In Ashes | © Heka Films

DocLisboa ’19 | En Cenizas, em Análise

Na Competição Internacional do DocLisboa ’19, e exibido no primeiro sábado do festival, no seu terceiro dia,  19 de outubro, encontramos “In Ashes”, ou no original, “En Cenizas”, uma co-produção entre a Colômbia e a França, da autoria de Camila Rodríguez Triana. 

O filme baseia-se na história de Marco, que sofre de um distúrbio de personalidade justificável devido ao seu envolvimento num conflito armado colombiano. Assim, muda a sua identidade múltiplas vezes. Exploramos a sua casa e a sua família, onde encontra objectos que evocam diversas memórias e os fantasmas de quem foi em tempos. Marco tem de encarar uma difícil realidade, e uma parte da história que precisa de esquecer: a guerrilha comunista que entregou. Com essa verdade revelada, Marco perderá a família.

Lê Também:   DocLisboa 2019 | Revelada Programação Completa

Aqui temos uma espécie de híbrido, narrado numa curta longa-metragem de 60 minutos, que vai combinar ficção, teatro e performance. Este é, diga-se de passagem, um filme que oferece muito mais perguntas do que respostas. Dominado por uma narrativa não-linear num jogo de luz e sombra, numa metáfora bastante auto-explicativa. A intencionalidade dramática é elevada, sendo um conteúdo especialmente teatral, que deve algo ao documentário mas também muito a géneros adicionais.

Doc Lisboa '19
In Ashes |©Heka Films

Apesar de ser vago e abstrato ao limite, é um conteúdo poderoso, que nos apresenta a sua temática através do contexto, e de uma fisicalidade sufocante.  A linguagem corporal do nosso protagonista diz-nos tudo o que precisamos verdadeiramente de saber sobre esta obra pouco linear e pouco preocupada com uma estrutura narrativa convencional.

Estamos no reino dos planos longos, fixos, com som ambiente elevado, onde a chuva cai, de forma incessante, numa casa bolorenta, escura, repleta de fantasmas. A escuridão domina, e tentamos desesperadamente preencher o espaço com imagens que não estão lá, com sons aqui e ali, com diálogos que são mais monólogos interiores, e que são ainda assim bastante esporádicos.

As personagens pouco falam, como referido, mas como poderiam fazê-lo de forma mais recorrente e corriqueira, se elas são apenas figuras fantasmagóricas, que ocupam a mente de um personagem central. Nesta casa escura e abandonada, recordam-se as memórias do que lá costumava estar, mas já não lá habita, nem habitará. Faz-se através do contraste entre a escuridão, e a luz, com uma lanterna como a nossa única guia.

Lê Também:   DocLisboa '19 | Brexit Behind Closed Doors, em análise

Os diálogos só começam volvidos 10 minutos, mas o espectador está já mais que envolvido quando chega essa altura. É este um tipo de obra abstrata que podemos esperar num festival como o Doc Lisboa 2019, mas não é por isso que não é bem-vinda. Alguns fantasmas não são mais do que projecções do nosso protagonista, outros manifestam-se através de gravações ou cartas, com as suas palavras para sempre cravadas nos ouvidos e na carne.

Os corpos imóveis e silenciosos dominam o espaço cénico, onde o artefacto se sobrepõe a qualquer noção de mimesis do real. Temos um mergulho no reino da saudade, onde o desespero é notório, e onde parece haver um indício de uma certa inclinação política na temática. Uma inclinação política que nos diz que o sonho do comunismo parece ter falhado. A Poética é elevada, ainda que o sofrimento não seja, por norma, verbalizado.

Doc Lisboa'19
In Ashes | © Heka Films

“Adoro a tenacidade que sobrevive no meu olhar”, diz o protagonista, apesar do seu olhar parecer vazio e vidrado num passado irrecuperável. Sobre ideologia, mas também, sem dúvida, sobre sobrevivência, assim é a história de Marco. A falência política evoca estes tais fantasmas, e faz com que seja impossível purgá-los.

São estas imagens pesadas, feitas com muito pouco, mas ainda assim altamente expressivas. São ecos impassíveis, inexpressivos, mas ainda assim capazes de assombrar. São o espelho do que se perdeu.

Um poema visual para ver no DocLisboa 2019. O festival continua até ao próximo dia 27 de outubro, e “In Ashes”, que foi já exibido ontem, pode ser visto no dia 25 de outubro, pelas 16h15, no Pequeno Auditório da Culturgest. Uma interessante sugestão para uma narrativa irreverente. 

En Cenizas
In Ashes

Movie title: En Cenizas

Date published: 20 de October de 2019

Director(s): Camila Rodríguez Triana

Genre: Documentário , 2019

  • Maggie Silva - 65
65

CONCLUSÃO

“En Cenizas” ou “In Ashes” é uma obra sobre tudo o que ficou por dizer, e sobre todos os fantasmas do passado que ameaçam nunca desaparecer. Sobre sonhos e ideologias falhadas, sobre arrependimento, dor e memória.

O MELHOR: A forte temática, os jogos de luz e sombra, os planos fixos com personagem imóveis a contrastarem com o nosso protagonista

O PIOR: Era ótimo saber mais, de um ponto de vista narrativo, sobre a história que nos é apresentada. É tudo tão abstrato, que esta experiência imersiva acaba por ameaçar tornar-se mais oca do que precisaria ou deveria ser

Sending
User Review
0 (0 votes)
Comments Rating 0 (0 reviews)

Leave a Reply

Sending