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IndieLisboa ’22 | Boca do Inferno Curtas

“Boca do Inferno” é mais uma habitual certeza entre a vasta programação do IndieLisboa. Em 2022, a secção altamente disruptiva, que por norma circunda os géneros do terror, fantástico e sobrenatural, conta com sete longas-metragens programadas e uma sessão de Curtas. Analisamos agora os 8 filmes exibidos nesta sessão, unidos por uma linha coesa de humor negro, bizarria e criatividade galopante. 

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Em 2022, a seleção “Boca do Inferno Curtas” regressa em altas. A sua primeira exibição decorreu logo no primeiro dia do Festival IndieLisboa ’22, a 28 de abril, pelas 21h45, no Cinema São Jorge. Esta coletânea de pequenos filmes aterrorizadores e anti-conformistas volta a exibir no dia 8 de maio, pelas 22h00, no Cinema Ideal (Sala 1). Em antecipação, deixamos as nossas impressões acerca do conjunto de curtas.

SPIDER DE NASH EDGERTON (AUSTRÁLIA, 2007,9′) 

Spider curtas boca do inferno indie '22
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Um filme que começa citando algo que todas as mães e todos os pais, na história do mundo, terão dito ou pensado: é tudo muito giro, até alguém ficar sem um olho.

A sessão começa com um tom retrospetivo, com a exibição de “Spider” – curta originalmente estreada em 2007. Esta produção da autoria do australiano Nash Edgerton (“Gringo”) beneficiou de uma rota de festivais invejável aquando do seu lançamento original, tendo vencido variados Prémios do Público (como no Festival de Cinema de Sydney) ou ainda várias Menções Honrosas (como sucedeu no caso do norte-americano Sundance Film Festival).

“Spider” tem, no IndieLisboa ’22, por fim estreia nacional em terras lusas. A espera foi longa mas compensou. Esta é uma pequena pérola repleta de sabedoria e muito, muito humor negro. Da atmosfera tensa à ilustração chocante da ideia de “brincadeira de mau gosto”, “Spider” será capaz de provocar horror físico, choque e gargalhadas em igual medida. Por isso, é muito fácil perceber como se tornou este pequeno filme num crowdpleaser.

Esta comédia negra deixa antever a sua natureza desastrosa desde o primeiro segundo, mas a narrativa de retribuição cósmica que nos é apresentada torna-se, no final, verdadeiramente deliciosa. Brindamos também um Joel Edgerton mais no início de carreira (que viria a subir não só a representação, mas também na realização, nomeadamente com “Boy Erased”), no papel do fatídico paramédico. “Spider”, curta bem ritmada e com um arco perverso (no melhor dos sentidos) teve mais tarde os follow-ups “Bear” e “Shark”, que se apresentam também nesta sessão.

 Classificação: 85/100

SUCKING DIESEL DE SAM MCGRATH (IRLANDA, 2022, 10′) 

sucking diesel Sam McGrath
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Uma tentativa de assalto e um mal entendido. Depois de uma noite calma, Marion não estava à espera de que o seu turno terminasse assim.

A  sessão de curtas-metragens inseridas na secção Boca de Inferno continua com com mais uma comédia negra de 10 minutos, numa produção Pale Rebel ProductionsLondon Film School. Esta narrativa premiada é, tal como a imediatamente antes apresentada, um cocktail molotov perfeito de desenganos, violência e catastróficas consequências inesperadas. “Sucking Diesel” apresenta um humor corrosivo e brinca com as expetativas dos espectadores de forma notável. É ainda mais deliciosa para o seu público doméstico, na Irlanda, pois joga com o esperado por parte de membros da antiga organização IRA – Irish Republican Army, ilegal e classificada como terrorista.

“Sucking Diesel” promete um crescendo progressivo e é meritório de todas as atenções, através da sua inata capacidade para provocar o riso compulsivo nas mais inóspitas das condições. Destaque também para o trabalho do som criado por Brian Fallon e Sol O’Carroll. A dupla consegue elevar o material, criando a tão desejada e tão presente tensão dramática acutilante.

 Classificação: 85/100

FURY DE JULIA SIUDA (POLÓNIA, 2021, 5′) 

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Uma animação que expressa, através de linhas orgânicas e de uma expressividade visual notável, uma agressão e uma frustração que rompem com os limites do físico.
Das comédias terroríficas sangrentas para a animação desprovida de diálogos, “Fury” é uma curta experimental que apoquenta através da sua sonoridade provocadora e desafiante, que nos interpela por meio da repetição e hipnotiza através das invulgares imagens. Uma palavra assalta ao ver e pensar este pequeno filme – para lá dos calafrios na espinha, há um nítido sentimento de eeeriness suscitado em quem vê. Mais que uma estranheza – tradução possível para português – “Fury” transmite um conjunto de qualidades estranhas, misteriosas e ameaçadoras.

Na marca dos meros cinco minutos, mas como testemunho da talentosa montagem conseguida, eis que “Fury” é um filme muito curto mas não deixa por isso de ser extremamente desafiante vê-lo de fio a pavio. Esta inquietante pequena animação ilustra, para lá do concreto e bebendo de todas as ferramentas à sua disposição, como conseguirá a nossa heroína, a protagonista sem rosto da obra, libertar-se da sua raiva e frustrações.

“Fury” resiste à interpretação fácil e apresenta inúmeras leituras, todas igualmente válidas, que poderiam surgir a partir da análise deste objeto fílmico. Aliás, esta pluralidade do sentido confere a qualidade nítida a esta obra arrojada. Algo é certo, terminada a visualização, sem dúvida nos sentimos às portas da boca do inferno.

 Classificação: 77/100

BABY BOOM DE THOMAS LUNDE (NORUEGA, 2022 13′) 

baby boom curta noruega '13
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A vida de Runar não parece estar a desenvolver-se de forma auspiciosa até ao momento em que faz swipe right a uma bela criatura vinda do espaço que o quer engravidar.

Thomas Lunde, realizador de Alien Death Fuck”  e um tarado por aliens – no melhor sentido, claro está –  apresenta mais uma comédia que mescla, na perfeição, elementos de comédia, sci-fi e terror.

Começa com um aviso, e porque não? Este filme deve ser visto com o volume bem alto. A complexa banda-sonora com ecos psicadélicos deveras não merece menos, nesta que é uma irónica história sobre o que acontece a homens do “antigamente” na era do #metoo. “Baby Boom” apresenta outra particularidade inesperada quando falamos de curtas-metragens – ao contrário dos três filmes previamente mostrados, todos eles ricos em temáticas, mas esgotados em si próprios, esta curta de Thomas Lunde assume uma premissa de ficção científica rica e que com toda a facilidade se poderia ver  expandida e apresentada no formato de longa-metragem.

Sensual, provocador, “Baby Boom” apresenta uma interessante estética neon e uma mordaz revolta e sentido de reflexão inerentes, sem nunca se levar demasiado a sério. Uma nota também para a montagem, que cumpre com sucesso a sua função mais elementar de criar sentido através da combinação sugestiva de imagens. Sádico é também uma palavra que nos surge, mas tantas outras são aplicáveis a um universo que, sem dúvida nenhuma, promete no mínimo dos mínimos um genuíno sentimento de espanto e perplexidade e que esperamos revisitar no futuro próximo!

 Classificação: 82/100

BEAR DE NASH EDGERTON (AUSTRÁLIA, 2011,11′) 

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A namorada de Jack acorda irritada. Jack finge não reparar, até ela sair de casa. É tudo um ardil porque ele tem uma surpresa preparada para ela. Só falta ver qual é.

Com Nash Edgerton em dose tripla nesta sessão de curtas Boca do Inferno no IndieLisboa ’22, depois de “Spider” segue-se esta continuação lançada passados 4 anos.

Desta vez com Teresa Palmer (“Lights Out: Terror Na Escuridão”) no papel da mal-fadada namorada, eis que Edgerton volta ao universo dos arrufos e partidas entre casais. Aqui, uma vez mais, o próprio realizador dá vida ao idiota Jack – potencialmente o pior namorado da história da humanidade. Claro quer Jill já não é a sua namorada e nos é apresentada a sua nova “vítima” – Emilie. Mais não podemos revelar, mas é certo que Nash Edgerton prossegue, aqui, com a criação de um universo simples mas coeso (e deliciosamente perverso). Desta vez, conseguiu até a nomeação  – merecida –  à Palma de Ouro em Cannes. 

Repetir uma história poderia tirar-lhe a graça e o interesse, mas Edgerton repete a fórmula e dá-lhe um novo twist que a torna ainda mais memorável. Ver esta sessão de curtas da Boca do Inferno permitirá ter uma visão alargada e muito interessante da evolução do seu trabalho.

 Classificação: 88/100

KERKPLUNKY! FESTIVAL DE ROBERT KLEINSCHMIDT (EUA, 2022, 5′) 

IndieLisboa 2022 • Boca do Inferno
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Depois de ter trazido Bobby Pinwheel no ano passado, Robert Kleinschmidt está de volta com as suas excêntricas aventuras em stop motion. Este festival animado lida com temas como o isolamento, o alcoolismo e do apodrecer de dentes. Clássico Kleinschmidt.

Dos Estados Unidos da América chega-nos, à Boca do Inferno, uma breve animação irreverente da autoria de Robert Kleinschmidt, um autor que não é estranho ao Festival e um criador de animação invulgar em stop motion desde a sua adolescência. Acima de tudo, este filme sente-se como um exercício de criatividade sem amarras. Livremente (mas não levemente) mórbido, esta obra não poderia encaixar melhor no espírito muito concreto desta sessão da Boca do Inferno. Esta faz-se surreal, sangrenta, repleta de deliciosa bizarria que tão comummente falta do cinema de massas.

Dos ruidinhos à musiquinha que sugere um setting bem menos agressivo e brutal, Kleinschmidt mune-se de uma justaposição de adoráveis criaturas colocadas em situações bem precárias e catastróficas. O humor irresistível advém desse mesmo contraste. Não é a primeira vez que vemos este tipo de subversão na televisão e cinema, mas sem dúvida a abordagem de Robert Kleinschmidt merece ver reconhecido um certo punho autoral. Apesar de o filme evoluir para uma conclusão algo grotesca, não perde por isso a sua graça muito própria.

Classificação: 78/100

NIGHT OF THE LIVING DICKS DE ILJA RAUTSI (FINLÂNDIA, DINAMARCA, 2021, 19′)

Night of the Living Dicks boca do inferno indie
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Não há espaço para metáforas subtis quando se pode ser tão alegremente directo. Um filme-homenagem a outros clássicos, incluindo Eles Vivem, de John Carpenter, sobre misoginia e dinâmicas de género. Tudo começa quando Venla descobre um par de óculos com características muito especiais.

Um trocadilho universalmente reconhecido com o nome do filme de terror zombie – “Night of the Living Dead” (de 1968), “Night of the Living Dicks”, o filme mais longo desta sessão na marca dos 19 minutos, é uma homenagem ao género do terror, entre eles o terror-zombie, um dos mais prolíficos subgéneros. Todavia, é também uma narrativa que alude a políticas de Género (com “G” grande) e as presunções que estas arrastam consigo.

Neste conto surreal, uma mulher que não pretende falar  – com justiça – pela totalidade do seu género encontra um dispositivo que lhe permite esmagar o patriarcado (ou vê-lo bem melhor, das duas uma). Sim, “Night of the Living Dead” é, vistas bem as coisas, muito parvo. Todavia, tal não invalida que algumas das suas linhas de diálogos sejam para lá de engraçadas (“não consegues medir emoções, mas consegues medir pilas” é apenas uma de inúmeras pérolas). Para além disso, a atmosfera plástica e irrealista joga a favor desta narrativa, legitimando-a dentro do seu próprio universo retorcido. O preto e branco, parte integrante da homenagem, favorece muito a estética e o ambiente noir do filme. E, no final, uma explosão de cor belíssima é o símbolo perfeito para a libertação…

Classificação: 75/100

SHARK DE NASH EDGERTON (ÁUSTRALIA, 2021, 14′)

Shark no indielisboa 22 19ª edicao
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Jack está prestes a conhecer o amor da sua vida, aqui protagonizado por Rose Byrne (A Melhor Despedida de SolteiraMá Vizinhança). Tudo parece correr bem no melhor dos mundos… e mais não contamos.

Esta sessão de curtas Boca do Inferno, onde reina o surreal, o sanguinário e o humor mordaz, fecha com mais uma exibição do herói desta hora de cinema – Nash Edgerton. O seu Jack está de volta, aparentemente já elevado ao estatuto de figura mítica inabalável. O que regressa também são as suas sórdidas tentativas de surpreender namoradas, desta vez com mais uma célebre vedeta de Hollywood, a australiana Rose Byrne (“Physical”) no papel da nova namorada.

A crónica episódica, protagonizada uma vez mais pelo ator e também realizador Nash Edgerton, continua e, pela primeira vez, para agitar as águas, encontramos uma nova namorada que aprecia as partidas do seu namorado com um sentido de humor muito peculiar – a Sofie de Rose Byrne. “Shark” é uma continuação gloriosa e estabelece uma trilogia imperdível juntamente com “Spider” e “Bear”. Embora o ponto de partida seja o mesmo, os detalhes dos cuidados argumentos divergem sempre que Edgerton recupera as absurdas aventuras de Jack que, de um momento para o outro, se alojaram de forma permanente no meu panteão pessoal do humor negro.

Uma sessão coesa, imaginativa, hilariante e absurda, Boca do Inferno Curtas regressa para a segunda exibição no IndieLisboa ’22 no dia 8 de maio. Já ao longo desta semana, podem continuar a acompanhar a cobertura da 19ª edição do IndieLisboa na Magazine.HD! 

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