"Baby Girl" © A24

Festival de Veneza 2024 | Cate Blanchett e Nicole Kidman trouxeram erotismo

O Carnaval de Veneza é famoso pelo seu erotismo, mas desta vez regressou ao Festival de Cinema com “Disclamer” do mexicano Alfonso Cuarón e “Babygirl” da holandesa Halina Reijn e com Cate Blanchett (ou melhor Leila George) e Nicole Kidman as suas protagonistas a aumentarem o calor no Lido.

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O thriller erótico, voltou em força ao Festival de Veneza com duas das mais conhecidas actrizes de Hollywood, Nicole Kidman (“Babygirl”) e Cate Blanchett (“Disclamer”), mas também com a jovem Leila George, a (também) protagonista de “Disclamer”, mais conhecida por ter sido a mais jovem mulher de Sean Penn. Não vamos falar muito dela para já porque tira o interesse para a fabulosa mini-série de Cuarón.

Nicole Kidman esteve aqui há 20 anos com “Birth” de Jonathan Glazer em 2004. Já tinha fartado com a infidelidade em “De Olhos Bem Fechados” (1999) e ultimamente tem sido muito bem sucedida em série de televisão que abordam o mesmo tema (“Big little lies”) e e filmes como “Um Assunto de Família”. Em “Babygirl”, ao 57 anos, mas ainda em grande forma — física e interpretativa — encarna o papel de uma CEO de uma empresa de robótica, casada com um famoso encenador de teatro (Antonio Banderas). Porém por detrás da sua aparência bem sucedida na vida profissional, esconde uma estranha insatisfação sexual.

Kidman perde a cabeça em “Babygirl”

Com a chegada de um jovem estagiário à sua empresa (Harris Dickinson), a personagem interpretada por Kindman não resiste à infidelidade e todo o processo termina num turbilhão e numa estranha relação de dominação (sado-masoquista) que ameaça a estabilidade da sua carreira e da sua família.

As excitantes cenas de sexo explícito são várias neste filme, realizado pela holandesa Halina Reijn (“Instinto” [2019] e uma comédia de terror intitulada “Bodies, Bodies, Dodies” [2022], que obviamente confessou na conferência de imprensa a sua grande admiração por um dos seus mentores: Paul Verhoeven, (“Instinto Selvagem”,1992).

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“Babygirl” é um filme de uma realizadora e feito com um olhar feminino, que fala sobre a masculinidade, como o poder é afrodisíaco, família, imediatismo, crise existencial e como é difícil conciliar e controlar tudo isto no mundo moderno. Ou seja: “como é possível amar com todas essas complexidades?”.

Halina Reijn tenta fazer algo de novo com “Babygirl”, mas a personagem de Nicole Kidman mostra que por trás da aparência de controlo existe ainda nas mulheres (e nos homens também) uma grande fragilidade, mesmo que estejam em lugares de poder. “Tem sido bastante libertador (…) e sabia que ela não iria abusar de mim”, disse Kidman ao lado da realizadora na mesa da conferência de imprensa.

Fugir à responsabilidade

Baseada no best-seller de Renée Knight, “Disclamer”, a mini-série de sete episódios do realizador mexicano Alfonso Cuarón, protagonizada por Kevin Kline e Cate Blanchett, apresentada obviamente fora da competição, foi um acontecimento raro pela afluência na sessão de imprensa. Mas sobretudo, pela sua enorme qualidade, que não fica nada atrás dos muitos filmes, aqui apresentados até agora.

“Disclamer”, do realizador mexicano Alfonso Cuarón — três vezes Leão de Ouro em Veneza e duas vezes vencedor de um Óscar como realizador de “Roma” e “Gravidade” — protagonizada por Kevin Kline e Cate Blanchett, passou vertiginosamente ontem pelo Lido, o que não é habitual no contexto de um festival, já que dura cerca de 7 horas.

A estreia está prevista para 11 de outubro na Apple TV+, mas o efeito não deixa de ser surpreendente já que as mini-séries começam cada vez a interessar ao público, mais a fazerem parte da selecção oficial dos festivais e a serem lançadas primeiro no grande ecrã. Trata-se de um bom augúrio, pois certamente não tardará muito o dia em que iremos com gosto ao cinema para ver séries de vários episódios.

Uma extraordinária adaptação

Esta extraordinária mini-série é baseada no best-seller homónimo “Disclaimer”, da escritora britânica Renée Knight, um livro que foi aliás publicado em Portugal, com o título “Pura Coincidência”, pela Suma de Letras em 2015 e que está aparentemente esgotado no mercado.

A complexa história de mistério e suspense, passada basicamente em Londres e numa praia de Itália, entre o passado nos anos 70 e a actualidade, está cheia de suspense com uma inevitável reviravolta, que o realizador vai dando pistas ao longo dos sete capítulos, aliás bem referidos com a numeração romana.

A história, segue uma premiada jornalista de investigação e documentarista, Catherine Ravenscroft (Blanchett), que construiu a sua reputação, expondo os erros e transgressões dos outros e que um dia recebe um romance intitulado “O Perfeito Desconhecido”, de um autor também desconhecido.

Ravenscroft fica horrorizada ao perceber que se tornou ela própria na protagonista de uma história que revela alguns segredos mais obscuros do seu passado. Enquanto Catherine tenta descobrir a verdadeira identidade do autor do livro, é forçada a confrontar-se com o seu passado, antes que este destrua a sua vida e a sua relação com o seu marido Robert (Sacha Baron Cohen) e o seu filho Nicholas (Kodi Smit-McPhee).

Efectivamente os problemas começam quando o tal romance misterioso, escrito por Stephen (Kevin Kline) um estranho professor viúvo e solitário, aparece na secretária de Catherine, sem qualquer explicação, e esta depressa descobre que se trata de uma personagem-chave dessa história bem enterrada no passado, com um segredo que pensava ser só dela.

Vingança através da ficção

A premissa de “Disclaimer” passa em primeiro lugar pela ideia que está subjacente a qualquer obra de ficção: um prévio aviso receptor de que qualquer semelhança com a realidade, quer seja na descrição dos cenários ou das personagens, é pura coincidência. Esquecem-se as semelhanças e está em princípio garantida uma viagem por uma nova história, uma nova ficção.

Porém imagine-se que o livro ou o filme à nossa frente fosse, estranhamente, igual a qualquer coisa que se passou na vossa vida? Que tivesse um protagonista que passou exactamente pelas mesmas experiências, as mesmas pessoas e sensações porque nós passamos? Outra ideia nova neste argumento é a de existir alguém que se quer vingar através de uma obra de ficção.

É curioso observar que a personagem central interpretada por Cate Blanchett tem qualquer coisa da elegância e da arrogância de “Tár” e de “Carol”, algo que nos faz de imediato antipatizar com a sua figura. Contudo a reviravolta na história (a verdade), vai ser um grande choque para o espectador pois durante vários episódios, fazem-nos acreditar numa tremenda mentira.

Dois narradores presentes

A estrutura da narrativa de “Disclaimer” alterna entre dois narradores e apesar das diferenças de idade de ambos este dispositivo funciona muito bem, pois permite conhecer conhecer ambos os lados da história. Os narradores são Catherine e um septuagenário de seu nome Stephen.

Na verdade, representam duas famílias unidas por acontecimentos traumáticos, que vamos descobrindo aos poucos, que Catherine tentou esquecer e Stephen não pode deixar esquecido e quer revelar a todo custo para vingar a sua mulher e filho, ambos já falecidos. A sua sede de vingança cerca Catherine, ao ponto de esta ver a sua vida familiar e profissional desfeitas.

As consequências desse(s) acontecimento(s) do passado, as reacções que as personagens têm, fazem com que a intensidade narrativa aumente em cada episódio ou pelo menos até ao V, quando as coisas começam a ficar mais claras e o ritmo alivia um pouco, mas não a surpresa, que vem com os dois últimos.

Quando pensamos estar na posse de todos os elementos, surge algo que dá uma reviravolta à história, levando a um ‘volte face’ na nossa forma de encarar todos os personagens envolvidos na complexa trama. É curiosamente também uma história quase desprovida de violência física e à partida até com uma componente erótica muito forte, passada numa praia e num resort italiano na década de 70.

Um thriller psicológico

“Disclaimer” impressiona igualmente pelos seus mecanismos psicológicos e algumas dúvidas que suscitam exercícios mentais e muita atenção aos detalhes e diálogos — como por exemplo, quem escreveu “O Perfeito Desconhecido”, não assistiu aos acontecimento marcantes e como teve acesso a eles? — que vão sendo esmiuçados ao longo da história. E sobretudo pelo segredo de Catherine, que inicialmente parecia tão linear e que acaba por nos apanhar de surpresa.

No clímax, ficamos mesmo abalados com a revelação. “Disclaimer” é ainda construída em torno de poucas personagens, os tais dois núcleos familiares de Catherine e de Stephen, pelo que estas são caracterizadas com alguma profundidade embora nenhuma, se possa dizer que seja muito realista. Porém, estamos no domínio da ficção e tudo serve para mexer com as nossa emoções.

De qualquer modo, as personagens não deixam de ser bastante complexas, inclusive a falecida Nancy (Lesley Manville) — que está viva na mente de seu marido vivo — que aparentemente parece ter guardado durante anos um segredo chocante e ter tentado apaga-lo com o romance “ O Perfeito Desconhecido”. Acima de tudo, “Disclaimer” uma história alicerçada numa boa adaptação e num excelente argumento.

Um elenco de luxo

Cate Blanchett, acabadinha de estrear “Borderlands”, de Eli Roth, é a protagonista absoluta e cativante desta mini-série, “Disclaimer” enquanto Kevin Kline é o misterioso ‘escritor’ que vira a sua vida do avesso. Além deles e dos já referidos Sacha Baron Cohen e Kodi Smit-McPhee, surgem também Lesley Manville, Louis Partridge, Leila George — linda de morrer —, Hoyeon e Indira Varma (como narradora).

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O vencedor de um Óscar, Emmanuel Lubezki, que já trabalhou com Cuarón em “Gravidade”, “Os Filhos do Homem” e “Y tu mamá también”, é o diretor de fotografia além do também nomeado para os Óscares Bruno Delbonnel. O vencedor de um Óscar e de um Grammy, Finneas O’Connell (“Barbie”, “007 Sem Tempo para Morrer”) compôs a banda sonora.

“Disclaimer” é um thriller psicológico intenso, com personagens bem construídas psicologicamente, com várias tentativas (bem conseguidas, aliás!) de dirigir a atenção do espectador para desfechos da história plausíveis, mas enganadores. Estes são os principais elementos que fazem com que esta mini-série seja muito excitante e viciante.

A minissérie de 7 episódios vai estrear mundialmente a 11 de outubro, com os dois primeiros episódios, seguidos de novos episódios todas as sextas-feiras, até ao final da temporada, a 15 de novembro.

O regresso dos eróticos ao Festival de Veneza

O filmes-eróticos ou melhor thriller erótico teve seu auge no cinema das décadas de 1980-1990: “Atração Fatal”, “Instinto Selvagem”, “9 Semanas e Meia “Violação de Privacidade”. Paul Verhoeven tentou recentemente sem grande sucesso de bilheteiras um regresso ao género, mas mais autoral com “Elle” (2016) e “Benedetta” (2021).

Efectivamente o movimento #MeToo e a afirmação de novas realizadora na indústria do cinema começaram a questionar este domínio de alguma forma machista e voyeur. As maneiras de filmar também mudaram bastante com o uso sistemática sobretudo na indústria de Hollywood dos coordenadores de intimidade.

De qualquer modo, recentemente a trilogia “As Cinquenta Sombras de Grey”, o primeiro dirigido por uma mulher a realizadora e fotografa Sam Taylor-Johnson com Dakota Johnson e Jamie Dornan foi um enorme sucesso entre o público feminino, apesar da sua história de sadomasoquismo soft, ainda mais escrito por uma mãe e dona de casa comum.

Festival de Veneza, ao vivo

Um dia diferente no Festival de Veneza.




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