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MOTELX ’22 | Something in the Dirt, em análise

Justin Benson e Aaron Moorhead (recentes colaboradores da Marvel) e realizadores de “Something in the Dirt”, visitaram Lisboa aquando da 16ª edição do MOTELX e marcaram presença na sessão de apresentação deste seu insano sci-fi. Foi com prazer que uma plateia participativa acolheu os dois norte-americanos na capital. 

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No Q&A em Lisboa, a 10 de setembro, após a projeção de “Something in the Dirt”, alguém na audiência perguntou a Justin Benson e Aaron Moorhead de onde tinha surgido a ideia para este filme. A dupla de realizadores responsável pelo alucinado “Something in the Dirt” tem vindo a criar narrativas em conjunto há já 10 anos, isto desde que realizaram “Resolution” (2012), uma narrativa de terror e mistério bem-sucedida, estreada mundialmente no Festival de Tribeca e que depois disso teve um trajeto alargado de festivais, e que acabou por dar algum momentum à carreira desta parelha.

Conhecidos nos Estados Unidos por criarem algumas das histórias de ficção científica mais fora da norma da última década, como “Spring” ou “The Endless” (particularmente aclamado e exibido no “Serviço de Quarto” do MOTELX em 2017), Justin e Aaron revelaram, em Portugal, que muito do material para “Something in the Dirt” resulta de ideas rejeitadas que submeteram a grandes estúdios. O seu sucesso no circuito indie fez com que fossem abordados por grandes estúdios para a criação de blockbusters de terror. Todavia, segundo os realizadores, os executivos acabaram permanentemente assustados depois de ouvirem as suas ideias fora deste mundo – recusando-se a arriscar em conceitos difíceis de assimilar junto do grande público. São estas ideias rejeitadas, e os diálogos que estas implicam, que agora se vêm aplicadas em “Something in the Dirt”.

 

Com uma carreira já com alguma maturidade, Justin Benson e Aaron Moorhead mostram-se muito orgulhosos do carácter extremamente indie de “Something in the Dirt”, o qual abre espaço à liberdade criativa ao não implicar elevados riscos por parte de estúdios. E embora a longa-metragem se faça, de facto, sentir de baixo orçamento, a verdade é que os efeitos especiais e a sonoplastia brilham onde precisam de brilhar, bem como os adereços, maquilhagem e todas as outras componentes não tão simples, necessárias para que esta comédia de terror e ficção científica resulte. Para que entremos na incrível realidade do mundo de hipóteses aqui criado.

Esta é a história de dois estranhos que se conhecem em situações comuns. Levi (Justin Benson) acabou de se mudar para um apartamento paupérrimo nas Hollywood Hills e trabalha como bartender na terra dos sonhos. Por lá conhece John (Aaron Moorhead), fotógrafo recém-divorciado e morador de longa data do complexo habitacional com aspecto pouco recomendável. Assim funcionam as leis do feroz mercado habitacional de LA. Levi e John depressa se tornam amigos. A conversa inicial entre os dois é escrita na perfeição por Justin Benson – o intérprete de Levi e co-realizador. Desde logo sentimos o laço fraterno, talvez em parte devido à parceria criativa longa entre os dois intérpretes/realizadores. Sentimos também a misticidade do seu discurso, com os coiotes californianos ao pôr-do-sol e os espanta espíritos a ocuparem um lugar de destaque.

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O espírito de bizarria instala-se, com muito sucesso, nos primeiros minutos, bem como um divertido e jocoso clima de desconfiança. Os dois vizinhos começam a estabelecer uma relação amigável e, durante um dia insuspeito, testemunham algo aparentemente impossível através da janela de um dos seus apartamentos – um cinzeiro de cristal levita e espalha pela divisão uma luminescência que parece vinda de outro mundo.

Levi e John, sem grande rumo aparente, vêm este fenómeno como uma potencial demonstração do sobrenatural capaz de atribuir significado às suas vidas pautadas pelo desalento. Além disso, não vivessem na terra dos sonhos e nos EUA, decidem também explorar economicamente a estranha ocorrência. “Armam-se” com câmaras, tripés e perches no apartamento de Levi, onde esta “presença” se fez sentir e decidem que o formato do documentário é o melhor para chegar à resolução deste caso e também a milionários, claro está.

O filme torna-se assim uma espécie de meta cinema, onde um filme dentro do filme é gravado, ainda com confessionários em tom de true crime à mistura quase desde o início. Todavia, nunca vira inteiramente um “falso documentário”, equilibrando um estilo de filmagem mais terra-a-terra como a âncora do projeto.

Por vezes, a aparente inconstância entre momentos, com várias oscilações tonais e mesmo de ritmo, poderiam fazer com que “Something in the Dirt” não resultasse. Não é esse o caso, esta história transporta-nos para um universo rico de colocação de hipóteses por parte dos seus dois protagonistas que, por vezes, parecem simplesmente duas pessoas anónimas, sob o efeito de estupefacientes, a discutir o significado da vida.

 

 

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Eis que o objeto e o seu fenómeno se tornam pretexto para teorizações levadas ao limite sobre tudo e mais alguma coisa – o sobrenatural, antigas fórmulas matemáticas, uma conspiração em torno da construção da cidade de Los Angeles ou a Sociedade Secreta de Pitágoras. Acompanhá-los nesta viagem alucinante é uma experiência marcada por muita diversão, no gigante repositório de humor negro fino que é a longa-metragem.

“Something in the Dirt” sabe também evoluir ao longo das suas quase duas horas de duração, que nunca se fazem sentir demasiado longas. A paranoia é galopante, bem como a desconfiança que se vai instalando entre Levi e John. Ambos são figuras complicadas, ambíguas, marcadas por contrariedades e por uma certa falta de afabilidade. Os realizadores reforçaram, na sua visita a Lisboa, que um filme de pequeno orçamento lhes dá esta licença, de criar personagens com as quais os espectadores não precisam de se identificar. Tal admissão é, para nós, refrescante.

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Do ponto de vista estético, a obra é realmente um feito interessante. Gravado durante a pandemia, o filme contou com uma equipa altamente limitada. Quando um não se encontrava em cena, o outro filmava (e vice-versa). Tal acabou por criar algumas sensibilidades e percalços numa ou noutra cena, particularmente no apartamento, onde a maioria do filme decorre. Todavia, Benson e Moorhead mais que compensam eventuais fragilidades através da criação de uma Mise en Scène rudimentar mas cativante, perfeitamente alinhada com o espírito do filme.

Interpõem-se também os breves efeitos visuais, pouco frequentes mas relevantes e perfeitos para determinar o estado de espírito da obra e a sua resolução. Por outro lado, a montagem é alucinada, existem ângulos de câmara arrojados e os clipes intercalados ajudam a construir uma narrativa irresistível para fãs de teorias da conspiração (mas não só).

Justin Benson e Aaron Moorhead têm como único limite a sua gigante imaginação, nesta fita que surge como o culminar de muita conversa de madrugada. Da verborreia surge um produto cinematográfico interessante, capaz de parodiar os investigadores do paranormal e ao mesmo tempo ambicionar ocupar o seu lugar no mundo.

Boas-novas! “Something in the Dirt” conta já com distribuição em sala, em Portugal, a cargo da NOS Audiovisuais. 

TEASER TRAILER OFICIAL | SOMETHING IN THE DIRT (2022)

Something in the Dirt, em análise

Movie title: Something in the Dirt

Movie description: Levi consegue um apartamento a custo zero em Hollywood Hills para dormir, enquanto tenta atar as pontas soltas após a sua fuga para Los Angeles, estabelecendo de imediato uma amizade com o seu novo vizinho, John. Um dia, John e Levi testemunham algo impossível da janela de um dos seus apartamentos. Inicialmente horrorizados, acabam por dar conta de que o que presenciaram pode mudar as suas vidas, e dar-lhes propósito. Com cifrões nos olhos, estes dois tipos anónimos tentarão provar o sobrenatural.

Date published: 16 de September de 2022

Country: EUA

Duration: 116'

Author: Justin Benson

Director(s): Justin Benson, Aaron Moorhead

Actor(s): Justin Benson, Aaron Moorhead

Genre: Sci-fi, Comédia, Terror

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  • Maggie Silva - 83
83

CONCLUSÃO

Justin Benson e Aaron Moorhead não precisam de muito para criar dramas de ficção científica cativantes e capazes de estimular o pensamento crítico da sua interessada audiência (já mais que encontrada e sedimentada). “Something in the Dirt” é uma obra de ficção científica pautada pelo fascinante humor negro e por uma ânsia de colocar o máximo de respostas perante uma problemática inicial – sem limites ou amarras.

Pros

  • A abordagem trágico-cómica privilegiada por Benson e Moorhead, no que diz respeito não só aos traços de personalidade das suas personagens como aos seus destinos;
  • “Something in the Dirt” equilibra muitas facetas com destreza: apesar de ser, antes de mais, uma comédia sci-fi, é também um estudo de personagem profundo, que pensa o tema do isolamento social, muito bem (des)crito por Justin Benson. Os diálogos pensativos equilibram-se na perfeição com as mais absurdas sequências de “investigação” paranormal;
  • Esta equipa tem a nítida capacidade de fazer muito com muito pouco. Aliás, o baixo orçamento parece ser um desafio que enche a medida aos realizadores e não uma condição limitativa;
  • As próprias interpretações dos realizadores, hilariantes e repletas de contradições – tal qual a natureza humana;
  • O desfecho intencionalmente ambíguo (nem podia ser de outra forma).

Cons

  • Alguns planos e cortes que poderiam ter sido refeitos.
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