que acaba por ser vítima do sistema e da violência psicológica do seu marido. O Reino Unido de Sean Durkin permite a Allison despertar do sonho americano, porque ainda há tempo para a verdade vir ao de cima. A tragédia de Allison é também o seu maior triunfo, por muito que lhe custe.

Tudo o resto em “O Ninho” é negro, muito negro: desde a banda-sonora dolorosa de Richard Reed Perry, ao fumo dos cigarros de Allison. Como o espaço da casa, os ninhos podem ser cómodos e acolhedores, mas lá de vez em quando também eles são ameaçados por predadores. “O Ninho” de Sean Durkin fala-nos do vazio das almas, do vazio do patriarcado – estrutura ela própria fragilizada nos anos 80 – mais preocupado com o poder económico. O dinheiro que para Allison é um intermédio de sobrevivência para Rory é a sobrevivência em si. Mas sem afetos ninguém sobrevive. Rory não o sabe, mas Allison ainda tem fé, porque sabe amar os seus filhos e sabe amar-se a si própria. Somos todos Carrie Coon, porque como ela, ainda acreditamos nos outros. Este filme deixa-nos um raio de luz, de esperança, mas por quanto tempo?

Virgílio Jesus

Lê também a nossa crítica publicada aquando da estreia do filme em sala.




01. RETRATO DE UMA RAPARIGA EM CHAMAS de Céline Sciamma

retrato da rapariga em chamas critica
© Midas Filmes

Apesar de todos os seus desastres, 2020 foi um ano jubilante em alguns paradigmas. Especificamente, pensamos na riqueza de filmes realizados por mulheres que tiveram direito à ribalta. Infelizmente, a disparidade de género ainda se regista muito na indústria audiovisual, pelo que esta riqueza de cinema no feminino é algo a ser celebrado. Por isso mesmo, faz sentido que o nosso filme nº 1 do ano seja trabalho de uma realizadora. Neste caso, falamos da formidável cineasta francesa Céline Sciamma.

Depois de anos a documentar a vida da juventude gálica no século XXI, esta visionária virou-se para uma narrativa de época. Contudo, desengane-se quem pensar que “Retrato de Uma Rapariga em Chamas” sofre de qualquer tipo de alienação ou distanciamento. De facto, é uma obra que seduz os sentidos e convida à proximidade, ao toque, ao beijo e ao sabor. Queremos estender a mão e passá-la pela tela, fazer do nosso dedo um pincel do mesmo modo que as personagens fazem do seu olho o carvão que delineia o desenho.

Na verdade, trata-se de um daqueles feitos da sétima arte em que todos os elementos individuais são tão primorosos como o todo. As prestações das atrizes trespassam verdades emocionais que laceram e magoam, os figurinos contam uma história de cores em perturbado matrimónio, a banda-sonora escassa faz da voz feminina um cântico que vem com o vento e lambe as labaredas. Melhor que tudo isso é a fotografia de Claire Mathon, uma pintura de luz que rivaliza as mais belas pinturas setecentistas, texturas aliciantes que encantam e embriagam. Sim, este é um filme que inebria, intoxica, que nos apaixona.

Cláudio Alves

Lê também a nossa crítica publicada aquando da estreia do filme em sala.




TOPS INDIVIDUAIS DA EQUIPA MHD

Jojo Rabbit
Jojo Rabbit | © Big Picture Films

Ana Inês Carvalho

  1. A VELHA GUARDA de Gina Prince-Bythewood
  2. ENOLA HOLMES de Harry Bradbeer
  3. THE GENTLEMEN: SENHORES DO CRIME de Guy Ritchie
  4. 1917 de Sam Mendes
  5. BOMBSHELL: O ESCÂNDALO de Jay Roach
  6. MULHERZINHAS de Greta Gerwig
  7. BIRDS OF PREY de Cathy Yan
  8. DARK WATERS: VERDADE ENVENENADA de Todd Haynes
  9. BORA LÁ de Dan Scanlon
  10. JOJO RABBIT de Taika Waititi

Cláudio Alves

  1. RETRATO DA RAPARIGA EM CHAMAS de Céline Sciamma
  2. LOVERS ROCK de Steve McQueen
  3. UM AMIGO EXTRAORDINÁRIO de Marielle Heller
  4. A VIDA INVISÍVEL de Karim Aïnouz
  5. AMERICAN UTOPIA de Spike Lee
  6. TIME de Garrett Bradley
  7. MULHERZINHAS de Greta Gerwig
  8. O FAROL de Robert Eggers
  9. THE CAVE de Feras Fayyad
  10. WOLFWALKERS de Tomm Moore e Ross Stewart

Daniel Rodrigues

  1. RETRATO DA RAPARIGA EM CHAMAS de Céline Sciamma
  2. AMERICAN UTOPIA de Spike Lee
  3. O FAROL de Robert Eggers
  4. O NINHO de Sean Durkin
  5. MANGROVE de Steve McQueen
  6. SOUND OF METAL de Darius Marder
  7. TIME de Garrett Bradley
  8. TUDO ACABA AGORA de Charlie Kaufman
  9. LOVERS ROCK de Steve McQueen
  10. DIAMANTE BRUTO de Benny Safdie e Josh Safdie

Duarte Gameiro

  1. O FAROL de Robert Eggers
  2. TUDO ACABA AGORA de Charlie Kaufman
  3. DIAMANTE BRUTO de Benny Safdie e Josh Safdie
  4. WHAT DID JACK DO? de David Lynch
  5. RETRATO DA RAPARIGA EM CHAMAS de Céline Sciamma
  6. SOUL – UMA AVENTURA COM ALMA de Pete Docter e Kemp Powers
  7. SE ACONTECER ALGUMA COISA, ADORO-VOS de Michael Govier e Will McCormack
  8. OS 7 DE CHICAGO de Aaron Sorkin
  9. MANK de David Fincher
  10. SOUND OF METAL de Darius Marder

Filipa Carvalho

  1. TENET de Christopher Nolan
  2. THE GENTLEMEN: SENHORES DO CRIME de Guy Ritchie
  3. MULHERZINHAS de Greta Gerwig
  4. O HOMEM INVISÍVEL de Leigh Whannell
  5. ENOLA HOLMES de Harry Bradbeer
  6. BIRDS OF PREY de Cathy Yan
  7. MULAN de Niki Caro
  8. O NINHO de Sean Durkin
  9. TYLER RAKE: OPERAÇÃO DE RESGATE de Sam Hargrave
  10. X-MEN: OS NOVOS MUTANTES de Josh Boone

Inês Serra

  1. JOJO RABBIT de Taika Waititi
  2. RETRATO DA RAPARIGA EM CHAMAS de Céline Sciamma
  3. A DESPEDIDA de Lulu Wang
  4. O NINHO de Sean Durkin
  5. A PLATAFORMA de Galder Gaztelu-Urrutia
  6. UM AMIGO EXTRAORDINÁRIO de Marielle Heller
  7. BOMBSHELL: O ESCÂNDALO de Jay Roach
  8. 1917 de Sam Mendes
  9. DEATH TO 2020 de Al Camobell e Alice Mathias
  10. TUDO ACABA AGORA de Charlie Kaufman

João Fernandes

  1. O HOMEM INVISÍVEL de Leigh Whannell
  2. JOJO RABBIT de Taika Waititi
  3. SOUL – UMA AVENTURA COM ALMA de Pete Docter e Kemp Powers
  4. 1917 de Sam Mendes
  5. BOMBSHELL: O ESCÂNDALO de Jay Roach
  6. A VELHA GUARDA de Gina Prince-Bythewood
  7. O REI DE STATEN ISLAND de Judd Apatow
  8. BORA LÁ de Dan Scanlon
  9. MANK de David Fincher
  10. TENET de Christopher Nolan

José Vieira Mendes

  1. 1917 de Sam Mendes
  2. DIAMANTE BRUTO de Benny Safdie e Josh Safdie
  3. J’ACCUSE – O OFICIAL E O ESPIÃO de Roman Polanski
  4. CORPUS CHRISTI – A REDENÇÃO de Jan Komasa
  5. WILD ROSE – ROSA SELVAGEM de Tom Harper
  6. O PARAÍSO, PROVAVELMENTE de Elia Suleiman
  7. ON THE ROCKS de Sofia Coppola
  8. MALMKROG de Cristi Puiu
  9. MANGROVE de Steve McQueen

Maggie Silva

  1. THE LAST BLACK MAN IN SAN FRANCISCO de Joe Talbot
  2. A DESPEDIDA de Lulu Wang
  3. O FAROL de Robert Eggers
  4. RETRATO DA RAPARIGA EM CHAMAS de Céline Sciamma
  5. MULHERZINHAS de Greta Gerwig
  6. UM AMIGO EXTRAORDINÁRIO de Marielle Heller
  7. OS MISERÁVEIS de Ladj Ly
  8. A VIDA INVISÍVEL de Karim Aïnouz
  9. SOUL – UMA AVENTURA COM ALMA de Pete Docter e Kemp Powers
  10. OS 7 DE CHICAGO de Aaron Sorkin

Miguel Simão

  1. TENET de Christopher Nolan
  2. 1917 de Sam Mendes
  3. DARK WATERS: VERDADE ENVENENADA de Todd Haynes
  4. O NINHO de Sean Durkin
  5. O HOMEM INVISÍVEL de Leigh Whannell
  6. DIAMANTE BRUTO de Benny Safdie e Josh Safdie
  7. ENOLA HOLMES de Harry Bradbeer
  8. MULAN de Niki Caro
  9. O INFORMADOR de Andrea Di Stefano
  10. O CASO DE RICHARD JEWELL de Clint Eastwood

Rui Ribeiro

  1. TENET de Christopher Nolan
  2. 1917 de Sam Mendes
  3. MULHERZINHAS de Greta Gerwig
  4. MANK de David Fincher
  5. BIRDS OF PREY de Cathy Yan
  6. SOUL – UMA AVENTURA COM ALMA de Pete Docter e Kemp Powers
  7. AMERICAN UTOPIA de Spike Lee
  8. ENOLA HOLMES de Harry Bradbeer
  9. BOMBSHELL: O ESCÂNDALO de Jay Roach
  10. JOJO RABBIT de Taika Waititi

Virgílio Jesus

  1. RETRATO DA RAPARIGA EM CHAMAS de Céline Sciamma
  2. LA TRINCHERA INFINITA de Aitor Arregi, Jon Garaño e Jose Mari Goenaga
  3. WOLFWALKERS de Tomm Moore e Ross Stewart
  4. O NINHO de Sean Durkin
  5. MULHERZINHAS de Greta Gerwig
  6. DICK JOHNSON IS DEAD de Kristen Johnson
  7. PARA SAMA de Waad Al-Kateab e Edward Watts
  8. O QUE ARDE de Oliver Laxe
  9. TIME de Garrett Bradley
  10. CORPUS CHRISTI – A REDENÇÃO de Jan Komasa

Concordas com as nossas escolhas? Diz-nos quais são os teus filmes preferidos de 2020.


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