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A Sala de Professores, a Crítica | O drama de Ilker Çatak nomeado aos Óscares de 2024

Representante da Alemanha aos Óscares de 2024, “A Sala de Professores” é a mais recente obra de Ilker Çatak.

Na semana passada estreou um dos candidatos aos Óscares com pergaminhos mais do que suficientes para figurar na lista final de nomeações, “The Holdovers” (Os Excluídos), 2023, de Alexander Payne, onde a realização e os autores do argumento, com a preciosa contribuição dos actores (destaque para a composição de Paul Giamatti) conseguiram retirar a carga mais negativa dos clichés que por lá se encontram de modo a que eles funcionem não contra mas a favor da abordagem social, económica e subliminarmente política de um período conturbado da História americana, o final dos anos sessenta e início dos anos setenta do Século XX. Tudo isto partindo da especificidade académica de um espaço fechado e elitista dominado pelas orientações e pressões classistas da ideologia dominante no seio de uma escola para filhos de milionários.

FOREVER CINEMA

A Sala de Professores
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Esta semana estreia-se igualmente um conjunto de outros filmes (pelas minhas contas, são pelo menos uns dezanove e em boa verdade uns quinze que merecem a nossa melhor atenção). Produções que se arriscam a passar, não direi despercebidas, mas menos analisadas no meio do nevoeiro mediático que se instala quando a fartura se afigura muita e ainda por cima numa altura em que se discutem com vigor os prémios atrás de prémios atribuídos ou por atribuir durante os dias e noites da por isso mesmo apelidada “awards season”. Na verdade, seria uma pena que um filme como “Piccolo Corpo”, 2021, de Laura Samani (Itália-França-Eslovénia), acabasse por merecer apenas uma breve nota anónima num qualquer rodapé, sorte que podia atingir outro filme, por sinal candidato ao Óscar de Melhor Produção Internacional, “Das Lehrerzimmer” (A Sala de Professores), de Ilker Çatak (Alemanha).

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Finalmente, seria imperdoável passar ao lado da retrospectiva de onze filmes de Jean-Luc Godard, reunidos e programados sob a designação For Ever Godard, magnífica iniciativa da Leopardo Filmes, onde encontramos algumas das suas obras-primas e ainda uma obra comercialmente inédita no nosso país, “Detective”, 1985. Para consultar o calendário deste ciclo basta clicar na referência Medeia Filmes. Há muito por onde escolher.




Dito isto, como sempre faço e defendo, não hesitei em separar as águas e escrever este preâmbulo para dar aqui notícia crítica dos melhores filmes estreados, seguindo o critério imperioso de publicar a minha análise em devida altura, ou seja, salientando na semana de estreia as mais importantes propostas de programação em sala ou, se for o caso mas sem qualquer prioridade, as novidades mais relevantes do streaming e das redes de cabo.

FRAGILIDADES E ARMADILHAS DO SISTEMA DEMOCRÁTICO

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Para a semana aqui estarei para destacar “Io Capitano” (Eu Capitão), de Matteo Garrone. Esta semana, a par da crítica do muito seguro primeiro filme, “Piccolo Corpo”, cuja análise publiquei igualmente na MHD, destaco entre as novidades o interessante “A Sala de Professores”. Este filme candidato ao Óscar na categoria de Melhor Produção Internacional, só por milagre ou miopia dos membros da Academia superaria os dois que se perfilam como favoritos (pelo menos, para mim são os mais importantes), por ordem de preferência, “A Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer e “Eu Capitão”, de Matteo Garrone. Não obstante, “A Sala de Professores” dá-nos na sua ampla e sincera abordagem do ambiente vivido numa escola alemã (rodagem realizada num autêntico estabelecimento de ensino, e isso sente-se) um retrato duro e por vezes cruel das relações entre professores e alunos, professores e funcionários, professores, alunos e os pais destes, e finalmente entre o muito “colorido” corpo docente, onde prevalecem mais contradições do que aquelas que seria expectável encontrar numa ficção socialmente relevante sobre a realidade palpável do sistema de ensino dominante no país em causa e por extensão na Europa com padrões de desenvolvimento e integração étnica aparentemente mais avançados.

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Para ajudar a complicar ainda mais aquilo que já se percebia ser um ninho de contradições e um barril de pólvora acoplado a um rastilho curto e volátil, acontecem diversos roubos que vão desequilibrar a balança a favor de atitudes precipitadas mas com algum grau de legitimidade. Talvez por ingenuidade, ou então por manifesta boa-fé de que outros iriam aceitar a compreensão racional dos factos e a sua resolução pacífica sem necessidade de fazer entrar em cena as autoridades policiais, uma professora de origem polaca, Carla Nowak (Leonie Benesch) após ser roubada na sala de professores levanta a suspeita sobre uma funcionária escolar, cujo filho frequenta a dita escola. Mais para a frente, o aluno será protagonista de actos inaceitáveis que procuram defender a mãe. Mas antes Carla vai lançar os dados de um jogo perigoso.




Ela possui uma prova mais do que ilusória do roubo, no mínimo insuficiente para incriminar seja quem for. Trata-se de uma gravação feita sem autorização dos colegas na dita sala reservada aos professores. E a prova, se assim a podemos designar, não passa de uma imagem de um fragmento de um braço e a parcela mínima do corpo de alguém que veste uma camisa estampada. Entretanto, Carla reconhece na referida funcionária a mesma indumentária. Mas será mesmo assim? Para os devidos efeitos ficcionais, pouco importa.

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O argumento quer seguir por outros caminhos e a peça de vestuário comprometedor não passa de um pretexto para fazer avançar a acção e produzir a partir deste ponto de viragem um caminho sinuoso rumo ao abismo das emoções, percurso que descamba numa demonstração da fragilidade do sistema democrático, sistema que ao conceder garantias de defesa, umas atrás das outras, acaba por gerar autênticos alçapões onde as diferentes personagens em confronto, quer queiram ou não, acabam por cair. Barreiras contra as quais esbarram preconceitos de classe, nacionalidade, cultura. Não se pode dizer nada sem correr o risco de ser mal interpretado e provocar a exclusão de alguém do agregado social e académico vigente. Por exemplo, Carla dá uma entrevista ao jornal da escola, as suas palavras são distorcidas (mais uma vez por ingenuidade e presunção de boa-fé nos alunos que dirigem a publicação, não guarda para si uma gravação das declarações, mas permite que os alunos o façam), e quando a Directora decide impedir a sua circulação, ai que estão a fazer censura.

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Em suma, o melhor deste filme realizado pelo cineasta alemão de origem turca, Ilker Çatak, não passa pelo retrato particular da instituição escolar nem dos problemas relativamente compreensíveis que se levantam num espaço frequentado por múltiplas personagens com diferentes pontos de vista, mas antes pelo modo como de forma subliminar, mas contundente, nos aponta os limites e armadilhas do sistema democrático, ou melhor, da natureza falível da aplicação dos mecanismos da democracia face aos limites e armadilhas da natureza humana. Não obstante, deixando muito claro (apesar do inútil plano final antes do genérico) que o sistema para funcionar precisa de se apoiar na verdade e não na insinuação, no respeito pela identidade e dignidade dos outros e, já agora, na coragem de assumir as responsabilidades que compete a cada um de nós cumprir e fazer cumprir.

A Sala de Professores, a Crítica

Movie title: Das Lehrerzimmer

Director(s): Ilker Çatak

Actor(s): Leonie Benesch, Leonard Stettnisch

Genre: Drama, 2023, 94min

  • João Garção Borges - 60
60

Conclusão

PRÓS: Foi nomeado para o Óscar de Melhor Produção Internacional, facto que vale o que vale mas não deixa de ser um factor relevante de avaliação e valorização das suas qualidades intrínsecas nos meandros mais exigentes do mercado cinematográfico.

CONTRA: Nada que comprometa os princípios orientadores da sua eficácia narrativa.

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