J'accuse - O Oficial e o Espião © Légende Films

Os César 2020 | Lista de vencedores e post-mortem da cerimónia

Os César 2020 foram tão ou mais polémicos que os Óscares alguma vez poderiam ter sido e a razão tem só um nome: Roman Polanski. 

Foram finalmente entregues os César 2020, os prémios da Academia Francesa de Cinema distribuídos  entre aqueles considerados como os melhores filmes de 2019. Esta 45ª edição dos César teve como anfitriã a atriz Sandrine Kiberlain, contudo em vez de se tratar de uma celebração serena e tranquila da sétima arte feita na França, tivemos uma das mais controversas cerimónias de entrega de prémios de que há memória nos últimos tempos.

Se já o facto de “J’accuse – O Oficial e o Espião” estar nomeado a 12 César era motivo para iniciar um motim pelas ruas francesas, levando mesmo aos dirigentes da Academia Francesa a demitirem-se, então a vitória de Polanski nas categorias de Melhor Realizador e Melhor Argumento Adaptado, deixou feministas em fúria e à beira de um ataque de nervos junto das portas do Salle Pleyel em Paris. Tudo isso porque Roman Polanski, além de ter sido condenado por violação sexual em 1977 sem nunca ter cumprido a pena, enfrenta agora novas e graves acusações de abuso.

Face à entrega, por parte da atriz Emmanuelle Bercot e da conceituada cineasta Claire Denis, do galardão de Melhor Realizador a Polanski – que esteve ausente por proteção pessoal -, a atriz Adèle Haenel – símbolo do movimento francês #MeToo, mostrou-se bastante indignada, gritou “que vergonha!” e logo depois saiu da sala, seguida por várias outras personalidades incluindo a sua companheira Céline Sciamma, ambas nomeadas aos César respetivamente pelos trabalhos enquanto atriz e realizadora em “Retrato da Rapariga em Chamas”. Enfim, o escândalo continua numa tentativa de colocar Roman Polanski atrás das grades.

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j'accuse
J’Accuse | © Canal+

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Mesmo assim, comecemos com as situações mais levianas e as vitórias mais agradáveis nos César 2020. Apesar da celebração de “J’accuse – O Oficial e o Espião” nas categorias de Melhor Realizador, Melhor Argumento Adaptado e Melhor Guarda-Roupa, foi “Os Miseráveis” o grande vencedor nos César 2020, ao levar para casa o prémio de Melhor Filme. Aliás, poderíamos dizer que a vitória deste filme foi mesmo um reflexo da sua anterior celebração ao longo da temporada de prémios 2019/2020. Este drama social sobre as guerras de poder em bairros problemáticos franceses havia sido também a escolha da Academia para representar a França nos Óscares 2020, onde acabou nomeado na categoria de Melhor Filme Internacional.

Destaque ainda para a vitória de “Parasitas”, agraciado com o César de Melhor Filme Estrangeiro (pela Coreia do Sul), sendo este o primeiro prémio ganhou pelo filme de Bong Joon Ho depois da vitória histórica nos Óscares.

Por fim, de salientar que Anaîs Demoustier venceu o César de Melhor Atriz pelo seu desempenho em “Alice e o Presidente”, e Roschdy Zem venceu o César de Melhor Ator por “Roubaix, Une Lumière”.

Abaixo poderás conhecer todos os vencedores dos César 2020.

Lista Completa de Vencedores dos César 2020

MELHOR FILME
“Os Miseráveis”

MELHOR REALIZADOR
Roman Polanski por “J’accuse – O Oficial e o Espião”

MELHOR FILME ESTRANGEIRO
“Parasitas” (Coreia do Sul)

MELHOR ATRIZ
Anaîs Demoustier por “Alice e o Presidente”

MELHOR ATOR
Roschdy Zem por “Roubaix, Une Lumière”

MELHOR ATRIZ SECUNDÁRIA
Fanny Ardant por “La Belle Époque”

MELHOR ATOR SECUNDÁRIO
Swann Arlaud por “Graças a Deus”

MELHOR ATRIZ REVELAÇÃO
Lyna Khoudri por “Papicha”

MELHOR ATOR REVELAÇÃO
Alexis Manenti por “Os Miseráveis”

MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL
Nicolas Bedos por “La Belle Époque”

MELHOR ARGUMENTO ADAPTADO
Roman Polanski e Robert Harris por “J’accuse – O Oficial e o Espião”

MELHOR FILME ANIMAÇÃO
“I Lost My Body”

MELHOR DOCUMENTÁRIO
“M.”

MELHOR FILME DE ESTREIA
“Papicha”

MELHOR BANDA-SONORA ORIGINAL
Dan Levy por “I Lost My Body”

MELHOR FOTOGRAFIA
Claire Mathon por “Retrato da Rapariga em Chamas”

MELHOR GUARDA-ROUPA
Pascaline Chavanne por “J’accuse – O Oficial e o Espião”

MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
Stéphane Rosenbaum por “La Belle Époque”

MELHOR EDIÇÃO
Flora Volpelière por “Os Miseráveis”

MELHOR SOM
Nicolas Cantin, Thomas Desjonquères, Raphaël Mouterde, Olivier Goinard, Randy Thom por “Le chant du loup – Ameaça em Alto Mar”

PRÉMIO DO PÚBLICO
“Os Miseráveis”

Segue agora as páginas para conheceres o nosso balanço final e post-mortem dos César 2020! Não te esqueças de partilhar a tua opinião sobre os vencedores e vencidos. 


A saga do J’accuse Roman Polanski….

César 2020
Roman Polanski e Jean Dujardin em “J’accuse – O Oficial e o Espião” © Légende Films

Poucos dias antes da realização da cerimónia dos César 2020, Roman Polanski disse que não estaria presente para proteger a sua imagem, a sua família e os seus colegas nomeados por “J’accuse – O Oficial e o Espião”, além de ter afirmado que a cerimónia iria parecer mais a um simpósio do que uma verdadeira celebração do cinema. Assim o fez, mas nem isso acabou por minimizar a tensão vivida junto da sala onde se realizou a entrega dos César.

Foram vários os ativistas, feministas e as mulheres que aproveitaram a ocasião para denunciar a celebração de Roman Polanski, eleito o Melhor Realizador pelos César, e até para chamar à atenção para problemas vividos na França nos dias de hoje em relação aos direitos das mulheres. Recordemos que Roman Polanski é considerado um fugitivo à justiça norte-americana desde 1977, quando foi acusado e, por sua vez, condenado de ter violado Samantha Geimer, na época uma menor com apenas 13 anos. Desde então, outras mulheres afirmam terem sido vítimas de agressões sexuais, algo que o realizador tem negado constantemente.

Curiosamente, esta polémica em torno de Roman Polanski coincidiu com a condenação do ex-magnata de Hollywood Harvey Weinstein – considerado culpado de agressão e violação sexuais – num escândalo que lançou o movimento global #MeToo. Enfim, a pergunta que se coloca é a seguinte: deve (ou pode) um filme realizado por alguém condenado e/ou acusado de abuso sexual e de pedofilia ser celebrado? A resposta não é tão simples quanto possa parecer e depende, como sabemos, de que lado cada um se posiciona, das suas ideologias e dos seus valores – sejam eles morais, religiosos, políticos, sociais, judiciais, etc.

Por um lado, há quem esteja de acordo com a veterana atriz francesa Brigitte Bardot, de que é necessário olhar somente para o objeto cinematográfico proposto pelo seu autor, seja ele quem for, “eliminando o cinema da sua mediocridade”. A própria cineasta Claire Denis, em reação à vitória de Polanski como Melhor Realizador nos César disse que o filme não fora proibido nos cinemas, e seria absurdo pedir aos membros da Academia para não votarem nele. “J’accuse”, drama sobre o famoso “Caso Dreyfus”, obteve inclusive mais de 1,5 milhões de espectadores nas salas de cinema, isto só em território francês. No momento em que foram reveladas as 12 nomeações para o filme de Polanski, a própria Academia dos César revelou “não ser um órgão que deva ter posições morais”.

Por outro lado, temos os ideais feministas de luta das mulheres, vítimas de agressões e abusos sexuais, que ignoram as propostas ditas artísticas dos violadores e que defendem que para tornar o mundo melhor há primeiro que julgar e prender os agressores. De facto, uma das formas mais “simples e sensatas” de tranquilizar os ânimos daqueles a favor ou contra Roman Polanski, seria não nomear cineastas acusados ou condenados por violação e pedofilia para qualquer tipo de prémios cinematográficos. Mesmo que os seus filmes sejam êxitos junto do público como aconteceu com “J’accuse – O Oficial e o Espião”.

Esta decisão talvez possa ser um pouco absurda e surreal para os mais ferozes adeptos de galardões e das temporadas de prémios, mas como sabemos ser o melhor entre os melhores foi e sempre será algo discutível e uma questão de gosto. Só porque um filme não foi eleito o melhor não minimiza o trabalho dos seus intervenientes. Por muita ironia, o próprio Roman Polanski, brincou com o facto, numa entrevista que deu recentemente:

A imprensa e os media apresentaram as nossas 12 nomeações como se fossem presentes oferecidos pelo conselho de diretores da Academia, como um gesto autoritário que forçaria as suas demissões. Fazer isso limita o voto secreto aos 4 313 profissionais que decidem sozinhos as nomeações, quando comparados aos mais de 1,5 milhões de espectadores que foram assistir ao filme.

Aliás, não pensemos que esta sugestão é completamente descabida e que até tem sido adoptada pela tão poderosa Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Um dos casos mais recentes foi quando os Óscares omitiram em 2019 o cineasta Bryan Singer, acusado de abuso sexual, da categoria de Melhor Realizador por “Bohemian Rhapsody”, mesmo quando o filme conseguiu ser amplamente aclamado e acabou por vencer 4 Óscares, incluindo Melhor Ator por Rami Malek. Os respetivos vencedores dessas categorias nem ousaram mencionar o nome de Singer no discurso de agradecimento, não só pela polémica de violação, mas também pelo facto deste cineasta ter sido despedido durante a produção do filme sobre os Queen. Embora contestável, adoptar a medida à la “Bohemian Rhapsody” pode ser um caminho seguro para os César, que origine menos conflitos ou tensões junto até do seu núcleo de artistas e da indústria a que pertencem.

Outro ponto a considerar neste conflito em torno Polanski são os diferentes tipos de públicos cinematográficos, aquelas pessoas que vão efetivamente ao cinema ver os filmes lançados em sala. Primeiro, temos um público dito elitista, dos quais poderíamos inserir os críticos e os pensadores, responsáveis apenas por valorizar a qualidade cinematográfica de um objeto fílmico e refletir sobre as formas como este “vê” o mundo. Segundo, temos um público que é também profissional de cinema e que pode ou não simpatizar com as vítimas de violência física, psicológica ou sexual. Há ainda outro público, que digamos corresponde à larga maioria que lhe dá igual quem seja o realizador ou o ator condenado ou acusado por qualquer coisa que seja. A maioria das pessoas quer ir ao cinema para relaxar, para desanuviar do dia a dia stressante que levam nos seus trabalhos. Por este motivo, a separação da arte e da vida real é algo que a maioria do público já faz há imenso tempo, sem sequer dar de conta.

Mesmo assim, Roman Polanski foi condenado uma vez e deveria cumprir a pena respeitante a essa condenação. Já quanto às outras acusações de que é alvo, determinar este cineasta como culpado ou inocente é algo que cabe unicamente aos orgãos e às instituições judiciais. Embora sejam casos e situações distintas, Woody Allen, por exemplo, foi dado como inocente das acusações de abuso ao seu filho Dylan Farrow, após terem sido feitas investigações pela Polícia Estatal de Connecticut e pelo Departamento de Serviços Sociais de Nova Iorque que não encontraram qualquer credibilidade na acusação, Contudo, Allen continua a ser enxovalhado pelos mais radicais membros da indústria cujas opiniões são depois alimentadas pela imprensa.

Voltando ao caso Polanski, há que admitir algo que a indústria cinematográfica, incluído obviamente a francesa, tem feito ao longo dos mais de 100 anos da sua existência que é preservar a imagem dos seus profissionais (uma “imagem de marca” desta sociedade do espectáculo) e isso sim deve ser acusado. As vedetas de cinema, como estrelas cintilantes que aparentam ser devem ser condenadas. Ninguém deve estar acima da lei, por ser “estrela das imagens em movimento”. E esta não é somente uma questão do cinema, como também deveria estender-se a todos os setores do mundo laboral. Optar por este caminho seria sim a forma de melhorar o mundo, sem cair em radicalismos.

O que pensas sobre a escolha de Roman Polanski como melhor realizador nos César?


Adèle Haenel e o retrato de uma atriz em chamas

Voltando ao nosso foco dos César, Adèle Haenel estava nomeada ao César de Melhor Atriz por “Retrato da Rapariga em Chamas”, mas acabou por perder o galardão para Anaîs Demoustier. No entanto, Haenel não deixou de ser a principal figura da noite dos César, por ter saído da sala em fúria quando ouviu o nome de Roman Polanski ser anunciado como o Melhor Realizador.

Não esqueçamos que no passado Adèle Haenel denunciou que o realizador Christopher Ruggia violou-a sexualmente quando ela tinha apenas 12 anos. Aliás, o seu caso é muito semelhante ao da primeira vítima de Roman Polanski. O momento desconfortável da vitória de Polanski seguida da sua reação, em que grita “Vergonha!” pode ser assistido abaixo:

De referir que apesar da fúria de Adèle Haenel nos César, muitos dos seus fãs e defensores não dizem sequer que Roman Polanski devia ser proibido de fazer filmes. Tal como eles, concordamos que o mais justo seria Polanski cumprir a pena de que foge há muito tempo e, enquanto isso não acontecer não deveria ser honrado com galardões como o César de Melhor Realizador, ou o Grande Prémio do Júri, recebido no passado Festival de Veneza.

Adèle Haenel é apenas uma das vítimas do sistema e da indústria cinematográfica, que nunca viu o seu abusador ser condenado, mas que vê outro abusador a ser celebrado. Há uma diferença entre permitir que Roman Polanski faça filmes e dar-lhe um microfone e um pódio.

Anteriormente, o Ministro da Cultura de França, Franck Riester disse em entrevista à France Info que dar o César de Melhor Realizador a Roman Polanski seria um “mau símbolo” em termos de consciência que “todos devemos ter pela luta contra a violência sexual”. Mesmo assim, os membros da Academia taparam os ouvidos…

Claire Denis reflexo da falta de transparência nos César

Claire Denis juntou-se a Emmanuelle Bercot para a apresentar o César de Melhor Realizador a Polanski, mas a presença desta célebre cineasta de 73 anos deu que falar também por outras razões. Na verdade, os nomeados para Melhores Atores em Ascensão são todos os anos convidados para um jantar especial dos César. Para isso, eles devem convidar um padrinho ou madrinha. Dois dos nomes nomeados este ano escolheram realizadoras entre elas encontrávamos a Claire Denis.

robbert pattinson em high life
Robert Pattinson em “High Life” de Claire Denis © NOS Audiovisuais

O problema é que a organização dos César 2020, sem revelar o porquê, recusou ambos os pedidos. Os atores jovens pensaram que se tratava de uma questão de disponibilidade, contudo nenhum dos organizadores dos César contactou Claire Denis. Sem qualquer justificação, simplesmente recusaram ter a Claire Denis como uma das madrinhas da nova geração de cineastas franceses. Esta situação só agrava as razões para uma necessária transformação e reconfiguração da Academia Francesa a partir do seu núcleo.

Há também o facto de que Claire Denis tem sido sistematicamente ignorada pelos César apesar de ser uma das mais aclamadas cineastas francesas dos últimos 40 anos. Entre os filmes mais conhecidos de Claire Denis encontramos obras como “High Life” (2018, na imagem), “Uma Mulher em África” (2009) ou “Beau travail” (1999).

Ao não reconhecer o trabalho de Claire Denis com um César, a Academia Francesa só transparece a falta de inclusão da sua indústria, uma que promova projetos liderados por mulheres realizadoras. Ironicamente, entre os 7 nomeados ao César de Melhor Realizador este ano só estava uma mulher –  Céline Sciamma, por “Retrato da Rapariga em Chamas”. E se houve polémica por Roman Polanski, polémica por Claire Denis, polémica por falta de diversidade e inclusão, houve também polémica pela falta de transparência da organização e do sistema dos César. O nosso desconforto face a esta cerimónia dos César é realmente generalizado às suas distintas frentes.


“Os Miseráveis” ou a celebração das minorias étnicas

Os Miseráveis
© Alambique

Como temos vindo a indicar, um dos problemas mais sérios e graves dos César 2020, e por sua vez, da sua organização, foi a falta de transparência. Ao contrário dos Óscares, os César continuam a esconder os seus métodos de voto para as diferentes categorias, entre elas (novamente) a de Melhor Realizador. Muitos foram os cineastas, incluindo homens, que exigem uma reforma do sistema de voto da Academia Francesa de Cinema, para que todos – artistas e público – saibam como é que as escolhas são feitas e quem é que tem efetivamente o poder de decisão. Se esta situação não mudar nos próximos tempos, os César arriscam-se a ser a ovelha negra da temporada de prémios. Aliás, quanto maiores são estas controvérsias maior será a dificuldade da Academia Francesa em aproximar-se de uma geração mais jovem de artistas e cinéfilos que não toleram ideais que mais do que conservadores são símbolo de um elitismo cultural e sexista.

Infelizmente, não poderemos esquecer que o vencedor do César de Melhor Filme não pode ganhar o César de Melhor Realizador. Esta é uma das regras da Academia que pode ser lida na sua página online e que transcrevemos abaixo:

Se o realizador do filme vencedor na categoria de “Melhor Filme” também ganhar a votação na categoria de “Melhor Realizador”, o “César de Melhor Realizador” será concedido à pessoa que obtiver o segundo lugar nas votações.

Logo, mesmo que o Ladj Ly (cineasta de “Os Miseráveis”) tivesse mais votos que Roman Polanski, o que pode ter acontecido, foi Polanski o que venceu nessa categoria. O problema é que ninguém sabe quem impôs esta regra – artigo 7º das regras dos César – ou sequer quem é que a decidiu visto que não há transparência nenhuma por parte desta Academia.

Apesar de toda a controvérsia em torno de Roman Polanski, a cerimónias dos César 2020 ficou marcada pela entrega justa de Melhor Filme a “Os Miseráveis”, talvez uma forma que os membros da Academia Francesa tenham encontrado para minimizar os escândalos. Não só por ser um filme contemporâneo sobre os abusos de poder nos bairros com maiores problemas em Paris, mas porque “Os Miseráveis” abre portas à celebração dos profissionais do cinema representantes de minorias étnicas.

Afinal, durante toda a controversa que envolveu a Academia Francesa sobre o caso Polanski, muitos atores e atrizes de origem africana, afro-caribenha, e asiática aproveitaram a ocasião para admitir a falta de diversidade juntos das nomeações dos César. Foi mesmo enviada uma carta à Academia que fazia referência a “Os Miseráveis”, cujo realizador Ladj Ly é de origem maliana, assinada entre tantos cineastas como por Mathieu Kassovitz, reconhecido por “La Haine” (“O Ódio”, 1990). Mathieu Kassovitz afirmou ainda que apesar das pessoas de minorias étnicas terem papéis no cinema francês estes são na sua maioria desempenhos pequenos, e até mesmo alvos de estereótipos que nem lhes dá qualquer oportunidade para chegarem aos César.

Na gala, o discurso da atriz e ativista Aïssa Maïga, de “O Rapaz Que Prendeu o Vento” (Chiwetel Ejiofor, 2019), destacou a falta de diversidade no cinema francês e de que os artistas como ela sobrevivem na arte cinematográfica pelos seus papéis como traficantes de droga, mulheres de limpeza ou terroristas… Poderemos ainda tomar em atenção às palavras proferidas pela jornalista e especialista na representação feminina de mulheres no cinema e na televisão Iris Brey, que referiu que estes César 2020 são um espelho da fracturação da atual sociedade francesa. Brey é uma autora francesa, célebre pelos livros “Sex and the series: Sexualité féminines, une révolution télévisuelle” e “Le regard féminin – Une révolution à l’écran”.

Infelizmente, o filme que acabou por arrecadar apenas uma única estatueta foi “Retrato da Rapariga em Chamas” (César de Melhor Fotografia). A obra de Céline Sciamma, um dos mais belos filmes dos últimos anos, tornar-se-á em breve um edificante arquétipo da transformação dos papéis femininos no cinema contemporâneo. Através da paixão intensa entre duas mulheres na França do século XVIII, Sciamma atualiza a teoria voyeurística do gaze de Jacques-Marie Lacan em que o outro, efetivamente a mulher, deixa de ser vista como um objeto de desejo e passa a vigorar como sujeito. Ao ser olhada, ela de nome Héloïse (interpretada pela vencedora de dois César Adèle Haenel) ao ser olhada consegue ser simultaneamente objeto e sujeito em si mesma. Lamentável que a sua falta ou pouca celebração de “Retrato da Rapariga em Chamas” nos César 2020 terá ficado atada aos ideais feministas mais radicais de uma França, que afinal ainda tem um quanto de conservadora para a mulher e para as mulheres cineastas.


César 2020 sem Prémio Honorário

Brad Pitt
Brad Pitt em “Era Uma Vez em Hollywood”, na sequência do Spahn Ranch | © Big Picture Films

Ironicamente, a controvérsia não termina e fez-se sentir na atribuição do César Honorário que afinal acabou por não acontecer. Tristemente, esta foi a primeira fez desde que os César existem (surgiram em 1976), que não foi atribuído nenhum César Honorário.

Ao que o jornal Le Parisien, conseguiu apurar Brad Pitt havia sido convidado para receber o César Honorário, e mesmo tendo aceite inicialmente a ideia, preferiu afastar-se poucos dias antes da sua oficialização. Ou seja, o próprio Brad Pitt, recentemente vencedor do Óscar de Melhor Ator Secundário, preferiu preservar da cerimónia mais problemática dos César. A Academia dos César ainda tentou contactar outros profissionais americanos, mas acabou por sair o tiro pela culatra.

Enfim, os César 2020 não passaram a melhor imagem dos dias tensos vividos culturalmente na França, recentemente abalada também pela demissão em massa dos redatores da famosa revista Cahiers du Cinéma. Que caminho irá ser traçado agora pelo cinema francês? Talvez a escolha de uma nova direção – apontada para os próximos meses – traga algumas propostas desejadas por artistas mais jovens. Até ao momento, e após a demissão de Alain Terzian, será Margaret Menegoz a artista responsável pela distribuidora francesa Les Films du Losange, a assumir a liderança interina dos César.

Acreditas que os próximos tempos serão mais calmos para a Academia Francesa dos César e que serão realmente feitas mudanças no seu sistema de voto? Partilha a tua opinião connosco. 

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