©Gaellle Rapp/72ª Berlinale

72ª Berlinale (Dia 4) | Não Duvido do Vosso Amor!

O amor nas suas mais variadas formas de o compreender e sua complexidade, resume os temas dos filmes desta intensa jornada da competição da 72ª Berlinale: ‘Return to Dust’, do chinês Li Ruijun, ‘Avec Amour et Acharnement’, da francesa Claire Denis e Rabiye Kurnaz x George W. Bush’, do alemão Andreas Dresen.

O realizador chinês Li Ruijun, em Return to Dust (Yin Ru Chen Yan), regressa à sua aldeia natal de Gaotai, na província de Gansu, noroeste da China, abordar uma história de amor improvável, centrada na exploração, urbanização forçada, pobreza, perda de tradições e desenraizamento social. ‘Return to Dust’ (Yin Ru Chen Yan) passa-se nessa aldeia rural chinesa, onde o reticente agricultor Ma (o próprio Li Ruijun) e a sua mulher deficiente chamada Guiying (Wu Renlin) levam uma vida muito difícil. Um casamento arranjado, parece destinado a falhar, mas, em vez disso, o casal descobre um propósito e um sentido para a vida partilhado, ligado à terra, numa verdadeira história de paciência, superação, ternura e amor. Ma e Guiying levam efectivamente umas vidas bastante isoladas e problemáticas: Ma, o taciturno agricultor é o último membro solteiro da sua família, que vive com o seu burro; Guiying por seu lado é uma mulher deficiente e infértil, e que já passou da idade normal de se casar, na China rural e interior. Com um casamento arranjado pela família, as duas estranhas personalidades acostumadas ao isolamento e à humilhação, acabam por formar uma excelente parceria. Se à partida, a sua ligação estaria condenada, pelo contrário Ma e Guiying constroem por eles próprios uma oportunidade de vida autónoma e livre: a descoberta de destino comum. Aprendem a tornar-se cada vez mais próximos e íntimos, a falarem e a cuidarem um do outro e até a prendem a sorrir — algo que era difícil para ambos — apesar do duro trabalho nos campo. Sempre ajudados pelo se burro conseguem uma forma de subsistência e aos poucos vão ultrapassando juntos e pacientemente, os enormes desafios da vida. em ‘Return to Dust’ , o realizador Li Ruijin traça-nos um autêntico e verdadeiro retrato de dois personagens marginalizados e vulneráveis, que vêem o mundo e lutam pela sua existência e afirmação, apesar dos enormes desafios que se lhes impõem. A chaves deste profundo, terno e improvável relacionamento assenta como sempre,  no amor e na confiança mutuas. ‘Return to Dust’ (Yin Ru Chen Yan) é um filme zen, de uma discreta ternura e humanidade.

VÊ TRAILER DE ‘RETURN TO DUST’

Em Avec Amour et Acharnement’, a realizadora francesa Claire Denis, conta-nos a história de um complicado triângulo amoroso e de um relacionamento equilibrado que se transforma num caos de paixão. ‘Avec amour et acharnement’ é a terceira colaboração de Claire Denis com a aclamada escritora Christine Angot, também responsável pelo argumento de ‘O Meu Belo Sol Interior’ (2017), outro dos seus filmes protagonizado por Juliette Binoche. Sara (Juliette Binoche) mantém um relacionamento estável e feliz com Jean (Vincent Lindon) há vários anos. Contudo, François (Grégoire Colin) um homem do seu passado reaparece e, sem aviso, uma velha paixão reacende-se de uma forma irracional. O fogo da paixão que se segue ameaça consumir tudo em seu redor, incluindo o seu até aí estável relacionamento. Neste ‘Avec Amour et Acharnement’, Jean é uma espécie de rocha a quem Sara se pode agarrar, como uma lapa. Quando se conheceram, Sara estava com com François, o melhor amigo de Jean. Quando Sara volta a ver François na rua, apesar de ele não a ver, ela é dominada por uma estranha sensação de que sua vida vai dar uma volta. De facto e ocasionalmente, François entra em contato com Jean para lhe propor trabalharem juntos novamente. Em pouco tempo, as coisas correm o risco de perder o controle, a todos os níveis do relacionamento, entre os três protagonistas.

VÊ TRAILER DE ‘AVEC AMOUR ET ACHARNEMENT’

A interpretação de Juliette Binoche é muito corajosa e comprometida com a sua personagem e a atriz mostra-se excepcionalmente flexível à medida que seu corpo — já não tão elegante como em outros tempos — se torna no terreno de um cativante teatro de opostos emocionais, sentimentos contraditórios e omissões. A inquietante e precisa direcção de fotografia de Eric Gautier, muito centrada nos rostos e nos corpos dos personagens, mostra-nos por exemplo, imagens contrastantes das mãos e dedos confortavelmente entrelaçados, mas também do corpo inteiro de Sara, em sempre em andamento, e depois irrompendo em gemidos profundos e incontroláveis de prazer e êxtase. Cercados por uma parede de chamas de paixão, os protagonistas de Claire Denis parecem cercados e isolados de tudo, aparentemente alheios à sociedade e à sua tendência inexorável de separar as coisas em categorias opostas e em sentimentos irredutíveis.

VÊ TRAILER DE ‘RABIYE KURNAZ VS. GEORGE W. BUSH’

‘Rabiye Kurnaz x George W. Bush’, do alemão Andreas Dresen é mais uma história de amor, mas esta maternal, de uma mãe que vai à luta para salvar o seu filho. A detenção de seu filho Murat em Guantánamo, catapulta a activa Rabiye Kurnaz (Meltem Kaptan) da sua vida quotidiana em sua casa geminada em Bremen, na Alemanha para o coração da política mundial. A brilhante, impressionante, combativa e espirituosa interpretação da actriz germano-turca Meltem Kaptan, se não lhe der um prémio aqui na 72ª Berlinale vai  decerto garantir-lhe um lugar nos anais do cinema, do cinema europeu de 2022. Rabiye Kurnaz interpreta uma mulher simples, muito acelerada, aquilo que podemos chamar, uma verdadeira força da natureza. Ela administra a loja de costura, cuida das crianças, faz uns belos cozinhados e muito mais mais coisas sem parar. O seu filho Murat é acusado de terrorismo, logo após os ataques de 11 de setembro de 2001 — foi aliás um dos primeiros a ser preso,— e enviado para o campo de prisioneiros de Guantánamo, em Cuba. A partir daí, a decidida alemã-turca inicia uma longa jornada em direcção ao coração da política mundial, na tentativa de provar o não envolvimento do filho nos atentados terroristas e libertá-lo o mais depressa possível. Juntamente com o advogado de direitos humanos Bernhard Docke (Alexander Scheer), que facilmente convence a ficar do seu lado — como quase todos ao seu redor, dada a sua positiva energia —, Rabiye Kurnaz luta incansavelmente, durante quase 6 anos, pela libertação de seu filho. Usando o seu escasso vocabulário em inglês, consegue discursar em algumas instituições internacionais e chegar ao Supremo Tribunal Federal, em Washington DC. Meltem Kaptan, é uma reconhecida comediante, autora, apresentadora, natural de Colónia, de origem turca. Ela encaixa perfeitamente com o talento e competência do realizador alemão Andreas Dresen (‘Gundermann’, 2019), para combinar temas quentes da actualidade — neste caso, até uma história baseada em factos reais e bastante noticiados na Alemanha — com as preocupações quotidianas de pessoas normais e simples. O desempenho de Kaptan em Rabiye é avassalador, não apenas para o advogado Bernhard Docke, que rapidamente se torna um amigo próximo, como para nós espectadores, que sentimos uma enorme admiração e empatia por esta mulher e mãe de uma energia espontânea e autêntica. Rabiye é uma personagem fascinante, uma mulher apaixonada e forte, que segura o volante de seu amado Mercedes tão firme nas suas mãos, quanto as linhas narrativas deste filme de Andreas Dresen, que não é uma maravilha mas tem um ritmo de alta velocidade e talvez o mais energético desta 72ª Berlinale.

JVM

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