© El Deseo

Festival de Veneza 2024: Almodóvar e Delpero mostram-nos a beleza das pequenas coisas

Muito aguardado, “The Room Next Door”, o novo filme em inglês de Pedro Almodóvar, segue a linha dos seus melodramas anteriores, numa espécie quase de continuação de “Dor e Gloria”. A italiana Maura Delpero, faz-nos viajar para a montanhas de Trentino, para contar uma bela história de três mulheres. Dois grandes filmes no Festival de Veneza.

Depois dos ‘treinos’ nas duas curtas “A Voz Humana” e “Estranha Forma de Vida”, o realizador espanhol mais internacional e premiado de todos nos tempos, Pedro Almodóvar sonhava obviamente fazer o seu primeiro filme em inglês. Disse-o várias vezes e aí está ele “The Room Next Door”, um melodrama colorido que toca docemente num tema fracturante do momento: a eutanásia.

Depois de ter desistido do projecto “Manual para Mulheres da Limpeza”, uma adaptação do livro da escritora norte-americana Lucia Berlin (‘não me sentia fisicamente capaz’, disse então), acabou por pegar em “What Are You Going Through” de Sigrid Nunez — outra autora norte-americana que é conhecida pela biografia e proximidade com Susan Sontag — e construiu este “The Room Next Door”, que não um filme excepcional, mas é de grande qualidade e robustez, protagonizado por Tilda Swinton e Julianne Moore. O filme era muito aguardado e finalmente apresentado esta manhã, com filas enormes para as salas, na Competição de Veneza 81.

Ninguém queria perder o novo Almodóvar: “The Room Next Door”

Ingrid (Moore) e Martha (Swinton), eram amigas íntimas quando eram jovens e trabalhavam na mesma revista. Entretanto cada uma seguiu o seu caminho: Ingrid tornou-se escritora de romances, enquanto Martha foi uma arriscada repórter de guerra. Como acontece muitas vezes na vida, perderam contato e não tinham notícias uma da outra há muito tempo. Reencontram-se numa circunstância pouco agradável e extrema, com Martha diagnosticada com uma doença terminal. Porém, o triste desfecho e resultado dessa re-aproximação vai tornar-se estranhamente doce e tranquilo transformando “The Room Next Door” numa história de sentimentos (e também de alguns ressentimentos colaterais, não propriamente entre as duas protagonistas), sobre a morte, a crueldade da guerra e as diferentes formas de viver a vida, a família e como escrever sobre a realidade.

A liberdade de escolha

Rodado em Nova Iorque — o filme mostra bem o deslumbramento do realizador por alguns lugares da cidade — e na sua Madrid (basicamente as cenas de estúdio), o filme é quase um prolongamento de “Dor e Glória” (2019), um filme existencialista sobre o envelhecimento e o medo de morrer. Neste, “The Room Next Door”, o realizador aborda a questão do fim da vida, a partir de uma posição a favor da dignidade desse momento e da liberdade de escolha das pessoas de continuarem a sofrer ou por termo à vida de uma forma assistida.

Lê Também:   Festival de Veneza 2024: O brutal “The Brutalist” de Brady Corbet

Com inspiração clara na obra do pintor Edward Hooper, que se reflectem não só nos cenários e guarda-roupa, mas também nos exteriores, “The Room Next Door”, além da base literária — “Gente de Dublin” do escritor irlandês Henry James — tem uns diálogos como sempre bem construídos e o inevitável ritmo, sem variações do melodrama almodovariano; as duas protagonistas Tilda Swinton e Julianne Moore, são absolutamente incríveis e complementam-se, carregando todo o peso dramático do filme, dando-lhe suavidade e beleza necessária a um final agridoce.

Destaque para duas cenas e a forte presença do actor John Turturro e para a extraordinária banda-sonora de Alberto Iglesias, que se cola como sempre na perfeição aos ambientes e momentos dos filmes de Almodóvar.

“Vermiglio” é um filme sobre as raizes familiares

Belo e tocante é também “Vermiglio” da realizadora italiana Maura Delpero, que tem uma relação peculiar com os temas do ensino e das mulheres e as questões de tempo e espaço. “Vermiglio” é a sua segunda longa-metragem depois de uma carreira como documentarista. O seu primeiro filme “Maternal”, apresentado no Festival de Locarno 2019, foi pena que tivesse caído no limbo de estreias, provocado pela epidemia de Covid 19.

Uma grande beleza

A realizadora Maura Delpero, falando de “Vermiglio”, diz que ‘o húmus do filme são as suas raízes”. Porém, tempo e espaço, são os elementos fundamentais que marcam esta história de três mulheres, as três irmãs, Lúcia, Ada e Flávia protagonistas de “Vermiglio”. Trata-se de uma cidade rural localizada nas montanhas do Trentino, onde a história se move lentamente, com grande beleza e uma fotografia espectacular. Estamos em 1944, há guerra no vale, os habitantes de “Vermiglio” sabem disso, mas a sua vida continua como sempre, com os aviões de combate a passarem sobre as suas casas.

Lê Também:   Festival de Veneza 2024: A Competição começa a ser um campo de batalha

O ciclo das quatro estações

Um dia, a família acolhe em sua casa um soldado que encontrou num refúgio nas montanhas. E as coisas, pelo menos para as três raparigas vão mudar bastante. As quatro estações e a natureza completa o seu ciclo. Uma das raparigas vai tornar-se uma mulher, a sua barriga incha e nasce uma criança. A grande família parece com isso perder o caminho que lhes dá segurança, apesar das muitas dificuldades. Mas em quatro estações pode-se morrer e renascer. Esta aventura artística de Maura Delpero deve-se em grande parte às interpretações das três protagonistas: Martina Scrinzi, Rachele Potrich, Anna Thaler, absolutamente estreantes que deixam a sua marca neste filme lindíssimo e sensível. Ao seu lado Tommaso Ragno, Roberta Rovelli e Sara Serraiocco.

Festival de Veneza, ao vivo



Também do teu Interesse:


About The Author


Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *