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Culpado – Inocente – Monstro, a Crítica | O novo drama do cineasta japonês Hirokazu Kore-eda

Hirokazu Kore-eda dá a oportunidade aos espectadores de conhecer a história de Minato com o seu mais recente filme, “Culpado – Inocente – Monstro”.

Dedicado ao músico e compositor japonês Ryuichi Sakamoto (17 de Janeiro de 1952 – 28 de Março de 2023), o filme “Kaibutsu” (Culpado – Inocente – Monstro), 2023, do seu compatriota Hirokazu Kore-eda, estreado no circuito comercial português pela mão da Midas Filmes, revela o gosto do realizador em polarizar a nossa atenção para ficções em que o realismo se cruza com um ou outro afloramento de propósitos filosóficos que nos remetem para um limbo onde as personagens circulam como peças e agentes de um destino que nunca são capazes de controlar na plenitude dos seus actos existenciais, sejam os comportamentos voluntários ou não.

RENASCER OU NÃO RENASCER, E UM CICLONE REDENTOR

Culpado - Inocente - Monstro
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Neste caso, acrescenta ao puzzle narrativo uma fragmentação naquilo que podemos designar por uma sucessão de episódios exemplares que nos abrem as portas da verdade por detrás do que primeiro vemos, como se nas primeiras sequências nos quisesse dar apenas um esboço da imagem completa, que se só se alcança pela verdade intrínseca da revelação posterior. Naturalmente, Hirokazu Kore-eda parte do princípio de que estamos ao seu lado mesmo quando os caminhos percorridos parecem gerar alçapões de incerteza sobre o que realmente se passa, passou e eventualmente se irá passar no futuro mais ou menos imediato.

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E esse será, sem dúvida, um pressuposto arriscado porque, muito provavelmente, com o decorrer dos acontecimentos não surge como seguro o interesse manifestado inicialmente por uma parte da história contada e pela outra parte da história escondida. Mas vamos então ao princípio, ao momento inicial que no contexto da montagem nos remete para um posterior e múltiplo retorno ao ponto de partida, para contextualizar melhor o que acabei de enunciar.




Logo a abrir, um carro de bombeiros procura avançar ao longo de uma artéria congestionada para chegar ao local onde ocorre um incêndio de grandes dimensões. Saberemos mais adiante que os andares sinistrados abrigavam um bar de alterne e que um jovem professor de uma escola primária, Michitoshi Hori (Eita Nagayama), fora visto por lá com mulheres pouco recomendáveis para a conservadora e hipócrita moral dominante. Nada de extraordinário, apesar do desconforto da associação a uma vida boémia de conotações marginais, não se desse o caso desse professor se ver envolvido numa alegada agressão verbal e física a um aluno, Minato (Soya Kurokawa), cuja mãe solteira carrega mais frustrações do que as que se podiam imaginar devido ao facto de se encontrar igualmente viúva de um homem que, segundo se diz, representava o ideal masculino para a dita sociedade onde as regras e o respeitinho pela autoridade atingem por vezes o delírio proto-masoquista.

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Em certos casos, com um boa pitada de sadismo social. Basta a este nível assistir ao modo arrogante, mascarado de indignação, como a mãe, Saori (Sakura Ando), encara o professor em causa e ainda os outros que o acompanham. Professores que de forma algo desesperada procuram proteger e desculpar o seu colega e simultaneamente o perfil que se pretende “imaculado” da escola onde leccionam. Particularmente estranha será a presença na reunião para esclarecer o incidente da directora (Yûko Tanaka), personagem que mais parece uma figura de cera e não um ser vivo e responsável. Mas há uma explicação para a sua personalidade “catatónica”, que com uma certa fragilidade de composição se procura introduzir a martelo na narrativa.

Culpado - Inocente - Monstro
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Ela fora protagonista da morte do neto, e o marido e avô foi quem acabou por arcar com a culpa do sucedido para, mais uma vez, apagar a simples e singela hipótese de se identificar o quadro cimeiro da hierarquia académica com um crime, mesmo que este fosse fruto de um descuido da velha senhora ao fazer marcha atrás com o seu carro. Pouco a pouco iremos descobrir, como numa espécie de whodunit, quem foi afinal que prevaricou e como se passaram verdadeiramente as coisas entre o professor, o aluno, e para adicionar mais uma camada de complexidade ao que já se apresentava complexo, uma outra criança, Eri (Hinata Hiiragi), que sofre um sistemático bullying por parte dos colegas, motivado em grande medida por laivos canhestros de homofobia.




Chegados a este ponto, os espectadores solidários com as grandes causas, mas que não precisam que lhas enfiem pelos olhos dentro, perguntam: que mais se irá passar de seguida? E, felizmente, o que se passa a seguir será bem mais interessante do que aquilo que até ali se mostrou. Os dois rapazes irão encontrar, praticamente sozinhos, uma plataforma de relacionamento que os irá conduzir a uma relação próxima, não necessariamente uma amizade imediata, que no plano emocional será materializada no interior de um refúgio artificial, constituído por uma velha carruagem de comboio abandonada.

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Tudo isto convenientemente situado num lugar afastado das principais vias dos circuitos urbanos. Será esse espaço decadente e ferrugento o ventre materno que falta a um deles (na verdade, vive com um pai emocionalmente desequilibrado), e a superação das contradições com a mãe que atingiam o outro, o protagonista juvenil nas duas primeiras sequências correspondentes aos dois primeiros pontos de vista plasmados nos dois primeiros capítulos. Será aqui de igual modo que as acusações que determinavam o bullying e a relativa marginalização de Eri encontram justificação, mas sem culpa nem castigo, nem sofrimento para além do que se pressente na vida de dois seres que acreditam numa outra forma de vida e na reencarnação, ou em qualquer coisa próxima desse conceito religioso, particularmente importante no Budismo e no Hinduísmo.

Culpado - Inocente - Monstro
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Reencarnação que como o Karma se refere a uma descoberta da “realidade última”, a realidade “inexprimível”, diferente da realidade convencional. Nesta base serão construídos os restantes alicerces que sustentam a acção concebida a partir da matriz, a blue-print das diversas perspectivas de “Culpado – Inocente – Monstro”, seguindo-se o desenho do percurso dos homens, professor e professores, das mulheres, mãe e a avó directora, e ainda dos dois alunos que a certa altura desaparecem no meio de um furacão que, ao contrário de colocar um ponto final na sua vida e na acção, os catapulta para uma outra dimensão. Quem quer acreditar na redenção libertadora da reencarnação não precisa mais do que esperar pelas derradeiras imagens e sons deste filme. E mais não digo, para manter a expectactiva de como se chegou até aqui…!

Culpado - Inocente - Monstro, a Crítica
Culpado - Inocente - Monstro

Movie title: Kaibutsu

Director(s): Hirokazu Kore-eda

Actor(s): Sakura Ando, Eita Nagayama, Soya Kurokawa, Hinata Hiiragi, Yuko Tanaka

Genre: Drama, 2023, 127min

  • João Garção Borges - 65
65

Conclusão:

PRÓS: No Festival de Cannes de 2023 recebeu o Prémio para o Melhor Argumento, da autoria de Yuji Sakamoto. Recebeu igualmente a Palma Queer.

Não obstante, o que pessoalmente mais destaco em “Culpado – Inocente – Monstro” não será a qualidade do argumento, nada contra, mas sim a prestação dos actores mais jovens, Soya Kurokawa e Hinata Hiiragi, muito acima da de alguns veteranos que por lá andam e que foi justamente reconhecida pela Academia Japonesa de Cinema.

CONTRA: Nada de especial.

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