"Diamante Bruto" | © Alambique

Diamante Bruto, a Crítica | De Cannes à Festa do Cinema Francês

“Diamante Bruto,” também conhecido como “Diamand Brut” e “Wild Diamond,” marca a estreia de Agathe Riedinger na realização. O filme competiu pela Palme d’Or em Cannes e agora faz parte da Festa do Cinema Francês, onde poderá vencer o Prémio do Público – uma novidade desta edição.

Por vezes, estar na Competição Oficial de um grande festival não é a benesse que se espera. Este ano, Agathe Riedinger teve a honra de ver a sua primeira longa-metragem na corrida pela Palma de Ouro em Cannes, suscitando um escrutínio da crítica internacional que foi meio arrasador. Levantaram-se muitas questões sobre a sua posição privilegiada no programa, especialmente quando mestres como Mike Leigh foram rejeitados ou então renegados a secções menores comoaconteceu com Rithy Panh e Alain Guiraudie. Se os papéis se invertessem, se Riedinger tivesse passado o seu filme em Un Certain Regard, por exemplo, porventura a sua receção tivesse sido mais generosa. Enfim, são conjeturas para as quais nunca haverá resposta definitiva.

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O que sabemos é que, apesar de não ser um exemplo de grande ambição estética ou narrativa, “Diamante Bruto” tem muito mérito, inclusive algumas nuances que saíram ofuscadas entre a espetacularidade vistosa da sua competição na Croisette. Agora que chega a outros festivais e ao circuito comercial, talvez a reputação se altere e eleve. Estamos a fazer figas para uma reapreciação generalizada. Também se querem menos comparações entre Riedinger e outros cineastas, claras influências sobre o seu trabalho, como os irmãos Dardenne e Andrea Arnold. Dito isso, entendemos a analogia, especialmente quando se estabelecem ligações entre “Diamante Bruto” e “Aquário.” É difícil ver o filme no seu contexto presente sem pensar nos paralelos.

Um filme com pouca ambição, mas muito mérito.

diamante bruto critica festa do cinema frances
© Alambique

Em “Aquário,” estreado em 2009, Arnold apontou a sua câmara para uma adolescente que sonha em vingar no mundo da dança apesar de origens em classe baixa e uma presente situação muito precária. “Diamante Bruto” é sobre o mesmo e inclui outros elementos geminados. Há a irmã mais nova que se deixa influenciar pela protagonista, uma mãe solteira e ausente cujas relações passageiras perturbam as filhas, até o mesmo estilo de realismo social com uma câmara apurada para as texturas do quotidiano, capturando uma vividez que facilmente passaria despercebida. Dito isso, há tantas semelhanças como diferenças.

“Diamante Bruto” não é nenhuma cópia e, apesar das parecenças, as duas personagens têm pouco em comum. Enquanto a heroína de Arnold se aventurava pelo hip-hop e fazia tudo para evitar a objetificação, o mesmo não se pode dizer da figura central de Riedinger. Liane, com dezanove anos, é perita na apresentação erotizada da sua pessoa, tendo até já posto implantes mamários para acentuar a silhueta. A cirurgia cosmética foi um investimento pago através do furto, e quiçá se vão juntar uns implantes no rabo quando houver dinheiro para isso. Para ela, vender a fantasia do sexo é uma maneira de alcançar sucesso. A dança é a mesma coisa, somente uma ferramenta para a fama nas redes sociais e, se tudo correr bem, na televisão.


É claro que há passagens que sugerem um maior apreço, como quando Liane observa as go-go girls numa discoteca e o filme pausa para a contemplação. Vem uma ligeira desaceleração dos ritmos, o barulho real subsume, e vem ao de cima uma música do êxtase e da inspiração. Liane adoraria ser como elas, paga para ser adorada pela multidão, tornando o desejo dos outros numa espécie de arte consagrada. Ela também vê isso como trabalho, é claro, e a mente juvenil está sempre atenta a questões financeiras. Só a fortuna que vem com a fama a pode salvar da mesma vida empobrecida da mãe. Ou, numa questão imediata, salvar a família de ser despejada depois de quatro meses com a renda por pagar.

Mas tanto Liane é pragmática como é uma sonhadora, dada a irascibilidade e à força impulsiva que move muitos jovens como ela. De facto, a forma narrativa de “Diamante Bruto” depende das aspirações ingénuas da miúda que, certo dia, recebe um convite para fazer audições. O casting é para o reality show do momento, uma fábrica de estrelas ordinárias que, tal como Liane, fazem a vida a vender uma fantasia personificada por si mesmas. Depois da audição – filmada num só take para máxima ansiedade formalista – Liane espera pela resposta e cada dia que passa sem novidades é uma intensificação do seu suplício. Muito do trabalho de Malou Khebizi é a articulação desse horror, sempre escondido debaixo do artifício e do glamour.

Faz-se o estudo de personagem sem moralismos à mistura.

diamante bruto critica festa do cinema frances
© Alambique

A espera define o arco do filme, mas é a complexidade psicológica de Liane que o aprofunda. Um detalhe fascinante é a religiosidade da jovem, tanto na sua persona online como na vida privada. Momentos passageiros vêem-na rezar em murmúrio no comboio, enquanto há toda uma dimensão inesperada em torno da sua virgindade. A imagem sexual é uma produção, ao mesmo tempo sincera e insincera, que serve de armadura e de marketing, mas não reflete a relação da mulher com o próprio corpo ou o sexo oposto. O catolicismo também confere leituras diferentes a cenas como aquela em que, numa mortificação louca, Liane se tatua a si mesma com uma agulha quente. O sofrimento é santo e quanto mais sofremos mais ganhamos, virtuosos da dor.

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Amontoam-se contradições sem que “Diamante Bruto” caia na incoerência ou numa histeria moralista. Não há aqui uma faceta de punição ou qualquer desejo de castigar a personagem malcomportada. Pelo contrário, Riedinger constrói a sua obra consoante a evasão da moralidade conservadora e dos bons costumes, muito à moda francesa com uma vertente progressita. Faz-se um exercício em empatia e, chegado o final, manifesta-se uma gentileza comovente. Note-se que as notas derradeiras da peça são de esperança e incerteza, um abraço entre irmãs que não querem ser esquecidas, um sonho que implica a humilhação perante o público que não vê pessoas como Liane enquanto pessoas. Ao invés, são produtos a comprar, vender, consumir e deitar fora.

A Festa do Cinema Francês continua pelo resto do país depois de se dar por encerrada em Lisboa, já este domingo, dia 13 de Outubro.

Festa do Cinema Francês '24 | Diamante Bruto, a Crítica

Movie title: Diamant Brut

Date published: 11 de October de 2024

Duration: 103 min.

Director(s): Agathe Riedinger

Actor(s): Malou Khezebi, Idir Azougli, Andréa Bescond, Ashley Romano, Alexis Manenti, Kilia Fernane, Antonia Buresi, Guillaume Verdier

Genre: Drama, 2024

  • Cláudio Alves - 75
75

CONCLUSÃO:

“Diamante Bruto” retrata a obsessão de uma jovem cuja receita para o sucesso depende das redes sociais e dos programas salazes da TV. Uma aspirante a Kim Kardashian francesa, Liane mostra ser uma protagonista multidimensional que tanto invoca fascínio como compaixão. Ao invés de procurar a pena gerada por um melodrama punitivo, a realizadora Agathe Riedinger escolhe um caminho mais difícil, engendrando o estudo de personagem com um final ambiguamente feliz.

O MELHOR: O modo como Riedinger não lima as arestas vivas da sua personagem principal, deixando-a abrasiva e aguçada, difícil de amar ao mesmo tempo que faz tudo para ser um objeto que todos amam e querem possuir. Tanto a cineasta merece elogios como a sua atriz principal – Malou Khebizi.

O PIOR: A modéstia do projeto, sua falta de invenção formal ou qualquer tipo de risco audiovisual. Aplaudimos a simplicidade, mas também temos que apontar as limitações que impõe sobre este “Diamante Bruto.”

CA

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