Estes são, para mim, os 5 melhores argumentos do século XXI disponíveis no streaming
Argumento: aquilo que todos os filmes de ficção têm mas, muitas vezes, ficam esquecidos face ao produto final. A escrita do argumento é uma das primeiras fases para a feitura de qualquer filme de ficção. Sem ele, não temos sequer filme pois é necessária a escrita de toda a narrativa e diálogos para que o filme exista. Há, pois, casos em que o argumento parte do realizador e outros em que o realizador é contratado já com o argumento escrito ou, pelo menos, minimamente desenvolvido.
Nesta lista, irei dar destaque aos argumentos no cinema. Assim, irei abordar cinco daqueles que considero serem os melhores argumentos do século XXI e que estão atualmente disponíveis no streaming.
Para isso, irei destacar apenas argumentos escritos diretamente para cinema. Não, não considero os argumentos adaptados de outras fontes uma obra menor. Simplesmente gostaria de, nesta lista, louvar aqueles que são os argumentos escritos do zero. Pode existir sempre uma ou outra inspiração, é certo, mas, antes de serem escritas, estas narrativas nunca tinham existido antes.
Grand Budapest Hotel, o último grande argumento de Wes Anderson
Wes Anderson é um dos grandes mestres do cinema americano contemporâneo. Reconhecido pelo enorme cuidado na direção artística dos filmes e nos enquadramentos bastante centralizados, o realizador também nos traz grandes histórias.
Assim, destaco “Grand Budapest Hotel” (2014) que considero ter sido o último grande argumento da sua obra. É claro que Wes Anderson fez outros grandes filmes depois deste mas, no que ao argumento diz respeito, nenhuma outra obra do autor ainda suplantou esta.
“Grand Budapest Hotel” tem o seu argumento escrito numa autêntica mise-en-âbime. De forma a clarificar melhor este facto, o realizador decidiu ter o filme em três formatos de imagem distintos: 1.85:1, 2.39:1 e 1.37:1.
A saber, a narrativa começa num cemitério onde uma personagem tem o livro “Grand Budapest Hotel”. Esse livro liga-se ao seu autor (Tom Wilkinson e Jude Law) que narra a história de como conheceu Zero (F. Murray Abraham e Tony Revolori) e, assim, entramos na história principal onde Zero é o paquete do Grand Budapest Hotel. Ou seja, uma história encaixada dentro de outras três.
Depois disso, toda a história principal de “Grand Budapest Hotel” está cheia de fabulosas cenas que retratam uma perseguição sem fim pelo quadro “Rapaz com Maçã”. O argumento de “Grand Budapest Hotel” foi escrito por Wes Anderson e Hugo Guinness, inspirando-se nos escritos de Stefan Zweig.
Ganhou 4 Oscars (melhor guarda-roupa, maquilhagem e cabelos, música e direção artística), infelizmente perdendo o Oscar de melhor argumento para “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)” (2014, Alejandro G. Iñárritu); curiosamente, um filme que detestei.
Podes ver “Grand Budapest Hotel” no Disney+ ou no Canal Hollwood onde foi exibido no passado dia 6 de agosto (ou seja, podes vê-lo nas gravações automáticas da tua box) e volta a ser exibido no dia 16 às 6h50.
Força Maior, um argumento muito incisivo
Vencedor do Prémio do Júri na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes, “Força Maior” (2014, Ruben Östlund) é daqueles filmes irrepetíveis dada a densidade que tem. Até ao momento que Hollywood se lembrou de fazer um remake… e, assim, foi lançado “Downhill” (2020, Nat Faxon e Jim Rash). Devo confessar que nem sequer vi o remake americano, apesar de gostar bastante dos atores Julia Louis-Dreyfus e Will Ferrell. Acho que o argumento do filme sueco é tão excecional que não merecia sequer ser mexido. Especialmente quando pegamos em dois atores de comédia para fazer um drama tão intenso… É a mesma coisa que, por exemplo, um remake de “Casablanca” (1942, Michael Curtiz). Não se mexe.
Não é por acaso que “Força Maior” foi o filme que abriu as fronteiras ao realizador Ruben Östlund que, entretanto, filmou dois filmes com a participação dos E.U.A.: “O Quadrado” (2017) e “Triângulo da Tristeza” (2022).
“Força Maior” tem um argumento assinado pelo próprio realizador e conta a história de uma família de férias na neve. Certo dia, acontece uma avalanche e o pai Tomas (Johannes Kuhnke) foge sozinho deixando a mulher Ebba (Lisa Loven Kongsli) e os filhos Vera (Clara Wettergren) e Harry (Vincent Wettergren) em perigo. A partir daí tudo descarrila quando ele não assume que fugiu do local.
Este é um filme que se inspira de forma clara na tradição de Ingmar Bergman onde um pequeno conflito gere toda a narrativa do filme. Os tempos e a escrita dos diálogos são essenciais para este argumento ser, de facto, uma obra-prima que podes ver na FilmIn.
A loucura de Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo
O realizador Radu Jude faz, efetivamente, filmes delirantes. “Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo” (2023) é só mais um deles. Infelizmente, este é apenas o terceiro filme que recebemos em Portugal do realizador. Mais um caso de “esquecimento” das distribuidoras como Hong Sang-Soo?
Se “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental” (2021) nos mostrou como se pode fazer uma bela comédia com um não-assunto, “Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo” leva-nos aos limites. Especialmente na última longuíssima e disparata cena no final do filme.
A saber, o argumento do filme romeno “Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo”, escrito pelo próprio realizador, aborda a história de uma assistente de produção completamente desgastada. Para gerir o stress de trabalhar longas horas, Angela (interpretada por Ilinca Manolache) inventa uma personagem sua alter-ego para as redes sociais: Bobita. Com esta personagem consegue descontrair perante o ridículo de várias situações de trabalho que enfrenta.
Esta é uma comédia mordaz sobre a vida moderna que não podes perder e está disponível na FilmIn. O filme venceu igualmente o Prémio Especial do Júri no Festival de Locarno.
Na estrada, Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos
“Uma família à beira de um ataque de nervos” (2006, Jonathan Dayton e Valerie Faris) é o único filme da minha lista que, realmente, teve o Oscar de melhor argumento original (e também de melhor ator secundário para Alan Arkin). O argumento do filme acaba por suplantar a qualidade do próprio filme, se assim podermos dizer.
Este foi o primeiro filme escrito por Michael Arndt que, entretanto, escreveu argumentos de filmes como “Toy Story 3” (2010, Lee Unkrich) ou “Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força” (2015, J.J. Abrams). Contudo, “Uma família à beira de um ataque de nervos” é o único filme, até ao momento, onde a autoria do argumento é unicamente sua.
A narrativa deste filme conta a história de uma família inteira que vai atrás de um sonho da filha mais nova (Abigail Breslin). Agora, imaginem como… Dentro de uma carrinha Volkswagen pão-de-forma! Seis elementos (pai, mãe, tio, avô, filho e filha) num veículo durante vários dias a fio. E o problema maior nem é a buzina avariada da carrinha…
Este filme aborda temáticas como depressão ou a aceitação de si e dos outros. É uma comédia recheada de cenas que tanto nos levam ao riso como à lágrima. Podes ver este filme no Disney+.
Culpado-Inocente-Monstro, onde está a verdade?
Por fim, destaco um filme japonês, “Culpado-Inocente-Monstro” (2023, Hirokazu Kore-Eda). Esta longa-metragem ficou, talvez, mais conhecida por ter a última composição musical feita para cinema por Ryuichi Sakamoto.
O argumento de Yûji Sakamoto é simples mas bastante profundo, tratando-se de uma história contada a partir de três pontos de vista. Em termos de temática, foi para mim inegável encontrar uma relação de semelhança entre este filme e “Close” (2022, Lukas Dhont), uma vez que foram lançados com poucos meses de diferença. Decidi, no entanto, destacar o filme de Hirokazu Kore-Eda que tem um trabalho de argumento ligeiramente superior.
“Culpado-Inocente-Monstro” conta a história de Minato (Soya Kurokawa), um rapaz que diz que tem um cérebro de um porco e que trava uma amizade profunda com Yori (Hinata Hiiragi). Os seus colegas vêm a sua amizade como estranha e Minato afasta-se de Yori. Pelo meio, parece haver um caso de violência e a mãe de Minato (Sakura Andô) exige respostas. Certo dia de tempestade, os dois rapazes fogem juntos para um esconderijo na floresta. A história é contada do ponto de vista da mãe de Minato, do professor (Eita Nagayama) e do próprio Minato.
Podes, pois, ver “Culpado-Inocente-Monstro”, vencedor do Prémio de Melhor Argumento no Festival de Cannes, na FilmIn.