75ª Berlinale: 10 filmes para festejar os 75 anos do Festival de Cinema de Berlim
O 75º Festival de Cinema de Berlim, também conhecido por Berlinale, abre oficialmente logo mais à noitinha com “Das Licht” (The Light), do cineasta alemão Tom Tykwer, inaugurando assim a sua seleção oficial e as suas ‘bodas de diamante”, num ano que se espera bem agitado, mas certamente, com filmes muito interessantes. Além de uma perspectiva geral da abertura da 75ª Berlinale, vê aqui uma síntese de dez filmes para festejar os 75 anos do Festival de Cinema de Berlim.
A comemorar o seu 75º aniversário a Berlinale – Festival de Cinema de Berlim, apesar do seu habitual pendor político em relação ao estado do mundo, as ruas e a passadeira vermelha da agora muito fria (com temperaturas abaixo de 0º) Potsdamer Platz, continuam a brilhar. A expectativa é grande para o que aí vem em termos de Seleção Oficial de filmes a concurso,— com um júri internacional presidido pelo cineasta norte-americano Todd Haynes — e não só, tendo em conta as sempre desafiantes respectivas secções paralelas (Perspectives, Panorama, Forum, Berlinale Special).
A abertura logo ao final do dia com a projeção (fora da competição), de “Das Licht” (The Light), do cineasta alemão Tom Tykwer,— que a imprensa já viu ontem à noite — e que será antecedida da entrega do Urso de Ouro Honorário à ‘enorme’ Tilda Swinton, como que marca o tom do momento. Estamos entre a euforia e a necessidade de todos, precisarmos de uma ‘cura luminosa’, e de ver pelo menos uma luz ao fundo do túnel.
De facto o ambiente desta edição de 2025, a ‘diamantina’ está igualmente um pouco carregado, talvez um pouco mais do que é habitual. As notícias estão bastante agitadas e mexem inclusive, com a organização deste festival (e do sempre forte Mercado do Filme Europeu), que abre pode-se dizer a temporada europeia de grandes estreias de cinema.
Em primeiro lugar, os já anunciados cortes federais no financiamento cultural em geral, levando os berlinenses a temer o futuro das principais instituições artísticas da cidade, incluindo a Berlinale; algo que teriam levado à saída da antiga direção de Carlo Chatrian e Mariette Rissenbeek.
Esta edição de 2025, será inaugurada pela norte-americana Tricia Tuttle, a ex-diretora do BFI London Film Festival, como a nova responsável pela programação da Berlinale, que promete uma renovação e apelo a novos espectadores. Até ver as mudanças não são muito significativas.
Porém, voltando ao ambiente, o mais notável é que as cruciais eleições federais de 2025 na Alemanha, terão lugar precisamente no último dia do festival a 23 de fevereiro, — com a campanha eleitoral a acompanhar os dias de cinema. Os alemães sairão em massa, espera-se em eleições antecipadas, para eleger os seus próximos representantes políticos (e, naturalmente, o novo chanceler).
O partido de extrema-direita, Alternativa para a Alemanha (AfD), acérrimo anti-imigração, está em segundo lugar nas sondagens, abaixo da CDU, o que originou protestos em massa nas várias cidades do país, incluindo cerca de 160 mil pessoas reunidas em frente ao Reichstag de Berlim, há cerca de uma semana.
A selecção de Turtle, será também, sem dúvida, um teste decisivo para o seu mandato. Mas nem tudo é mau na capital alemã: pois ocorreram grandes mudanças no sistema de legalização dos imigrantes em Berlim, onde o gabinete de imigração aboliu muita da burocracia existente — esta não é apenas uma questão portuguesa — e, finalmente, instalou um novo formulário de candidatura online para todos aqueles que procuram vistos de longa duração.
Naturalmente, a crítica e o público — recorde-se que este festival está aberto aos espectadores e não é exclusivo dos profissionais — encontrarão na Selecção Oficial, filmes influenciados pelo ambiente político-social, outros que tentarão dar também uma resposta do festival ao clima político e uma reação nacional mais ampla, a uma infinidade de crises internacionais.
Muitos cineastas e espectadores parecem chocados com a posição estrita da Alemanha e do festival em relação ao conflito Israel-Hamas, pois certos grupos da indústria criativa e artistas internacionais apelaram a um boicote à Berlinale. Mas já passou, e tudo voltou ao normal.
Quanto às mudanças introduzidas por Tricia Tuttle, começou por retirar a secção Encouters para dar lugar a Perspectives — onde está o representante português “Duas Vezes João Liberada”, de Paula Tomás Marques — , uma mostra competitiva de ficção dirigida apenas a cineastas emergentes. Ainda não se percebeu muito bem em termos de programação se é melhor ter um ‘encontro’ com um filme ou ter uma nova ‘perspectiva’. É isso que vamos confirmar dentro do possível, sendo que a nossa prioridade em termos de cobertura jornalística vai sempre para a Competição Principal.
Como introdução a uma cobertura mais abrangente da MHD, apresento aqui dez dos filmes mais aguardados para o festival de 2025, que poderemos para já ver em várias salas de cinema de toda a cidade — e que esperamos estreiem em Portugal. Isto no meio de greves, também cada vez mais frequentes dos funcionários da BVG, empresa de transportes públicos de Berlim.
Por isso, esperam-se atrasos na crucial, famosa e histórica U2, a linha de metro que atravessa a cidade entre Potsdamer Platz e o Zoo, na zona ocidental. Nós com sorte ficamos bem perto do Berlinale Palast, por agora o coração da Berlinale. Mas já se falam há uns anos na mudança para outra zona da capital alemã permanentemente em obras.
Das Licht (The Light) – Tom Tykwer (Alemanha)
(Berlinale Special Gala de Abertura)
Tom Tykwer (“O Negócio da Arábias” ou “O Perfume”), parece ter encontrado uma certa beleza e energia no nosso mundo fragmentado e desafiador, e consegue neste filme capturar de uma forma magica, a essência de nossa vida moderna. O filme é uma fusão de géneros que vai do realismo fantástico ao musical, imbuído de um certo efeito “Emilia Pérez”. Protagonizado pelo aclamado actor alemão Lars Eidinger (“Dying-A Última Sinfonia” ou “Babylon Berlin”) e a atriz e realizadora Nicolette Krebitz (“Wild”), “Das Licht” ( ou “A Luz “) conta a história da rara família Engels.
Tim Engels (Lars Eidinger) sua esposa Milena (Nicolette Krebitz), seus dois filhos gémeos Frieda e Jon, e ainda outro filho de Milena, o pequeno Dio, são uma família moderna e complexa que vive num apartamento em Berlim. Seus hábitos permitem que mantenham suas vidas de certo modo separadas, mesmo enquanto se movem pelos espaços partilhados da sua casa.
Só quando a enigmática Farrah (Tala Al-Deen) — recém-chegada da Síria — é colocada na casa deles como a nova empregada doméstica, é que seu mundo é posto à prova, os sentimentos ocultos e contradições vêm à tona. Trata-se de uma experiência que expande e altera a vida da família de várias maneiras inesperadas, enquanto Farrah coloca um plano em movimento que trará uma nova dimensão à forma como todos vivenciam e entendem a condição humana. Surpreendente!
Mickey 17 – Bong Joon-ho (EUA/Coreia do Sul)
(Berlinale Special Gala)
É justo dizer que estamos a viver num mundo quase pós-“Parasitas”. Depois da inesperada grande vitória deste filme na Palma de Ouro de Cannes em 2019 e no duplo Óscar de Melhor Filme de 2020, quase parece que o cinema contemporâneo — dos grandes blockbusters aos do cinema da autor —parecem refletir-se neste filme do notável realizador coreano. Por isso, é curioso que Bong Joon-ho pareça ter encalhado um pouco com este seu tão aguardado filme seguinte de ficção cientifica, agora falado em inglês.
O filme chega aqui à Berlinale 2025, no meio de várias mudanças nas datas de lançamento e rumores de mexidas na montagem e até de re-filmagens. Robert Pattinson é Mickey, um trabalhador espacial de outro planeta cuja consciência pode ser reiniciada num clone do seu corpo se um dia morrer.
If I Had Legs I’d Kick You – Mary Bronstein (EUA)
(Competição)
Não é uma estreia mundial pois chega aqui após uma série de críticas muito positivas vindas da sua apresentação no Festival de Sundance. O segundo filme de Mary Bronstein, intitulado “If I Had Legs I’d Kick You”, surge muito depois da sua estreia no cinema “Yeast” (2008), protagonizado por ela e por Greta Gerwig.
Esta sua nova comédia dramática, sombria e ansiosa é protagonizada por uma das grandes atrizes da comédia americana: Rose Byrne apresenta-se no papel de Linda, uma mãe exausta que enfrenta um conjunto de condições de vida cada vez mais hostis. A argumentista e realizadora acrescenta ainda ao seu elenco o conhecido Conan O’Brien, no do terapeuta de Linda e uma aparição do rapper A$AP Rocky como gerente de um motel.
O Último Azul – Gabriel Mascaro (Brasil/México)
(Competição)
Com Denise Weinberg, uma veterana estreante e com o famoso Rodrigo Santoro no elenco, “O Último Azul”, do realizador de “Boi Neon”, é aguarda do com muita expectativa tendo em conta o seu filme anterior e o tema do envelhecimento. O filme vagamente distópico, conta a história de Tereza, uma senhora de 77 anos que reside numa cidade industrializada na Amazónia e que recebe uma ordem oficial do governo para residir numa colónia habitacional compulsória onde idosos devem ‘desfrutar’ dos seus últimos anos de vida, permitindo que a juventude produza sem se preocupar com os mais velhos. Promete!
Kontinental ‘25 – Radu Jude (Roménia/Brasil/Suiça/Reino Unido/Luxemburgo)
(Competição)
Quase todos os anos, desde 2015, temos sido abençoados com uma nova longa-metragem do cineasta romeno Radu Jude (“Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo”). Este ano, podemos considerar-nos duplamente abençoados, pois o realizador faz a sua primeira de duas estreias previstas, primeiro com “Kontinental ’25″, um filme inspirado no cineasta neorrealista italiano Roberto Rossellini e no seu “Europa ’51”.
O filme de Jude mostra-nos a atriz romena Eszter Tompa (talvez no seu papel de maior destaque, até agora) como Orsolya, uma oficial de justiça da cidade de Cluj, que sofre uma crise de ética e culpa ao despejar um sem-abrigo. Esperamos que o escritor e realizador romeno utilize o seu famoso estilo que mistura o absurdo e o dramático para, mais uma vez, interrogar de forma contundente as crises interligadas da anomia social e da chamada modernidade.
Hot Milk – Rebecca Lenkiewicz (Reino Unido/Grécia)
(Competição)
A dramaturga e argumentista britânica Rebecca Lenkiewicz é talvez mais conhecida por ter escrito “Desobediência”, o filme do chileno Sebastián Lelio protagonizado por Rachel Weisz e Rachel McAdams. Com “Hot Milk”, a sua estreia na realização seduz-nos com a promessa de uma ligação entre a jovem Sofia (Emma Mackey), de vinte e poucos anos, e a misteriosa e carismática viajante Ingrid (Vicky Krieps), que se encontram numa cidade costeira — um dos locais mais apropriados, para todos os bons momentos cinematográficos de uma paixão lésbica. Lenkiewicz escreve o argumento baseado num romance homónimo de Deborah Levy, convocando a icónica atriz irlandesa queer Fiona Shaw, para interpretar Rose, a mãe de Sofia, que afirma estar a sofrer de uma doença misteriosa.
Blue Moon – Richard Linklater (EUA/Irlanda)
(Competição)
Richard Linklater fez filmes como “Assassino Por Acaso”, “Antes do Amanhecer”, “Boyhood” , e também outros como este que vamos ver aqui. Desta vez vai pelo mundo da música com a sua quase ‘musa’, o notável Ethan Hawke, interpretando o compositor Lorenz Hart já doente — que já fez parte da lendária dupla Rodgers e Hart — que enquanto afoga as suas mágoas e dores num bar de Manhattan — embora o filme tenha sido rodado na Irlanda — o seu antigo parceiro estreia sozinho o famoso musical “Oklahoma!” na Broadway, mas co-escrito com Oscar Hammerstein II. A juntar-se a Hawke estão dois atores agora na ribalta: Andrew Scott e Margaret Qualley, que esperamos que possam absorver neste filme, o sabor particular e o universo de Linklater.
Girls on Wire – Vivian Qu (China)
(Competição)
A estrela da vanguarda do novo cinema chinês, Vivian Qu regressa à cena dos festivais depois de se destacar em Veneza 2017 com “Angels Wear White” e de produzir o vencedor do Urso de Ouro de Diao Yinan, “Carvão Negro, Gelo Fino”. O intrigante argumente deste seu novo filme sugere um grande melodrama e uma história de duas primas: Tian Tian (uma atriz-dupla num dos maiores estúdios de cinema do país) e Fang Di — outrora criadas como irmãs — que reencontram-se para se ajudarem, depois de o pai da última ter sido vítima da máfia local. Forçadas a unirem-se para ‘escaparem a um destino dramático’, vão ter de confiar nas as capacidades atléticas de Tian Tian.
Lurker – Alex Russell (EUA/Itália)
(Berlinale Special Gala)
Também já estreado no Festival de Sundance 2025, onde teve uma recepção impressionante, o thriller do ator, realizador e argumentista Alex Russell acompanha Matthew (um Théodore Pellerin de olhar emotivo), um jovem que procura penetrar no círculo interno de uma estrela pop em ascensão Oliver (interpretada por Archie Madekwe, o jovem ator de “Saltburn”).
Russell, que começou a sua carreira a escrever para as famosas séries televisivas “The Bear”, com Jeremy Allen White, e “Beef”, com Ally Wong, estreia-se agora no cinema com este “Lurker”. Depois de ostentar créditos como argumentista de uma longa-metragem do cantor e rapper norte-americano Kevin Abstract, irá, sem dúvida, o seu poder e conhecimentos da inebriante e competitiva cena musical de Los Angeles.
Duas Vezes João Liberada – Paula Tomás Marques (Portugal)
(Perspectives)
Trata-se do único representante de produção exclusivamente portuguesa na 75ª edição da Berlinale. O mosaico histórico, do filme dentro do filme, quase pode-se dizer ‘made in Arroios’, e sem financiamentos públicos é a estreia na longa metragem da jovem realizadora Paula Tomás Marques (“Cabra-Cega”), já bastante consagrada no universo das curtas e da estética queer. “Duas Vezes João Liberada” apresentada na nova secção Perspectives, dedicada aos cineastas emergentes acompanha João (June João), uma atriz lisboeta, que protagoniza um filme biográfico sobre Liberada, uma figura de género não conforme perseguida pela Inquisição portuguesa no século XVIII.
A produção do filme torna-se um campo de batalha enquanto João entra em conflito com o realizador sobre a forma como o legado de Liberada deve ser retratado. Estas tensões aumentam à medida que os sonhos de João são cada vez mais assombrados pelo fantasma de Liberada, esbatendo os limites entre o passado e o presente. Quando o realizador sucumbe a uma misteriosa paralisia, deixando o filme inacabado, João é deixado a navegar pelo caos que se desenrola. Ela enfrenta perguntas sem resposta, não só sobre o futuro do filme, mas também sobre a sua própria ligação com o espírito e a história de Liberada.
Qual o filme do Berlinale por que mais esperas?