"Sing Sing" | © NOS Audiovisuais

Sing Sing, primeiras impressões | Colman Domingo nunca esteve melhor

Em “Sing Sing,” Colman Domingo e uma trupe de presidiários feitos atores demonstram o poder da arte e do teatro. O filme de Greg Kwedar é candidato forte aos Óscares, especialmente na categoria de Melhor Ator.

Muito se fala no poder da arte, no seu valor, mas raramente se vêem obras onde essa realidade é articulada de forma persuasiva. Afinal, o poder da arte tende a residir na experiência individual de cada um enquanto audiência. Mas há também que considerar o potencial do exercício artístico do ponto de vista de quem o pratica. Como é que o ato criador pode afetar as pessoas? É essa questão que “Sing Sing” se coloca, propondo uma resposta positiva e cheia de esperança. Ele encontra graça e a promessa de redenção num contexto prisional, qual flor brotando por entre as rachas do asfalto. Além disso, mostra-nos esse ambiente sem o sensacionalismo do costume, enfatizando o regresso à sociedade como objetivo suprassumo.

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Estreada no Festival de Toronto de 2023, “Sing Sing” partiu de um programa de reabilitação através das artes que se tem vindo a levar a cabo na famosa prisão de Sing Sing, em Nova Iorque. Através dessa iniciativa, homens atrás das grades – na sua maioria Afro-Americanos – têm a oportunidade de participar em criações teatrais, ora como atores ou como dramaturgos e encenadores em esforço coletivo. O projeto do filme começou com a colaboração entre os cineastas e atores amadores que haviam participado no programa enquanto presidiários, assim como o envolvimento de dois profissionais – Colman Domingo e Paul Raci, recentes nomeados para os Óscares.

Entre a ficção e o docudrama, o teatro e a vida.

sing sing critica
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O resultado deste encontro entre Hollywood e a reabilitação social é uma peça híbrida, onde a ficção e o documental se combinam para dar a conhecer uma realidade poucas vezes vista com realismo, respeito e um olhar generoso. É a realidade vivida pelos homens que habitam as celas de Sing Sing – ou que habitaram noutros tempos – com muita gente a interpretar versões ficcionadas de si mesmas. Assim é o caso de Clarence Maclin, homem que afirma ter sido transformado pela sua participação no programa teatral e aqui vem contar a sua história. Aliás, a peça original que ele ajudou a escrever durante a pena de prisão está no centro da fita – o espetáculo “Breakin’ the Mummy’s Code.”

Dito isso, convém esclarecer que a história se guia pela figura de Divine G, um homem inocente a sofrer a injustiça de uma condenação errónea. Ele é também a vedeta da trupe, talvez até uma diva, bem ciente das suas virtudes em palco e do modo como estes afazeres lhe poderão aprimorar a imagem quando chegar a hora de pedir liberdade condicional. O seu empenho em levar o novo espetáculo a cena é, portanto, tão idealista quanto cínico, uma negociação periclitante de sinceridade e algo mais manipulador. Não que Divine G seja má pessoa. Por muito que a maioria das personagens sejam criminosas, “Sing Sing” jamais julga as vidas em si retratadas.


Dito isso, tal abordagem jamais invalida a exploração incisiva dessas mesmas figuras. O dissecar de Divine G começa com a introdução de um novo ator no programa, esse tal Clarence Maclin que dá pela alcunha de Divine Eye. Entre os dois homens surge uma amizade vital e vigorosa, um elo que tanto devém da sua simpatia um pelo outro como pelos seus desentendimentos. Essas arrelias manifestam-se tanto ao nível pessoal como criativo, com G a querer encenar um drama portentoso enquanto Divine Eye puxa pela comédia e deita a língua de fora ao que ele entende como a ingenuidade da iniciativa reabilitadora. Só que, querendo ou não, será impossível para estas personagens não serem transformadas.

Colman Domingo e Clarence Maclin interpretam estes coprotagonistas, gerando uma tensão fascinante no âmago de “Sing Sing.” Por um lado, Domingo é um veterano dos palcos e dos plateaus, trazendo um estilo de atuação académico e profissional. Através da técnica tradicional, ele comunica as contradições internas de Divine G, a frustração e a inveja que lhe tingem o afeto pelo novo amigo, a raiva que borbulha sob a superfície e que acaba por explodir quando tudo corre mal e só lhe resta o desespero. Observar Domingo é nele reconhecer uma adaptação ao trabalho com intérpretes que vivem em frente à câmara mais do que fingem ou atua, no sentido tradicional do termo.

Dois estilos de atuação em sublime colisão.

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Pelo contrário, Maclin – que se interpreta a si mesmo – aparece-nos como uma força da natureza, mais desenvolvido que um amador principiante, mas ainda cheio dos vícios daqueles que não estudaram para o ofício de ator. Não que isso seja defeito. Na construção cénica de “Sing Sing,” a sua qualidade de diamante bruto revela-se como uma arma secreta que reconfigura todo o exercício. Mais do que um corriqueiro drama inspirador de Hollywood, o projeto assume-se como uma manifestação de cinema Neorrealista deslocado das suas origens italianas. O melhor de tudo é quanto Maclin puxa por Domingo, insistindo numa visceralidade capaz de extravasar o sentimentalismo patente na narrativa.

Este Neorrealismo Made in USA chega ao seu apogeu num clímax estrondoso, sob as luzes da ribalta, quando se torna impossível esconder aquilo que vai na alma com um sorriso plácido. O teatro permite aos homens descobrirem-se a si mesmos e faz o mesmo pelo filme que é “Sing Sing.” Também convém dizer que o último ato é quando a construção formal mais cativa, com a música de Bryce Dessner a exaltar alma no mesmo momento em que a fotografia de Pat Scola pinta rasgões de cor saturada na textura granulosa dos 16mm. É um assombro de beleza, uma celebração da arte como caminho para se aprender a viver de novo, a olhar o mundo com outros olhos, a encontrar propósito e força para seguir em frente.

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“Sing Sing” chega aos cinemas portugueses só depois das nomeações para os Óscares serem divulgadas. A fita tem estreia marcada para dia 6 de fevereiro, com distribuição assegurada pela NOS Audiovisuais.

Sing Sing, primeiras impressões
sing sing critica

Movie title: Sing Sing

Date published: 14 de January de 2025

Duration: 107 min.

Director(s): Greg Kwedar

Actor(s): Colman Domingo, Clarence Maclin, Paul Raci, Sean San Jose, Mosi Eagle, David Giraudy, Patrick Griffin, James Williams, Sean Dino Johnson, Brent Buell

Genre: Drama, 2024

  • Cláudio Alves - 80
80

CONCLUSÃO:

“Sing Sing” vem-nos recordar do valor humanista da arte, celebrando um teatro feito atrás das grades por aqueles que a sociedade rejeitou e condenou. Apesar de ser um filme sustentado pelo trabalho de ator, esta narrativa de Greg Kwedar demonstra laivos de elegância formal, um gosto pela beleza da fotografia em celuloide e de uma banda-sonora apaixonante. Dito isso, os maiores aplausos vão para o elenco, cujos atores principais merecem uma pequena montanha de vitórias nesta temporada de prémios. Pelo menos, uma nomeação para o Óscar de Melhor Ator já parece assegurada.

O MELHOR: A química eletrizante de Domingo e Maclin, a colisão dos seus estilos de interpretação, a tensão gerada entre as personagens e sua expiação final.

O PIOR: Apesar de ter 107 minutos, “Sing Sing” é tão focado nas suas figuras centrais que parece descurar aqueles mais marginalizados pelo texto. A montagem de Parker Laramie faz muito para salientar a presença das outras figuras, quer sejam Raci ou os outros ex-presidiários, mas Domingo e Maclin consomem o filme. Prestar mais atenção à coletividade teria elevado o projeto a patamares ainda mais altos.

CA

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