Guillermo Del Toro considera esta a mais perfeita estreia cinematográfica
Há filmes que nascem velhos, e outros que, para Guillermo Del Toro, já trazem consigo a semente da imortalidade na estreia.
No universo do cinema, a estreia de um realizador é como um bilhete de identidade cinematográfico. Ele pode ser modesto, desajeitado ou, em raros casos, um relâmpago de génio que anuncia uma carreira luminosa. Guillermo del Toro, cineasta cuja filmografia é cheia de contos sombrios, nomeou o que considera ser a melhor estreia de sempre. A declaração, feita à Criterion, não é apenas uma opinião solta. Ela é um reconhecimento de como uma primeira obra pode ser, simultaneamente, um manifesto e uma promessa. Mas será que um filme de estreia define, de facto, o futuro de um realizador?
Guillermo Del Toro coroa Blood Simple como a estreia definitiva
Guillermo del Toro não é homem de meias-palavras quando se trata de cinema. Na sua análise à Criterion, descreve “Blood Simple” (1984) como “um primeiro filme perfeito”, sublinhando como a obra encapsula, desde o início, as obsessões que marcariam a carreira dos irmãos Coen: o humor negro, a violência absurda, as personagens tragicómicos e um thriller repleto de reviravoltas que bebe tanto do noir clássico como da farsa humana.
O realizador mexicano tem razão. “Blood Simple”—filmado com um orçamento tão apertado que obrigou a truques de filmagem inventivos—é um estudo de economia narrativa. Assim, cada plano, cada diálogo cortante, cada silêncio pesado parece esculpido a precisão. A história, que segue um marido ciumento, um detetive corrupto e um crime que desaba como um castelo de cartas, é um exercício de tensão quase hitchcockiana. Mas o que verdadeiramente impressiona é como os Coen, então na casa dos 20 anos, já demonstravam um controlo absoluto da linguagem cinematográfica.
Assim, Guillermo Del Toro não está sozinho nesta veneração. “Blood Simple” foi aclamado pela crítica da época, ganhando o Sundance e tornando-se um filme de culto instantâneo. Mas o que o diferencia de outras estreias icónicas—como “Citizen Kane” ou “Eraserhead“—é a forma como, sem alarde, estabelece um universo único. Os Coen não precisaram de reinventar a roda; apenas a fizeram girar com uma mestria inegavelmente rara em debutantes.
Quando a estreia é um presságio
Há, claro, dois tipos de primeiros filmes: os que são um ensaio e os que são um espelho. Guillermo Del Toro, curiosamente, pertence ao primeiro grupo. “Cronos” (1992), a sua estreia, é um conto de vampirismo melancólico que já trazia o seu fascínio pelo fantástico, mas ainda não tinha a ambição visual de “O Labirinto do Fauno” ou a grandiosidade de “A Forma da Água“. Já os Coen, como Quentin Tarantino com “Reservoir Dogs” ou David Lynch com “Eraserhead”, chegaram com uma voz tão definida que parecia dizer: “Isto é quem somos. Acompanhem se quiserem.”
Assim, é aqui que a discussão se torna fascinante. Por um lado, há gigantes como James Cameron, cuja primeira incursão (“Piranha II: The Spawning“) foi um desastre que ele próprio renega. Por outro, casos como o de Orson Welles, que aos 25 anos realizou “Citizen Kane”—um feito tão lendário que se tornou quase uma maldição para o resto da sua carreira. O que Guillermo Del Toro parece celebrar em “Blood Simple” é precisamente isto: a rara capacidade de uma estreia ser, ao mesmo tempo, um ponto de partida e um legado.
E no entanto, será justo dizer que um primeiro filme define um realizador? Não inteiramente. David Fincher, hoje um dos nomes do cinema contemporâneo, estreou-se com o polémico “Alien 3“, um pesadelo de produção que pouco revelava do seu futuro brilhante. A verdade é que o cinema é uma arte de evolução—mas quando a estreia é tão redonda como “Blood Simple”, é difícil não olhar para ela como um pequeno milagre.
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