Tudo pela Justiça, em Análise
“Tudo pela Justiça” ou, no original, “Just Mercy”, estreou nos cinemas nacionais no passado dia 16 de janeiro de 2020.
A narrativa baseia-se numa história verídica sobre um advogado que procura fazer a diferença. Conta com prestações de Michael B. Jordan (“Black Panther”), Jamie Foxx (“Ray”) e Brie Larson (“Quarto”).
Falar sobre “Tudo Pela Justiça” começará, inevitavelmente, por incluir o reconhecimento do seu autor. Esta é a quarta-longa metragem de Destin Daniel Cretton, realizador de 41 anos originário do Havaí. “Just Mercy” segue-se aos créditos “I Am Not a Hipster” (2012), “Temporário 12” (2013) e “O Castelo de Vidro” (2017).
A sua carreira construiu-se acima de tudo a partir do fenomenal e muito indie “Short Term 12”, no original. Do cinema de pequeno orçamento norte-americano seguiu para os filmes de estúdio. Este “Just Mercy” prova que, com um maior orçamento e exposição, não conseguiu ainda regressar à essência do seu trabalho seminal. A próxima aventura do realizador de origem japonesa será um projecto Marvel. “Shang-Chi“, o primeiro filme do Estúdio com um super-herói asiático no centro da narrativa.
“Tudo Pela Justiça” parecia ter tudo para ser um esperançoso desta atual temporada de prémios. Por volta de setembro, a propósito do Festival de Cinema de Toronto, especulei que este filme poderia chegar à primeira liga das premiações. Contudo, não foi esse o caso. A sua primeira exibição mundial foi mesmo no TIFF (Toronto International Film Festival), e daí até dezembro cumpriu a sua rota de Festivais de Cinema. No final de dezembro, teve estreia limitada nos Estados Unidos, e a estreia com mais salas só aconteceu a 10 de janeiro de 2020.
Certamente o primeiro lançamento limitado, a 25 de dezembro, pretendia garantir a elegibilidade do filme para as nomeações a prémios em 2020 (mais especificamente elegibilidade para os Óscares). Contudo, quer por falta de mérito, de campanha ou de táctica nas datas, entre as poucas nomeações de “Just Mercy” apenas uma teve verdadeira pertinência. A indicação de Jamie Foxx ao SAG (prémio do sindicato dos actores) como Melhor Ator Secundário pela sua interpretação da pessoa real Walter McMillian. Sem surpresa, perdeu para Brad Pitt, favorito ao Óscar.
O filme, como mencionado, baseia-se numa história verídica. O sempre eficaz Michael B.Jordan dá vida a um jovem advogado afro-americano que pretende tornar o mundo um pouco melhor. Encontramo-lo no final dos anos 80, e acompanhamo-lo até meados dos anos 90.
Criado no norte dos Estados Unidos da América, o jovem advogado Bryan Stevenson toma uma decisão arriscada. Depois de terminar o curso de direito em Harvard, ao invés de encontrar um emprego lucrativo, decide mudar-se para o sul e dedicar a sua vida a defender condenados no corredor da morte. Muitos destes negros e engolidos pelo sistema, muitos vítimas de julgamentos sumários e provas inconclusivas.
A personagem de Jamie Foxx é uma destas vítimas de uma estrutura jurídica baseada em preconceitos raciais e de classe. Dá vida a Walter “Johnny D.” McMillian, um afro-americano de classe baixa que vivia uma vida relativamente discreta no seio sua comunidade e com a sua família. Aqui se recupera um mediático caso de abuso e coerção por parte das forças policiais locais. Johnny D foi condenado à pena de morte pelo assassinato de uma jovem de 18 anos branca, apesar da falta de consistência das provas que serviram de base para a acusação.
A defesa de Johnny D foi um dos primeiros casos de Bryan Stevenson, que se viria a tornar um grande vulto da advocacia no campo dos direitos humanos. Acompanhamos a luta labiríntica de Bryan, que tudo faz para conseguir defender este seu cliente, e muitos outros que nos são apresentados paralelamente.
A ajudar Stevenson temos Brie Larson como Eva Ansley, uma psicóloga local com um apurado sentido de justiça. Este seu papel, pela primeira vez mais secundário, marca a sua terceira colaboração com Destin Daniel Cretton (Larson fora a protagonista de “Temporário 12” e de “O Castelo de Vidro”).
O que dizer sobre a essência de “Tudo Pela Justiça”? É um filme idealista e um drama de tribunal que segue todas as estruturas e ferramentas narrativas que associaríamos ao género. Apesar de conseguir entusiasmar o espectador, e apesar de ter os seus momentos mais “fora da caixa”, entra nos moldes da típica biopic. Todos os vícios do filme biográfico estão lá, mas saímos da sala com o conhecimento de uma inspiradora e meritória história. Roça o sentimentalismo excessivo? Pauta-se por uma banda-sonora que indica ao espectador o que sentir? Contém discursos pouco realistas? Sim, mas o próprio título diz-nos ao que vamos.
Posto isto, “Just Mercy” não é desprovido de humor. Tem até algo bastante menos frequente nestas biografias que se multiplicam. É um filme com inúmeras mudanças tonais. Tal como em filmes prévios de Cretton, a música tem uma função narrativa forte. Ela funciona como refúgio, tal como tinha servido de porto seguro aos miúdos problemáticos de “Temporário 12”.
Neste esperançoso retrato sobre racismo e injustiça social, devemos também considerar uma outra vertente. Norte e Sul dos Estados Unidos da América mostram-se uma vez mais mundos a duas velocidades. São muitos os países dentro deste país, e se o nosso protagonista conseguiu no Norte financiamento para defender condenados no corredor da morte pro bono, no Sul teve dificuldades em ser levado a sério.
A ironia mordaz tem também espaço para se manifestar. A acção verídica do filme situa-se em Monroeville, Alabama, local onde nasceu Harper Lee e onde foi escrito “To Kill a Mockingbird“, um dos símbolos máximos anti-racistas nos EUA – lido nas escolas, tido como o orgulho local e o qual conta uma história não muito diferente da de Johhny D.
O forte elenco é competente. Michael B. Jordan, estrela de filmes como “Black Panther”, “Creed” ou “Fruitvale Station” não rouba a cena como é habitual, mas entrega uma prestação eficaz. Brie Larson interpreta alguém com pouco “corpo”, uma personagem que funciona como veículo e alavanca narrativa mas que nunca conhecemos bem. Já o veterano Foxx é mesmo o que mais expressa as frustrações colectivas dos marginalizados aqui representados. Fá-lo de forma soberba. Pena que muitos dos outros condenados do corredor da morte não tenham direito a personagens tão robustas e tenham funções mais “decorativas”.
Não sendo uma grande expressão de autoria, “Tudo Pela Justiça” é apelativo. Acima de tudo, conhecer esta história verídica é um motivo mais do que válido para tentar dispensar algum tempo num dos meses com estreias mais interessantes nos cinemas nacionais.
Fãs de filmes biográficos, estão a pensar ver esta obra? Estreou na passada quinta-feira, 16 de janeiro, mas pode ser vista ainda em quase 40 salas de cinema de norte a sul do país!
Tudo Pela Justiça
Movie title: Tudo Pela Justiça
Date published: 23 de January de 2020
Director(s): Destin Daniel Cretton
Actor(s): Michael B.Jordan , Jamie Foxx, Brie Larson
Genre: Drama, Biografia
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Maggie Silva - 74
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José Vieira Mendes - 60
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Cláudio Alves - 50
CONCLUSÃO
“Tudo Pela Justiça” entrega ao espectador exactamente aquilo que é esperado. Um drama reconfortante, com uma nota de otimismo, que nos conta a história de intervenientes reais.
Depois de examinar à lupa os jovens problemáticos que vivem em acolhimento temporário em “Temporário 12” e depois de ter estudado uma família que vive à margem da sociedade em “O Castelo de Vidro”, Destin Daniel Cretton decide voltar a centrar-se nos marginalizados e debruça-se sobre o racismo endémico.
O MELHOR: “Just Mercy” consegue criar investimento emocional por parte do espectador e Jamie Foxx faz bem valer o preço do bilhete.
Equilibra também algum ceticismo com a esperança num futuro melhor. Quem não precisa de uma injecção de bom astral num mundo dividido por retóricas baseadas no ódio e preconceito?
O PIOR: Podia arriscar mais e adotar uma estrutura menos linear.