©Zero em Comportamento

Kubrick por Kubrick, a Crítica | A história de Stanley Kubrick num documentário vencedor de um Emmy

Uma exploração única da vida e obra de Stanley Kubrick, cineasta responsável por filmes como “2001: Odisseia no Espaço” e “Laranja Mecânica”.

Há cineastas de quem os especialistas e vastos segmentos do grande público (naturalmente os mais vocacionados para a pura e dura cinefilia) não ignoram as qualidades patentes na sua filmografia, quer ela seja abundante e diversificada, quer se reduza a dezasseis curtas e longas, número que de modo nenhum corresponde ao amplo reconhecimento da sua inegável importância. Na análise global da História do Cinema, sobretudo no quadro de um conhecimento integrado, contextualizado e sempre que possível na íntegra das obras que lhe dão corpo, a valorização das carreiras individuais parte de uma base mais ou menos sistematizada constituída pela dinâmica entre a oferta e a procura no mercado comercial e pelo papel exercido pelas instituições culturais que não se movem única e exclusivamente por modelos de negócio destinados a produzir o lucro.

Lê Também:   Folhas Caídas, a Crítica | Um conto do cineasta Aki Kaurismäki premiado pelo Festival de Cannes de 2023

BREVES PALAVRAS SOAM A MUITO NA ABORDAGEM DOCUMENTAL DA OBRA DE UM GÉNIO…!

Esta dialéctica permite-nos assumir uma análise concreta que, nos casos mais salientes, não se esgota nesta ou naquela era nem nesta ou naquela geração. De facto, para um amante da sétima arte, muitos são os anos necessários a uma reunião mínima das condições para visionar o melhor da obra de um John Ford, de um Fritz Lang, de um Alfred Hitchcock, de um D. W. Griffith. Podia continuar a citar dezenas, centenas de outros nomes, mas fico-me apenas por estes quatro cuja produção geral ou maioritária se encontra integrada nos valores mais perenes da indústria cinematográfica norte-americana e daquilo que nela representou, por muitas décadas, o peso e influência da marca Hollywood, ou seja, o sistema de produção a ela associado.

KUBRICK POR KUBRICK
©Zero em Comportamento

Todavia, não há regra sem excepção. E, se quisermos conhecer a fundo a obra de um cineasta como Stanley Kubrick (Bronx, Nova Iorque, 26 de Julho de 1928 – Childwickbury Manor, Hertforshire, Inglaterra, 7 de Março de 1999), necessitamos de fazer a viagem ao contrário e no final das contas dar atenção a menos de duas dezenas de filmes entre projectos concretizados e por concretizar. Devemos ainda deslocar o nosso olhar dos EUA para a Europa, já que ele preferiu, a partir de um certo patamar de integração na indústria do seu país, isolar-se numa espécie de realm privado no interior do Reino Unido, para de certa forma se proteger do que restava do Studio System e do Código de Produção que então ainda imperava na produção americana. No fundo, para criar o seu próprio sistema, que poderíamos apelidar Kubrick System, que na prática o levou a beneficiar do melhor dos dois mundos.




Por um lado, estabeleceu uma ponte financeira com os grandes estúdios do outro lado do Atlântico, nomeadamente com a Warner Brothers, mas não só, ou seja, com os representantes ou herdeiros do método clássico de Hollywood, não descurando a importância da distribuição que eles podiam e queriam concentrar na sua esfera de influência. Por outro, gerou os mecanismos necessários para não depender deles no campo das opções editoriais, de modo a evitar ficar submetido a grilhetas de rentabilidade sobre utilização de meios, engrenagens de capitalização relativas a activos materiais e humanos, a problemas logísticos que sempre evitou, construindo perto de si os décors e locais de rodagem que, ao contrário do que se possa imaginar, são factores que influenciam muito mais do que se pensa o chamado Final Cut. Engenharia necessária muito por causa dos défices financeiros, do desvio de capitais de investimento e dos compromissos a que eles obrigam, contaminando o controlo final de uma obra fílmica que não se deve confundir com o Director’s Cut, muitas vezes mera concessão dos produtores e pura manobra de marketing para vender uma e outra vez aquilo que já antes se havia vendido.

Stanley Kubrick
©Zero em Comportamento

Em suma, numa frase simples mas que esconde na sua brevidade a múltipla complexidade das relações entre arte e indústria, Stanley Kubrick construiu para si aquilo que constitui o lugar físico e uma das sensações pessoais mais vibrantes para quem preza a liberdade: a independência que paira nos mais secretos sonhos húmidos de qualquer profissional de cinema que deseje afirmar a sua individualidade criativa. E a história de vida de Stanley Kubrick confunde-se com a sua história profissional. A História do Cinema só beneficiou com a possibilidade de afirmação do seu génio, e porque não dizer, do seu ego, no campo da produção cinematográfica, onde procurou ao máximo a ideia de absoluto, de rigor, de perfeição. Por isso se diz que ele foi responsável por filmes que marcaram o género a que pertencem, sendo em muitos casos os expoentes de cada género abordado.

Lê Também:   Maestro, a Crítica | Bradley Cooper dá a conhecer a vida e obra de Leonard Bernstein

Enfim, são apreciações subjectivas, melhor, discutíveis, mas legítimas face a exemplos como “2001: A Space Odyssey” (2001: Odisseia no Espaço), 1968, na área da Ficção Científica, ou “Paths of Glory” (Horizontes de Glória), 1957 e “Full Metal Jacket” (Nascido para Matar), 1987, na área do Cinema de Guerra (Primeira Guerra Mundial e Vietname), ou “The Shining” (Shining), 1980, na área do Terror. E nunca poderemos ignorar a sua corajosa incursão pelo Thriller Noir-Erótico que se ergue como um dos marcos limiares de um género híbrido mas de forte impacto na boa e má consciência de quem o fez e de quem o viu, opção que desafiou várias censuras e que se consubstanciou, para mim, numa das obras-primas do cineasta, o inesquecível “Lolita”, 1962.




Dito isto, revelo a razão porque fiz esta introdução a um cineasta que há muito sigo e admiro. Na verdade, pela mão da Zero em Comportamento, chegou ao circuito comercial, num conjunto de sessões especiais, a possibilidade de visionarmos um curioso documentário intitulado “Kubrick Par Kubrick” (Kubrick Por Kubrick), 2020, realizado por Gregory Monro. Trata-se de uma abordagem não necessariamente exaustiva mas pontualmente incisiva da vida e obra de um génio do cinema, concebida numa estrutura de montagem onde se articulam diferentes materiais de arquivo, sendo o mais significativo de entre os que são utilizados aquele que sustenta a coluna vertebral do documentário, uma das raras entrevistas concedidas por Stanley Kubrick, desta vez ao crítico francês Michel Ciment.

Lê Também:   Dias Perfeitos, a Crítica | Uma marcante aposta do cineasta Wim Wenders
KUBRICK POR KUBRICK
©Zero em Comportamento

Para os devidos efeitos, essa será do princípio ao fim a verdadeira mais-valia desta obra que em muitos aspectos podia e devia ir mais longe na interpretação e reflexão da matéria que tinha entre mãos. Não vejo mal algum na sua vertente, digamos, didáctica mas não paternalista, e considero que como introdução das virtudes e métodos de Stanley Kubrick junto de um público jovem que possa andar distraído ignorando o melhor que se produziu no passado, o filme pode cumprir uma missão de relevo. E ouvir de viva voz o cineasta criticar os primórdios da sua filmografia e os reveses da sua então falta de experiência, muito patente num filme como “Fear And Desire”, 1953 (por incrível que pareça, resultado mais desastroso do que as suas incursões pelas curtas-metragens com que iniciou a carreira, onde destaco o seu muito interessante primeiro filme a cores, “The Seafarers”, 1953), dá a “Kubrick Por Kubrick” uma justificação plena para o projecto e para a verdade subjacente ao seu conceito primordial: o de podermos descobrir a personalidade de alguém pela audição das suas sinceras e próprias palavras, assim como dos referentes que aponta para nos dar mais informação sobre as motivações que delinearam as grandes linhas da sua obra como autor de corpo e alma.

Kubrick por Kubrick, a Crítica

Movie title: Kubrick Par Kubrick

Director(s): Gregory Monro

Actor(s): Stanley Kubrick, Michel Ciment, Malcolm McDowell, Jack Nicholson, Shelley Duval, Sterling Hayden, Arthur C. Clarke, Marisa Berenson, R. Lee Ermey, Vincent D’Onofrio, Peter Sellers, Garrett Brown, Ken Adam, Leonard Rosenman, Tom Cruise, Nicole Kidman, Christiane Kubrick, Roger Ebert, Dann Gire, Maurice Beaupère, J. – H. Bigay, Kirk Douglas, Pierre Fruchon, Sue Lyon, James Mason, Agop Tarzan.

Genre: Documentário,, 2020, 73min

  • João Garção Borges - 60
60

Conclusão:

PRÓS: Entre outros, recebeu em 2021 o Emmy para Melhor Programa de Arte.

CONTRA: Nada de especial.

Sending
User Review
0 (0 votes)

One Response

  1. Bruno Costa 16 de Janeiro de 2024

Leave a Reply