"O Domingo das Mães" | © NOS Audiovisuais

O Domingo das Mães, em análise

Odessa Young e Josh O’Connor protagonizam o novo filme da realizadora Eva Husson. “O Domingo das Mães” examina o período entre guerras numa Inglaterra do passado, olhando a época através dos olhos de uma escritora cheia de memórias dolorosas.

Adaptado por Alice Birch com base num romance de Graham Swift, “O Domingo das Mães” centra-se em Jane Fairchild, uma humilde criada orfã na Inglaterra do pós-Primeira Guerra Mundial. A narrativa desencadeia-se em desordem cronológica, estando sempre a oscilar entre vários passados, memórias na cabeça de uma Jane mais velha, agora feita autora consagrada. É através dessa perspetiva que conhecemos o mundo da jovem criada, seu tórrido caso com um nobre local, suas ambições de uma vida para além dos fados consignados à sua classe.

A ação principal foca-se nesse dia que dá nome à fita, o domingo das mães. Passa-se nesse dia caloroso na Primavera de 1924, quando Jane trabalhava ao serviço dos Niven, casal de meia-idade com casa senhorial no meio do campo. Longe de festejos maternais, o domingo será ocasião de prelúdios nupciais. Paul Sherringham, vizinho abastado dos Niven, está noivo de outra herdeira local, Emma Hobday, e suas famílias aproveitam a tarde serena para almoçar ao ar livre. Contudo, o futuro esposo está ausente, atrasado. Na verdade, ele está com sua amante.

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Desde que Jane chegou a essa vila na Inglaterra rural, ela e Paul têm tido uma relação sexual. Aquando desta história, o envolvimento dura há anos e, com o noivado anunciado, está prestes a ter fim. A tarde de amor e luxúria que os dois passam é uma espécie de adeus, um último grito de glória antes que as vidas dos dois se separem para sempre. Há um ar de romance no ar, mas há sobretudo uma inquietação social que se manifesta no conspurcar de ordens sagradas. Desnuda e sem vergonha, Jane aproveita o dia de folga para saborear o corpo de Paul e passear-se pela mansão como sua senhora.

Contudo, o domingo recordado é mais que um episódio erótico. Algo aconteceu que mudou a vida de Jane, levando-a para o caminho que acaba com ela enquanto autora premiada, voz de uma geração. A memória é intrusiva e não permite o conto linear, explosões de sensualidade a interromperem o enredo, presságios de romances futuros a resvalarem para o passado mais longínquo. Tais desordens na montagem ajudam a dar a impressão de um tradicional filme de época subvertido. De facto, todo “O Domingo das Mães” se parece guiar pelo ideal subversivo. Isso vai além da estrutura.

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Como seria de esperar da realizadora cuja estreia foi “Bang Gang (une histoire d’amour moderne),” o novo filme de Eva Husson transborda sexo. Além do mais, não é o tipo de sexo cinematográfico que muitos artistas concebem. Há casualidade no modo como Husson apresenta o corpo nu, deleitando-se na luxúria ao mesmo tempo que tudo nos mostra como expressão natural do ser humano. As passagens entre orgasmos, quando Jane e Paul simplesmente se deleitam com o sol na pele, o fumo de um cigarro sem filtro, são especialmente belos.

Além do mais, o seu contraste com os afazeres da alta sociedade é chocante. Qual Adão e Eva num Jardim de Éden modernista, os amantes afirmam-se naturais num cosmos onde o costume teatral domina. Quiçá as manias dos nobres sejam um modo de esconder a dor que remói no seu interior, como vemos no caso da Sra. Niven. Apesar de “O Domingo das Mães” se assuma enquanto estudo do trauma de guerra, somente essa mulher parece exteriorizar as cicatrizes psicológicas. Em momentos singulares, Olivia Colman interpreta a figura em transtorno avassalador, parecendo desintegrar-se perante a câmara.

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Não obstante a pequenez do papel, Colman tem o melhor desempenho do filme, iluminando complexidades que o restante elenco nunca tem oportunidade de explorar. Também aplaudimos os esforços de Josh O’Connor como Paul, um papel de desinibido candor que cambaleia entre a paixão e a ambivalência. Odessa Young continua a impressionar como Jane, acrescentando mais uma interpretação sólida ao currículo. Contudo, nenhum desses nomes se compara a Glenda Jackson, aparecendo somente nalguns vislumbres da escritora nos nossos dias, essa dupla vencedora do Óscar para Melhor Atriz é uma presença inesquecível e insuperável.

Enfim, há muito a elogiar em “O Domingo das Mães,” mas a obra final deixa algo a desejar. As tentativas de opor o tradicional ao moderno, de quebrar o filme de época Britânico sob o peso de um engenho vanguardista, nem sempre funcionam. Intelectualmente, tem valor, só que também entedia. Além dos atores, os pontos fortes da fita são a música de Morgan Kibby e os figurinos de Sandy Powell. As sinfonias têm sons eletrónicos e nervosos, dores de cabeça em forma de banda-sonora. As roupas são um estudo em esplendor antigo, pesado e angustiante. Quando se foca nessas singularidades tonais, no sexo húmido e no trauma ossificado, “O Domingo das Mães” fascina. Só é pena que, no fim, o todo valha menos que as partes.

O Domingo das Mães, em análise
O Domingo das Mães

Movie title: Mothering Sunday

Date published: 26 de March de 2022

Director(s): Eva Husson

Actor(s): Odessa Young, Josh O'Connor, Sope Dirisu, Olivia Colman, Colin Firth, Emma D'Arcy, Patsy Ferran, Glenda Jackson

Genre: Drama, Romance, 2021, 104 min

  • Cláudio Alves - 58
58

CONCLUSÃO:

“O Domingo das Mães” pode, à primeira vista, parecer um típico drama de época Britânico. Contudo, seus cineastas mostram uma vontade de quebrar as regras e ir contra os modelos mais antigos. Louvamos a ambição, mas o resultado final é um tanto ou quanto inerte, mesmo com doses industriais de nudez e sexo. Dito isso, a fita tem uma série de elementos meritosos que merecem aplausos, desde algumas façanhas de casting até à sua execução formal.

O MELHOR: A música, as modas, o trabalho de Olivia Colman e o talento de Eva Husson para filmar o foro erótico sem cair no mau gosto salaz.

O PIOR: A vaga superficialidade de todo o engenho narrativo. Há observações preciosas sobre classe e História Inglesa, mas esses elementos perdem-se pelo meio da montagem repetitiva e uma estrutura pobre em vitalidade dramática.

CA

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